A competência natural para conduzir o inquérito policial para a investigação de crimes no Brasil é da Polícia Judiciária, conforme previsto no art. 144, § 4º, da CF/88. Contudo, o modelo tradicional de inquérito policial apresenta diversos desafios. A discricionariedade na seleção das condutas investigáveis, a ausência de estrutura e recursos humanos suficientes, as pressões políticas, econômicas e midiáticas são questões que têm suscitado críticas e levantado questionamentos sobre a eficácia e a imparcialidade desse modelo.
Ademais, o ministério Público, ao conduzir suas próprias investigações, muitas vezes acumula os papéis de acusador e investigador, o que pode resultar em um desequilíbrio substancial no processo penal. Isso pode prejudicar o princípio de paridade de armas, fundamental para garantir que as partes tenham igualdade de oportunidades e recursos ao longo do processo, uma vez que coloca o investigado em uma posição inferior ao enfrentar uma entidade com amplos recursos e autoridade investigativa. Essa assimetria pode comprometer a imparcialidade e a justiça do processo, além de aumentar o risco de abusos e injustiças.
Outro fator que influencia no tratamento desigual ofertado ao investigado é a disparidade de prazos entre a acusação e a defesa. Enquanto a acusação muitas vezes dispõe de anos para reunir evidências, a defesa muitas vezes é confrontada com prazos exíguos, como os 10 dias estipulados para a resposta à acusação. Essa disparidade coloca os réus em desvantagem, dificultando sua capacidade de preparar uma defesa robusta e prejudicando a equidade do processo. A falta de tempo adequado para analisar as acusações e reunir evidências pode comprometer seriamente a capacidade da defesa de apresentar um contra-argumento convincente.
No caso dos crimes digitais, essa disparidade de tratamento é ainda mais enfatizada, dada a natureza efêmera das evidências digitais, visto que dados podem ser facilmente manipulados ou apagados, tornando essencial a coleta e a guarda antecipada de provas.
Diante dos desafios impostos pelo avanço tecnológico e pelas limitações do sistema atual de investigação, a advocacia se vê compelida a adotar uma abordagem proativa e inovadora na defesa dos interesses de seus constituintes. Assim, a investigação criminal defensiva surge como um instrumento fundamental para garantir a justa representação dos acusados, a preservação dos direitos individuais e a preparação adequada da defesa.
O conceito de investigação defensiva abrange o conjunto de atividades investigativas desenvolvidas pelo advogado, com ou sem a assistência de profissionais técnicos, visando à obtenção de elementos probatórios lícitos para a tutela do seu constituinte.
O provimento 118/18 da OAB que disciplina a investigação criminal defensiva representa um marco regulatório importante nesse campo, delineando as diretrizes e os limites dessa prática. Por meio desse provimento, a advocacia é autorizada a conduzir diligências investigatórias, colher depoimentos, obter dados e informações, realizar perícias e demais atividades necessárias à elucidação dos fatos, sempre resguardando o sigilo e os direitos individuais das partes envolvidas.
Um aspecto crucial é a capacidade da investigação defensiva de ocorrer tanto de forma autônoma quanto simultaneamente à investigação oficial, ou mesmo antes da formalização desta. Isso é fundamental devido à urgência em preservar evidências, especialmente no contexto dos crimes digitais, onde informações podem ser facilmente manipuladas ou perdidas com o tempo.
Durante a investigação defensiva, os advogados podem realizar uma série de atividades para reunir evidências e preparar a defesa de seus clientes. Isso pode incluir entrevistar testemunhas, reunir documentos relevantes, solicitar informações por meio de requerimentos formais, contratar peritos técnicos para análise de evidências digitais, e até mesmo realizar investigações de campo quando necessário. Essas atividades são essenciais para garantir que os interesses dos acusados sejam adequadamente representados e que todas as opções de defesa sejam exploradas de maneira abrangente.
No contexto dos crimes digitais, os advogados podem trabalhar em estreita colaboração com especialistas em tecnologia para coletar e preservar evidências digitais de forma eficaz, garantindo que nada seja perdido e que a integridade das provas seja devidamente resguardada. Além disso, a análise cuidadosa das evidências digitais pode revelar informações relevantes que podem fortalecer a defesa e desafiar a narrativa da acusação. Dessa forma, a investigação defensiva não apenas protege os direitos dos réus, mas também contribui para a justiça e equidade no tratamento dos casos de crimes digitais.
A investigação defensiva garante que todas as partes tenham acesso igualitário às evidências e recursos durante o processo. Ao trabalhar em estreita colaboração com especialistas em tecnologia, os advogados podem assegurar que a análise das evidências digitais seja conduzida de maneira imparcial e transparente, evitando distorções ou viés na apresentação dos fatos. Isso não apenas protege os direitos dos réus, mas também fortalece a integridade do processo judicial, promovendo a confiança e legitimidade nas decisões judiciais.
Igualmente, a investigação defensiva oferece uma abordagem complementar e mais adaptável em comparação com o modelo tradicional de inquérito policial, permitindo uma análise mais minuciosa e abrangente dos fatos em disputa. Enquanto o inquérito policial muitas vezes enfrenta limitações estruturais e burocráticas, a investigação defensiva é caracterizada por sua flexibilidade e foco na busca pela verdade. Ao conduzir diligências investigatórias independentes, os advogados podem explorar todas as linhas de defesa disponíveis e garantir que nenhum aspecto relevante seja negligenciado. Isso não só fortalece a posição dos réus, mas também enriquece o processo judicial, promovendo uma justiça mais completa e equitativa.
Em suma, a investigação criminal defensiva representa uma resposta pragmática e eficaz aos desafios impostos pela era digital, oferecendo uma abordagem inovadora e centrada nos direitos individuais dos acusados. Seu papel complementar em relação ao inquérito policial, aliado à sua flexibilidade e capacidade de adaptação às demandas do processo penal contemporâneo, reforça sua importância como uma ferramenta essencial para a promoção da justiça e da equidade no sistema judicial.