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Da complexidade das novas regras de preço de transferência - Alinhamento aos padrões internacionais obrigatórios ao ingresso do Brasil na OCDE

A lei 14596/23 alterou a legislação sobre preço de transferência, impactando a apuração do IRPJ e CSLL. Surgiu após a inadequação da Lei nº 9430/96 e busca alinhar as normas brasileiras às da OCDE, facilitando a integração do Brasil à organização.

26/4/2024

A MP 1.152, publicada no final de 2022 e convertida na lei 14.596, publicada no Diário Oficial da União de 15/6/23, promoveu profundas alterações na legislação que disciplina o chamado preço de transferência e que interfere na apuração do IRPJ e da CSLL.

Tais alterações eram demandadas, desde a edição da lei 9.430/96, a primeira a disciplinar o preço de transferência no Brasil e que deixou a desejar com seus métodos e margens de lucro impostos.

Além disso, fazia-se necessária a adequação das regras brasileiras às normas aplicadas pelos países membros da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, por se tratar de medida obrigatória para viabilizar a integração do Brasil a essa organização.

A OCDE é uma organização, criada em 1961, atualmente integrada por 38 países, dentre os quais Reino Unido, França, Alemanha, Estados Unidos, Japão, Austrália, Nova Zelândia, México, Chile, Colômbia e Coreia do Sul. que tem como objetivos principais fomentar a boa governança estatal e empresarial, o desenvolvimento social e o crescimento econômico por meio de cooperação institucional e política.

O Brasil pleiteia desde 2017 o seu ingresso na OCDE, fazendo-se necessário, para tanto, o cumprimento de diretrizes e recomendações em diversos setores, como meio ambiente, saúde, responsabilidade fiscal, tributação, combate à corrupção, proteção da concorrência e consumidor.

A aceitação do Brasil como membro da OCDE atesta as boas práticas do país nos setores acima discriminados com a consequente atração de negócios e investimentos.

Segundo estudo do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada o Produto Interno Bruto brasileiro pode subir 0,4% ao ano com a adesão à OCDE.

Com esse intuito, já no artigo 2º da lei 14.596/23, há a expressa incorporação ao ordenamento pátrio do Princípio Arm’s Length, segundo o qual os termos e as condições de uma transação controlada devem ser estabelecidos como aqueles que vigorariam entre partes não relacionadas em transações comparáveis.

Embora as alterações tenham entrado em vigor a partir de 1/1/24, o art. 46 da MP 1.152 facultou a adoção das novas normas já para o ano-calendário de 2023.

A lei 14.596/23 traz disciplina detalhada sobre a apuração do preço de transferência para as transações controladas, assim considerada “qualquer relação comercial ou financeira entre 2 (duas) ou mais partes relacionadas, estabelecida ou realizada de forma direta ou indireta, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma e série de transações”, e trata em capítulos específicos sobre (i) commodities; (ii) transações com intangíveis, incluindo intangíveis de difícil valoração: (iii) prestação de serviços intragrupo: (iv) contratos de compartilhamento de custos: (v) reestruturação de negócios: (vi) operações financeiras, divididas pela MP em operação de dívida e operação de capital, a depender “das características economicamente relevantes da transação, as perspectivas das partes e as opções realisticamente disponíveis”; (vii) garantias intragrupo; (viii) acordos de gestão centralizada de tesouraria; e (ix) contratos de seguro.

Dada a enorme e assustadora complexidade das novas regras, distribuídas em mais de quarenta artigos, que dependiam, em sua grande parte, de regulamentação por parte da Receita Federal do Brasil, para a sua aplicação, foi aberta consulta pública pela Receita Federal do Brasil, no período de 3.7.23 a 25.7.23, para comentários e sugestões sobre os dispositivos da minuta de Instrução Normativa, que seria editada com o objetivo de disciplinar determinados aspectos do novo sistema de preços de transferência.

Como resultado, foi editada a Instrução Normativa RFB 2.161, de 28/9/23, publicada em 29/9/23, que, embora contenha oitenta e um artigos e seis anexos, não esgota o tema, tendo faltado a regulamentação das transações com commodities e com ativos intangíveis, serviços intragrupo, compartilhamento de custos, reorganização societária, operações financeiras e o processo de consulta específico em matéria de preços de transferência.

Apesar de necessárias as mudanças implementadas, a adaptação da própria Receita Federal do Brasil e dos contribuintes ao novo sistema não será fácil, tendo em vista que não é mais possível a livre escolha de um dos métodos de apuração do preço de transferência, mas sim é obrigatória a adoção do método “mais apropriado”, assim considerado “aquele que forneça a determinação mais confiável dos termos e das condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em uma transação comparável”, dentre os métodos previstos no art. 11 da lei 14.596/23, quais sejam, (i) PIC - Preço Independente Comparável; (ii) II PRL - Preço de Revenda menos Lucro; (iii)  MCL - Custo mais Lucro; (iv) IV MLT - Margem Líquida da Transação; (v) MDL - Divisão do Lucro.

Para a escolha do “método mais apropriado” de apuração do preço de transferência aplicável a determinada transação considerada controlada, faz-se necessária a observância das detalhadas regras estabelecidas nos arts. 6 a 10 da lei 14.596, no que tange ao “delineamento da transação controlada” e à “análise de comparabilidade da transação controlada”.

Ressalta-se a previsão contida no parágrafo primeiro do art. 7º da lei 14.596/23, no que tange à obrigatoriedade de se levar em conta, no delineamento da transação controlada, das opções realisticamente disponíveis para cada uma das partes da transação controlada, para se avaliar a existência de outras opções que poderiam ter gerado condições mais vantajosas para qualquer uma das partes e que teriam sido adotadas caso a transação tivesse sido realizada entre partes não relacionadas, inclusive a não realização da transação, o que deixa clara a necessidade da comprovação da racionalidade econômica da transação realizada entre partes controladas.

Apesar de ser possível a escolha de outro método não expressamente previsto na lei 14.596/23, consoante consta do §3º, do art. 11, será necessária a demonstração documental à Receita Federal do Brasil de que o método eleito é mais apropriado e produz resultado mais confiável do que os métodos legalmente estabelecidos.

Há inovação também com relação aos ajustes decorrentes do preço de transferência na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, que se encontram definidos no art. 17 da lei 14.596/23, da seguinte forma:

  1. Ajuste espontâneo – que deverá ser efetuado pela pessoa jurídica domiciliada no Brasil diretamente na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, com vistas a adicionar o resultado que seria obtido caso os termos e as condições da transação controlada tivessem sido estabelecidos de acordo com o princípio Arms Length;
  2. Ajuste compensatório – a ser promovido pelas partes da transação controlada até o encerramento do ano-calendário em que for realizada a transação, com a finalidade de ajustar o seu valor de tal forma que o resultado obtido seja equivalente ao que seria obtido caso os termos e as condições da transação controlada tivessem sido estabelecidos de acordo com o princípio Arms Length;
  3. Ajuste primário – que será realizado pela autoridade fiscal com vistas a adicionar à base de cálculo do IRPJ e da CSLL os resultados que seriam obtidos pela pessoa jurídica domiciliada no Brasil, caso os termos e as condições da transação controlada tivessem sido estabelecidos de acordo com o princípio Arms Length; e
  4. Ajuste secundário - aquele efetuado em decorrência do ajuste espontâneo ou primário.

Destaca-se o ajuste compensatório, ora introduzido, que não deverá ser realizado apenas pela pessoa jurídica domiciliada no Brasil, mas por todas as partes envolvidas na transação controlada, cujo prazo foi estendido pelo art. 50, §2º, da IN RFB 2.161/23 para até o momento da entrega da ECF

O capítulo IV da lei 14.596/23 determina a obrigatoriedade da apresentação pelos contribuintes da documentação e das informações que comprovam que o preço de transferência foi apurado em estrita observância ao Princípio Arm’s Lenght, estando previstas no art. 35 as multas passíveis de serem aplicadas, na hipótese do descumprimento das obrigações acessórias.

A IN RFB 2.161/23, em seus arts. 54 e 55, estabeleceu as obrigações acessórias que serão exigidas:

  1. Declaração País-a-País, contendo informações relativas à alocação global das receitas e dos ativos e ao imposto sobre a renda pago pelo grupo multinacional a que pertence, juntamente com os indicadores relacionados à atividade econômica global do grupo multinacional;
  2. Arquivo Global, contendo informações relativas à estrutura e às atividades do grupo multinacional a que pertence e às demais entidades integrantes do grupo multinacional; e
  3. Arquivo Local, contendo informações relativas às transações controladas e às partes envolvidas nas transações controladas.

É ressalvado, entretanto, que a apresentação da documentação acima relacionada artigo não dispensa o contribuinte da obrigação de apresentar documentos e provas e de prestar esclarecimentos adicionais que vierem a ser requeridos pela autoridade fiscal.

As declarações e informações a serem prestadas deixam claro o intuito da Receita Federal do Brasil de obter, por meio da Declaração País a País e do arquivo global, uma visão geral do grupo multinacional acerca da sua estrutura, atividades desenvolvidas, linhas e estratégias de negócio, ativos intangíveis, operações financeiras, e, através do arquivo local, uma visão de cada entidade do grupo multinacional, estrutura organizacional e características das atividades desenvolvidas pelo contribuinte, informações sobre as principais transações controladas realizadas, métodos de apuração do Preço de Transferência adotados.

A exigência do arquivo global e local somente foi dispensada para os contribuintes que, no ano-calendário anterior ao ano-calendário a que se refere o Arquivo Local, o valor total das transações controladas, antes dos ajustes de preços de transferência, tenha sido inferior a R$ 15.000.000,00 e na hipótese do valor total das transações controladas, antes dos ajustes de preços de transferência, maior ou igual a R$ 15.000.000,00 e menor que R$ 500.000.000,00, faz-se necessária a apresentação do arquivo local simplificado.

O cumprimento de todas as obrigações acessórias sem sombra de dúvida demandará um grande trabalho e preparo dos grupos multinacionais em face da quantidade e detalhamento das informações a serem prestadas.

A pergunta que surge é: o corpo técnico da Receita Federal do Brasil está treinado/preparado para receber, analisar e interpretar a enorme quantidade de declarações e informações que serão recebidas e consequentemente de dar o tratamento adequado a cada contribuinte?

Destaca-se a autorização, prevista no art. 36 da lei 14.596/23, para que o contribuinte retifique a declaração e/ou escrituração fiscal no que se refere à apuração do preço de transferência, caso a Receita discorde em procedimento fiscal da apuração feita, o que evitará a imposição de penalidades, desde que respeitadas as condições estabelecidas no citado artigo e a retificação seja acompanhada do recolhimento dos valores eventualmente devidos, resultantes das alterações promovidas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Um grande avanço trazido pela lei 14.596/23 é a possibilidade da formalização de consulta à Receita sobre o método a ser adotado para a apuração do preço de transferência em transações controladas que ainda serão realizadas, de forma a respeitar às normas estabelecidas e consequentemente atender ao Princípio Arm’s Lenght.

A consulta está sujeita ao recolhimento de taxa, no valor de R$ 80.000,00, e a solução de consulta terá validade de até 4 anos, com a possibilidade da prorrogação da validade por mais dois anos mediante o recolhimento de taxa adicional, no montante de R$ 20.000,00. Mas o processo de consulta ainda não foi regulamentado pela Receita.

Ainda no art. 39 da lei 14.596/23 é determinada a observação e implementação pela Receita do que foi decidido em mecanismo de solução de disputa, previsto no âmbito de acordo ou convenção internacional para eliminar a dupla tributação de que o Brasil seja signatário.

Longe de esgotar o tema, as breves considerações acima feitas prestam-se apenas a alertar que, em razão da enorme complexidade, da obrigatoriedade da adoção do método de apuração do preço de transferência apropriado, do nível de detalhamento e da quantidade de obrigações acessórias a serem cumpridas, os contribuintes precisam começar desde já a se preparar para atender as novas regras do preço de transferência, o que não poderá ser feito apenas no momento da entrega da ECF - Escrituração Contábil Fiscal.

Debora Amaral
Advogada do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados.

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