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PIS e Cofins em locações: A incidência depende do objeto social da empresa?

Uma análise dos Temas 630 e 684 da repercussão geral do STF.

25/4/2024

Nos Temas 630 e 684 da repercussão geral, o STF foi chamado a discutir se é autorizado à União cobrar das empresas a contribuição ao PIS - Programa de Integração Social e a Cofins - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social sobre as receitas obtidas com a locação de bens móveis e imóveis.

Em outras palavras, a controvérsia consistia em definir se as receitas obtidas pelas empresas com a locação de bens móveis ou imóveis integram o conceito de “faturamento”, previsto no art. 195 da Constituição, para autorizar a cobrança do PIS e da Cofins – mesmo quando a locação não decorrer da atividade empresarial.

Os casos representativos da controvérsia eram, respectivamente, o RE 599.658 e o RE 659.412.

No primeiro (RE 599.658 – Tema 630), cuidava-se de pessoa jurídica de direito privado cujo objeto precípuo era a administração de imóveis e cuja receita provinha da locação de imóveis próprios. Neste caso, o tribunal de origem (TRF-3) havia decidido favoravelmente à empresa, no sentido de que a cobrança tributária era indevida.

No segundo (RE 659.412 – Tema 684), a recorrente era igualmente pessoa jurídica de direito privado, mas sucuja atividade preponderante era a locação de bens móveis, mais especificamente, contêineres e outros equipamentos de transporte. Aqui, o tribunal de origem (TRF-2) decidira no sentido contrário, dando razão à União e mantendo a cobrança dos tributos.

Diante da semelhança dos panos de fundo dos dois casos (locação de bens móveis e imóveis), os Temas 630 e 684 foram reunidos para julgamento conjunto pelo Plenário do STF, sob o rito da repercussão geral. O julgamento ocorreu em 11.4.2024.

As três fases legislativas do PIS e da Cofins, aplicadas ao caso concreto

Para o deslinde da controvérsia, o STF se debruçou sobre três diferentes momentos legislativos, que moldaram o seu entendimento sobre o objeto de incidência das duas contribuições.

i. O período das LC 7/70 e LC 70/91

Até 1998, o PIS e a Cofins eram disciplinados, respectivamente, pelas LCs 7/70 (art. 3°) e 70/91 (art. 2°).

Essas duas leis previam como a base de cálculo das contribuições o “faturamento” da empresa. Isso estava em linha com a redação original do art. 195, I, da Constituição de 1988, que previa que as contribuições sociais devidas pelos empregadores poderiam incidir sobre “a folha de salários, o faturamento e o lucro”.

Não havia, portanto, previsão de incidência do PIS e da COFINS sobre a “receita” das empresas.

ii. A lei 9.718/98 e a declaração de inconstitucionalidade no Tema 110 do STF

Em 1998, sobrevém uma alteração legislativa: a lei 9.718/98 passa a prever uma definição mais ampla para o termo “faturamento”, de modo que as contribuições poderiam passar a incidir sobre “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica” (art. 3º, § 1º).

O que fez o legislador, em síntese, foi ampliar o conceito de faturamento, para que  ele passasse a equivaler à “receita bruta”.

No Tema 110, de relatoria do ministro Cezar Peluso, em 2008, o STF declarou inconstitucional essa ampliação, levada a cabo via lei ordinária. Além do aspecto formal, de que a alteração em matéria tributária não tinha sido realizada mediante lei complementar, o STF decidiu que o legislador infraconstitucional não poderia expandir a noção de faturamento prevista na Constituição, cujo significado não se confunde com “toda e qualquer receita” da pessoa jurídica, mas se adstringe à noção de “receita bruta das vendas de mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza, ou seja, soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais” (Tema 110, rel. min. Cezar Peluso, publicado em 28.11.08, trânsito em julgado em 12.12.08).

iii. A EC 20/98, que incluiu a alínea “b” no inciso I do art. 195 da CF/88

O cenário muda com a introdução da alínea “b” no inciso I do art. 195 da Constituição, por meio da EC 20/98. A novidade esteve em prever expressamente que a contribuição devida pela empresa incidirá sobre o seu faturamento ou sobre a sua receita. Agora, portanto, a ampliação do escopo de incidência do tributo vinha trazida pelo próprio poder constituinte derivado, e não mais pelo legislador infraconstitucional.

A partir de então, a Constituição passou a autorizar que a lei incluísse quaisquer receitas como integrantes da base de cálculo do PIS e da Cofins, inclusive receitas financeiras, receitas com royalties, e assim por diante.

As questões jurídicas postas perante o STF nos Temas 630 e 684

As empresas contribuintes que deram origem ao RE 599.658 e ao RE 659.412 alegavam que a conceituação de faturamento deve obedecer àquela definição mais estrita que o STF havia fixado no Tema 110, isto é, que faturamento é apenas aquilo que se obtém com a venda de mercadorias ou a prestação de serviços. Como consequência, a locação de bens móveis ou imóveis não se enquadraria nessa categoria, por não se tratar de mercadoria nem serviço, e sim uma cessão de direitos.

Diante disso, o STF foi chamado a decidir:

  1. se as receitas obtidas pelas empresas com a locação de bens móveis ou imóveis integram o conceito de faturamento, previsto na Constituição para autorizar a cobrança da contribuição ao PIS e da Cofins;
  2. a partir de que momento a cobrança seria permitida, tendo em vista as mudanças no quadro normativo; e
  3. se é ou não relevante o fato de a atividade locatícia ser atividade típica do contribuinte ou estar formalmente prevista como objeto social da empresa (aspecto que veio frisado por amici curiae que participaram do julgamento).

A tese fixada em sede de repercussão geral

Como mencionado, diante da similaridade do pano de fundo dos Temas 630 e 684, eles ambos foram reunidos para julgamento conjunto pelo Plenário do STF.

Por maioria (7x3), a Corte concluiu que a Constituição permite a cobrança dos tributos PIS e Cofins sobre as receitas auferidas por empresas em decorrência da locação de bens móveis ou imóveis.

Existe, contudo, um importante recorte temporal a ser considerado, no que se refere à resposta aos itens (b) e (c) listados acima.

A arrecadação sob o conceito de “faturamento

Como visto acima, a redação original do art. 195 da Constituição autorizava a incidência do PIS e da Cofins apenas sobre o “faturamento” da empresa, e não sobre o conceito mais amplo de “toda e qualquer receita”.

Aspecto que merece destaque é o seguinte: o Plenário entendeu que o art. 195 da Constituição já permitiria a cobrança dos tributos PIS e Cofins sobre as receitas auferidas por empresas com o aluguel de bens móveis ou imo'veis, mesmo antes da EC 20/98 – desde que essa fosse uma atividade “típica” da empresa.

Isso porque, mesmo na redação original da norma constitucional, o conceito de “faturamento”, para fins de cobrança de PIS/Cofins, já podia ser entendido como a “receita bruta decorrente do exercício das atividades empresariais”.

Decidiu-se, em outras palavras, que o conceito de faturamento deve abranger todos os valores recebidos em razão de atividades tipicamente desenvolvidas pela empresa, o que não se restringe à venda de mercadorias ou à prestação de serviços, como pretendiam as contribuintes, mas pode, sim, englobar a atividade locatícia.

Para aferir se a locação seria uma atividade “típica” da empresa, diz o STF, pouco importa se a atividade de locação vem ou não prevista como objeto social da pessoa jurídica. Para que seja considerada atividade típica, basta que seja exercida com regularidade, e não esporadicamente.

Assim, a Corte concluiu que, mesmo antes da edição da EC 20/98, já seria legítima a cobrança do PIS e da Cofins sobre o valor dos aluguéis recebidos, desde que a locação seja atividade típica, desenvolvida com habitualidade, pela empresa contribuinte.

Assim, a tese aprovada, por maioria, foi a seguinte:

“É constitucional a incidência da contribuição para o PIS e da Cofins sobre as receitas auferidas com a locação de bens móveis ou imóveis, quando constituir atividade empresarial do contribuinte, considerando que o resultado econômico dessa operação coincide com o conceito de faturamento ou receita bruta, tomados como a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais, pressuposto desde a redação original do art. 195, I, da Constituição Federal.”

Em outras palavras, se a locação fizer parte da atividade comercial típica do contribuinte, a incidência de PIS/Cofins encontra respaldo constitucional desde a sua promulgação em 1988.

A solução é ligeiramente diversa quando, apesar de gerar receita ao contribuinte, a atividade de locação não está entre suas atividades empresariais típicas. Nessa hipótese, deve-se ter atenção ao recorte temporal apresentado a seguir.

A possibilidade de arrecadação mais ampla, sob o conceito de “receitas

Recapitulando, a Corte fixou que o art. 195 da Constituição já permitiria a cobrança de PIS/Cofins sobre as receitas oriundas de locações, mesmo antes da EC 20/98 – desde que essa fosse uma atividade “típica” da empresa, porque, nesse caso, ela estaria abarcada no conceito de “faturamento”.

Ocorre que, com o advento da EC 20/98, a própria Constituição ampliou o escopo da incidência das contribuições, agora expressamente incluindo “receitas” de qualquer natureza.

A Corte ressalvou, por isso, que, desde o advento da EC 20/98, é autorizado ao legislador prever a incidência do PIS e da Cofins sobre a totalidade das receitas obtidas pelas pessoas jurídicas, mesmo que provenientes de atividades atípicas, desenvolvidas apenas esporadicamente, o que pode, igualmente, englobar as locações.

Amanda Chami
Advogada no Terra Tavares Elias Rosa. Mestranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.

Leonardo Schenk
Sócio no Terra Tavares Elias Rosa. Professor Associado de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor e Mestre em Direito Processual pela UERJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Eletrônica de Direito Processual (REDP) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Autor de artigos e livro jurídicos.

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