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Inexistência de subordinação algorítmica: A confluência de interesses na relação da prestação de serviços do trabalhador autônomo

Este artigo tem por finalidade demonstrar que o trabalho em plataforma, seguindo a modernidade, é uma relação de trabalho que, não necessariamente é regida pelo vínculo de emprego celetista, pelo que, na visão deste articulista, as premissas da subordinação algorítmica é equivocada e não há subordinação entre autônomo e plataforma.

25/4/2024

As tecnologias vêm invadindo o campo da prestação de serviços (latu sensu), num contexto que se convencionou qualificar de economia on demandou de plataformas, incitando no debate nacional e internacional – seja no âmbito da praxe judicial ou da área acadêmica - relevante reflexão sobre a forma de como esse serviço está sendo prestado e, por via de consequência, de qual seria a sua efetiva natureza jurídica. Ao passo que alguns defendem que a relação é de prestação de serviços, de natureza autônoma, sem subordinação, outros buscam, a qualquer custo, defender a existência de subordinação direta nos trabalhos plataformizados, à luz do art. 2º e 3º da CLT.

Para melhor compreender o estágio do debate, importante fazer uma breve digressão.

Ao passar do tempo, na história do mundo, formas de organização da economia, à exemplo do feudalismo, do mercantilismo e do capitalismo, foram surgindo e se transformando, encontrando a sua primeira faceta mais paradigmática na revolução industrial, com a criação de formas de organização do trabalho, surgimento do sindicalismo na Europa, o Toyotismo na Ásia e o fordismo nos EUA.

Na esteira dessas revoluções, baseadas no incremento tecnológico, a forma da prestação de serviços foi se transformando, entretanto, as leis brasileiras não seguiram estes avanços e, infelizmente, diante de uma nova revolução, chamada de quarta revolução industrial2, os juristas se veem diante de uma guerra avançada cujos equipamentos de batalha são obsoletos, isto é,  novas formas de relação de trabalho surgem, como o plataformizado, mas a sua análise/interpretação continuar consubstanciada em conceitos extraídos de uma leitura anacrônica do art. 2º e 3º da CLT, que advém do longínquo ano de 1943.

Como sabido, à luz do art. 2º e 3º da CLT, para configuração do vínculo de emprego, necessário em juízo comprovar a subordinação direta ao empregador, já os outros requisitos, apesar de serem importantes, geralmente estão presentes nas relações autônomas. Nesse sentido, a doutrina do ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado3:

A subordinação corresponde ao polo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.  Traduz-se, em suma, na “situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia de sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará.

Definitivamente, a subordinação é o requisito mais proeminente da relação de emprego, pois retrata que o empregado prestará o serviço sob as ordens e direção estritas do seu empregador. Diante do avanço da tecnologia e da criação dos trabalhos plataformizados, conceitualmente conhecido por alguns como uberização4 do trabalho, criou-se a ideia de “subordinação algorítmica”, a fim de justificar o enquadramento desses trabalhadores autônomos na clássica concepção de emprego do art. 3º da CLT.

Para Denise Pires Fincato e Guilherme Wünsch5, a subordinação algorítmica é “aquela em que o controle do trabalho é definido por uma sequência lógica, finita e definida de instruções e se desenrola via ferramentas tecnológicas, tais como aplicativos.”.

A despeito da definição que está sendo construída por parte da doutrina, tal conceito de subordinação do autônomo a um algoritmo e, consequentemente, a caracterização de vínculo empregatício, s.m.j, não se sustenta.

O nível de direcionamento e controle sobre as tarefas e o modo previamente definido de execução, próprios da subordinação inerente à relação de emprego, ultrapassa – e muito - a mera orientação, visando a melhor organização/otimização da atividade, que se perfaz em toda relação de prestação de serviços autônomos, o que pode ocorrer no âmbito de uma relação societária, de cooperativa ou, na hipótese em análise, das plataformas.

Disto isto, em que pese os termos “organização da prestação de serviços” e “dirigir a prestação pessoal de serviços” parecerem sinônimos, os verbos “organizar e dirigir” tem diferenças de significados que, a partir destes, pode se concluir pela ausência da subordinação, primeiro, organizar6 vem do grego “organon” que significa instrumento, utensílio, órgão ou aquilo com que se trabalha já dirigir7 significa governar, gerir, administrar, ou seja, são palavras com sentidos totalmente diferentes.

Portanto, organizar é diferente de dirigir e assim, podemos concluir que um algoritmo não tem o condão de ser o “empregador” de um trabalhador autônomo, pois este, mesmo envolto em uma relação de trabalho que não se sujeita aos requisitos estabelecidos no art. 3º da CLT, necessita de orientação (não apenas ‘mera’) de como prestar o seu serviço e isso não se confunde, em nenhum momento, com a subordinação clássica do tipo “faça isto ou não faça por que está subordinado a mim”.

Ao revés, a relação do autônomo para com as plataformas digitais é uma confluência de interesses, ou seja, o aplicativo procura a melhor forma de intermediar a relação com o cliente que necessita e, consequentemente, o trabalhador/autônomo inserido naquele ecossistema empresarial, otimiza a sua prestação para este e ganha agilidade (perde menos tempo) e tem maiores ganhos financeiros com uma maior organização oferecida.

Nesta toada, a confluência de interesses está presente em qualquer relação entre pessoas jurídicas que prestam serviço, não significando que apenas por haver um algoritmo que organiza tal atividade, o trabalhador está sujeito a uma subordinação. Cada pessoa do polo (física ou jurídica) procura uma forma de melhor executar aquilo que se dispôs a fazer, a ideia é que todos devem fazer o que é melhor para si e para o grupo no âmbito das relações de trabalho.

Assim, o cliente tem interesse ativo e influente, não pode ser esquecido dentro do ecossistema empresarial, pois, a relação não é bipartite (motorista- plataforma), mas tripartite (motorista-plataforma-cliente), sem nenhuma subordinação entre eles, e sim, uma relação em que todos os três estão buscando, mutuamente, o melhor serviço para si e para o grupo.

O cliente, figura importante, também quer ser bem ranqueado assim como o prestador, querendo obter os melhores motoristas, montador ou diarista e assim por diante, melhores veículos à sua disposição, corridas seguras e melhores preços, tanto que em algumas plataformas há programas de fidelidade, acesso VIP a usuários recorrentes, recompensas, entre outras coisas. Esses incentivos não apenas fortalecem o relacionamento entre os clientes e a plataforma, mas também promovem uma cultura de interação e colaboração, onde todos os participantes são incentivados a contribuir para o sucesso coletivo.

Agora, sobre o algoritmo em si, a rota inserida pela Reclamada para o motorista, montador ou qualquer outra atividade plataformizada colocada no app não é vinculante, ou seja, cabe a ele decidir se aquela rota é a melhor para realizar as corridas, montagens, limpezas etc., que aceitou no dia em questão, caso não queira segui-la, nenhuma punição há para tal ato, nem mesmo se ele recusar, pois, como se depreende de instruções processuais das empresas, estas afirmam que em relação as rotas, em comum acordo entre o parceiro e o cliente, pode ser alterado, inclusive, durante o momento prestação de serviço.

Falta, s.m.j, requisitos básicos para formação da figura de empregador, pois a elaboração de uma rota, por si só, não garante este estar subordinado a alguém ou que há o poder diretivo. Além do mais, sobre o app saber geolocalização e o local, também não garante, se não analisarmos o contexto geral. A título de exemplo: a inteligência artificial, visando a otimização das intermediações, através de seu sistema consegue localizar aqueles montadores, motoristas, diaristas, etc., que estão ativos em certa região, para que, neste caso, o cliente, saiba que há pessoas disponíveis para fazer a montagem do móvel vendido na casa do cliente, o motorista em aceitar a corrida e uma diarista mais próxima para fazer a faxina.

Veja, no exemplo acima, cita-se local e geolocalização, mas não se atrela subordinação ou que tal fato seria o exercício do poder diretivo de um algoritmo, por exemplo. Ademais, a supervisão de uma atividade, também não implica em subordinação, pois se assim fosse, as terceirizações seriam todas ilícitas, já que, em algum grau, o tomador fiscaliza. Não existe apenas relação de trabalho que origina vínculo empregatício, as relações se renovam, a modernidade surge com a criação de inteligências artificiais que otimizam a prestação de serviço desses trabalhadores não celetizados, seja pela intermediação, trabalho temporário e terceirização, por exemplo.

Para ilustrar casuisticamente, em recente acórdão proferido nos autos do processo 1000671-93.2023.5.02.0462, em tramite no TRT-2 foi construído o entendimento de que a tecnologia e a inteligência artificial não substituem o poder diretivo do empregador de “dirigir a prestação pessoal de serviço”, eis que:

Os algoritmos não revelam subordinação jurídica, e sim a exigência de regras de qualidade necessárias à prestação do serviço. Desempenho e produtividade estão presentes em qualquer relação de trabalho e não, necessariamente, caracterizam a relação de emprego celetista. Entendo, por fim, que os algoritmos representam funções matemáticas e que comandam aplicativos e não a prestação de serviço propriamente dita.

Nessa mesma linha de intelecção, o STF vem cassando decisões proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho sob a premissa de que não há subordinação algorítmica, tampouco o desvirtuamento da relação de emprego com os aplicativos, porquanto “existem outras formas de relação de trabalho sem ser apenas a geradora de vínculo empregatício”.

Por fim, o trabalho em plataforma, seguindo a modernidade, é uma relação de trabalho que, não necessariamente é regida pelo vínculo de emprego celetista, pelo que, na visão deste articulista, as premissas da subordinação algorítmica é equivocada e não há subordinação entre autônomo e plataforma, mas sim uma confluência de interesses nos três polos da relação para prestarem e receberem o melhor serviço, característica marcante de um prestador de serviços.

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1 Disponível em: https://coworkingbrasil.org/news/era-do-on-demand/

Disponível em: https://brazillab.org.br/noticias/programa-rumo-a-industria-4-0                                                        

3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho.ed.16ª, LTR. 2017.p.325.

Disponível em: https://www.napratica.org.br/o-que-e-a-uberizacao-do-trabalho/

5 Fincato, Denise Pires; Wünsch, Guilherme. "Subordinação Algorítmica: Caminho para o Direito do Trabalho na Encruzilhada Tecnológica?", Rev. TST, São Paulo, vol. 86, no 3, jul/set 2020.

Disponível em: https://www.significados.com.br/organizacao/#:~:text=Organiza%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20uma%20palavra%20originada,aquilo%20com%20que%20se%20trabalha

Disponível em: https://www.dicio.com.br/dirigir/#:~:text=Etimologia%20(origem%20da%20palavra%20dirigir,o%20sentido%20de%20governar%2C%20dirigir.

Leonardo Guido
Atuante na área de Direito do Trabalho Empresarial. Advogado trabalhista no Fraga & Trigo Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul e atualmente está cursando pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho na Escola Paulista de Direito em São Paulo.

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