A proteção ao meio ambiente do trabalho é um direito fundamental tutelado pela Constituição da República e possui sua fonte no princípio da dignidade humana.
Apesar de não ratificada pelo Brasil, a Convenção nº 187 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pode ser considerada como um marco mundial promocional para a segurança e saúde do trabalhador.
Nessa conjuntura, a OIT conceitua o meio ambiente de trabalho sadio como um direito, respeitado a todos os níveis, em que governo, empregadores e trabalhadores tenham participação ativa nesta construção, com iniciativas destinadas a garantir segurança e higidez, mediante responsabilidades e deveres bem definidos, e no qual o Princípio da Prevenção à Saúde do trabalhador receba a máxima prioridade.
Sabemos também que há muito o termo “saúde” vai além de elementos físicos, abrangendo os aspectos mentais que afetam o ser humano. A qualidade de vida, portanto, obrigatoriamente perpassa pela qualidade de trabalho, sem a qual sucumbimos.
Assim, para além de questões atinentes a ciência do direito, procuramos aqui apresentar uma abordagem nova e intertextualizada, nos socorrendo também da neurociência.
Portanto, no ambiente dinâmico dos contextos de trabalho, onde a busca incessante por eficiência e produtividade coexiste com a necessidade do bem-estar dos trabalhadores, emerge uma indagação premente: como garantir um ambiente laboral que seja profícuo e que não adoeça os seus colaboradores?
O que muitos podem não reconhecer é que parte da resposta a esta pergunta reside em nossa biologia mais profunda, nos mecanismos neurais intrincados herdados dos primeiros seres a partir dos quais evoluímos e que geram as nossas respostas involuntárias e inconscientes ao ambiente.
Como esclarece a chamada Teoria Polivagal, descrita pelo neurofisiologista americano Stephen Porges, ao longo de milhões de anos de evolução, o nosso sistema nervoso autônomo – a parte do sistema nervoso humano responsável pelas respostas reflexas ao ambiente e pelo controle visceral – veio sendo moldado como um sistema de relação.
Tendo como base a resposta adaptativa do organismo aos diferentes estágios da vida em evolução, o ser humano herdou dos primeiros répteis (associais) a capacidade de ativar respostas defensivas, como luta, fuga e imobilização, se diferenciando posteriormente destes e herdando dos primeiros mamíferos (altamente sociais) a capacidade de engajamento com outros seres da sua espécie.
Como mamífero e mais complexo - um ser que nasce imaturo e, portanto, dependente desde o nascimento - a sua sobrevivência foi sendo forjada a partir de um sistema nervoso nominado pelo vínculo. Um sistema que nos permitiu reconhecer segurança na relação com outros e inibir as nossas defesas instintivas para podermos, então, socializar, acessar os nossos recursos cerebrais mais sofisticados, como curiosidade, criatividade, capacidade de raciocínio e exploração, bem como promover uma fisiologia de saúde, crescimento e restauração.
Todas essas alterações filogenéticas moldaram um sistema nervoso que, por meio de um processo inconsciente e involuntário, designado neurocepção, rastreia constantemente o seu ambiente (interno e externo) em busca de sinais de conexão e segurança ou de ameaça.
Quando os estímulos que recebe do meio não favorecem o engajamento social e são lidos como perigo ou ameaça, este ativa de forma instintiva e involuntária respostas fisiológicas de defesa (luta, fuga ou imobilização). Somente quando recebe sinais de segurança, seja dos meios interno ou externo e de outros seres humanos, como uma prosódia rítmica, o contato visual e expressões faciais que estimulam a conexão, a fisiologia é ajustada para mitigar as reações de defesa e tornar o indivíduo acessível a outros e capaz de aceder às suas funções homeostáticas e cognitivas mais complexas.
Conhecer a nossa herança e respeitar a necessidade de nos sentirmos seguros como um imperativo biológico ligado à sobrevivência nos permite compreender a sociabilidade como um neuromodulador e propor, com a devida validação científica, um foco social na promoção de oportunidades e intervenções que gerem sentimentos de segurança e conexão, para propiciar a saúde e o bem-estar.
No âmbito laboral, quando o ambiente e as relações de trabalho são percebidos como seguros e acolhedores, os sistemas nervosos dos indivíduos tendem a favorecer estados de tranquilidade e engajamento, que propiciam a adoção de comportamentos produtivos, flexíveis e inovadores, todos sabidamente reconhecidos como grandes soft skills.
Por outro lado, ambientes de trabalho permeados por estresse crônico, ameaças percebidas ou ausência de suporte social podem desencadear respostas neurofisiológicas de alerta e defesa, como agitação, ansiedade, irritabilidade, medo, distração, apatia, predispondo os trabalhadores a comportamentos de evitação, conflitos ou mesmo ações impulsivas, com potencial incremento do risco de desfechos desagradáveis, tais como acidentes e doenças ocupacionais.
Considerando esse arcabouço teórico, estratégias embasadas na neurociência e na Teoria Polivagal, que englobem a promoção de culturas organizacionais que priorizam a sociabilidade, a segurança e o bem-estar dos colaboradores, como a oferta de programas de treinamento que visam a capacitação para o reconhecimento e gerenciamento do estresse laboral, ou a concepção de ambientes ergonomicamente adaptados, que minimizem fontes de estresse e incentivem a coesão e colaboração entre os membros da equipe, são fundamentais.
Adicionalmente, a compreensão neurocientífica pode subsidiar ações voltadas à prevenção e resolução de conflitos interpessoais, bem como auxiliar no combate ao assédio moral e sexual, mediante a criação de espaços laborais que propiciem a segurança psicossocial e emocional dos trabalhadores.
Dessa forma, concluímos que a integração desses insights em práticas e políticas internas empresariais não apenas aprimora a segurança ocupacional, mas também reverbera em ganhos substanciais de bem-estar e desempenho, alinhando-se, assim, aos imperativos de uma gestão laboral inovadora, humanizada e resiliente.
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PORGES, Stephen. Polyvagal Theory: A biobehavioral journey to sociality. Comprehensive Psychoneuroendocrinology, 7, p. (1-7), junho, 2021.
PORGES, Stephen. Polyvagal Theory: A Science of Safety. Frontiers in Integrative Neuroscience, 16, p. (1-15), maio, 2022.
PORGES, S. W. O Guia de Bolso para a Teoria Polivagal: o poder transformador de sentir-se em segurança. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Senses Neurociências Aplicadas Ltda., 2022.
https://www.ilo.org. Acesso em 17.04.2024.