O Direito é fruto do seu tempo. A grande discussão que existiu entre os intérpretes do direito romano era sobre a aplicabilidade imediata das regras romanistas ou do seu estudo apenas para fins históricos. É certo que o debate no mundo ocidental sobre o direito romano se reinicia no século XI e se prolonga até o século XVIII. Ora, como aplicar a jurisprudência majoritariamente produzida entre os séculos I aec e III e compilada no século VI, por Justiniano, dez séculos depois? As famosas escolas jurídicas se debruçaram sobre essa questão e sucederam-se ao longo do tempo variando entre os que queriam dar imediata aplicação ao direito romano e os outros que entendiam que suas máximas e regramentos deveriam se coadunar com o direito local produzido contemporaneamente.
O caminho, por fim, adotado foi o de se entender que aquele enorme corpo documental jurídico produzido em Roma deveria ser a base histórica do nosso direito continental, recebido e apropriado pelos diversos direitos locais e com eles formar novos sistemas jurídicos, que retratassem as questões do seu tempo. Isso porque, o direito é algo vivo que não pode ser engessado em um determinado espaço temporal. O século XIX nos trouxe a ideia da codificação racional e sistemática do direito e a produção de longos textos legais, que se revelaram verdadeiras obras-primas com ideais de imortalidade conceituais. No Brasil, apesar da CI de 1824 ter indicado o abandono das Ordenações portuguesas para produção de um direito nacional, somente em 1916 tivemos o nosso Código Civil na esteira das codificações do século anterior. Sua duração se prolongou por quase 90 anos e sua substituição foi precedida de longo tramitar de um novo Código, que veio à luz em 2002.
A perenidade pretendida dos grandes códigos oitocentistas não conseguiu segurar a rápida dinâmica social que modifica e reestrutura a sociedade. Foi preciso, então, reescrever regras e recodificar conceitos. O mundo mudou nos últimos 20 anos. Tanto quanto havia mudado em 90 anos. Mudou de forma rápida e contundente com o questionamento das mais basilares instituições do direito dos cidadãos. É natural que o conjunto de normas do século passado não acompanhe essa nova formatação de direitos e conceitos. Por isso, a proposta de reformar o atual Código Civil trazendo para dentro dele novas configurações sociais é medida necessária e absolutamente condizente com a longa história de transformação do ius civile romano que desde a sua época mais arcaica continua nos pautando e nos assombrando pelo seu exemplo histórico de ressignificação do direito conjuntamente com o seu tempo. O espírito romanista é reformador e sobretudo apropriador da cultura do seu tempo.
Que venha o novo Código!