Migalhas de Peso

A dificuldade de citação de empresas de capital estrangeiro com endereço fiscal em escritórios compartilhados (Coworking)

O modelo de negócio "COWORKING" se expande rapidamente globalmente, oferecendo diversos serviços, mas também apresentando desafios legais de notificação e citação.

14/4/2024

A evolução dos modelos de negócios e sua estruturação, vem ocorrendo de forma cada vez mais celere, e com a globalização se espalham rapidamente para todos os continentes, um exemplo disso são as empresa de "COWORKING", modelo que surgiu em 2005, em São Francisco, com Brad Neuberg.

O modelo "COWORKING" chegou ao Brasil em 2008, com a instalação de uma filial da rede londrina de escritórios compartilhados The Hub (atual The Impact Hub) em São Paulo.

De lá para cá surgiram várias empresas deste segmento, nacionais e estrangeiras, que oferecem uma série de pacotes de serviços distintos, dentre estes alguns que disponibilizam somente o endereço fiscal e comercial bem como atendimento telefônico personalizado e transferência das ligações.

Como toda novidade, existem pontos positivos e negativos que temos que nos acostumar, é fato que no modelo de "COWORKING" muitas das vezes os sócios, administradores e funcionários das empresas contrates destes serviços nunca ou pouco frequentam o endereço onde está regularizada sua sede, sucursal ou filial, o que dificulta, e muito, a possibilidade de notificação, intimação e citação das empresas que contratam serviços prestados pela empresas de "COWORKING".

Para esta situação já existe solução, pois o STJ consolidou seu entendimento1 no sentido da "validade da citação de pessoa jurídica por via postal, quando remetida a carta citatória para o seu endereço, independentemente da assinatura no aviso de recebimento (A.R.) e do recebimento da carta terem sido efetivados por seu representante legal".

Contudo muitas das vezes as empresas se utilizam do modelo "COWORKING" somente para manter um endereço fiscal ativo no Brasil com o objetivo de viabilizar o recebimento de valores seus contratos, o que dificulta a localização de seus representantes legais, que muitas das vezes não mais se encontram em território nacional. Esta situação não é difícil de ocorrer, já tendo inclusive o STJ se manifestado, no seguinte sentido.

"(...) Não é novidade no mundo jurídico a existência de artifícios fraudulentos utilizados por empresas estrangeiras sócias de empresas nacionais para não assumir os deveres inerentes às suas atividades. Essas empresas se utilizam dos chamados 'testas de ferro', para o qual essas pessoas são os verdadeiros administradores do negócio". O art. 1.016 do CC responsabiliza os administradores solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados por culpa no desempenho de suas funções. Também é certo o cumprimento do art. 119 da lei 6.404/76 e do art. 7º da Instrução Normativa RFB 1863-2018 4 para que os sócios estrangeiros tenham legitimidade para atuar dentro do Brasil, conforme apontado às fls. 29. Contudo, não se pode falar em requisito meramente formal como apontado na contraminuta (fls. 29). Ora, afastar a responsabilidade dos administradores e dos procuradores legalmente constituídos por empresa brasileira com capital estrangeiro, inativa e devedora, seria o mesmo que contemplar e autorizar o enriquecimento sem causa dessa empresa em detrimento do credor. Não se pode perder de vista o teor do art. 1.138 do CC que prevê que "A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade." Logo, o representante da sociedade estrangeira tem, no país, as mesmas responsabilidades que tem o administrador de empresas brasileiras. Equipara-se ao administrador previsto no Código Civil. (...) Desse modo, deve o cumprimento de sentença prosseguir contra os ora agravados sócios, administrador e representante legal/procurador legal (fls. 63/65 dos autos de origem) , eis que não é de se aceitar que se não tenha como atingir o patrimônio daqueles que determinam os rumos da sociedade lesando terceiros.(...)" (STJ - TP: 2986 SP 2020/ 0245884-0, relator: ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 30/9/20) (Grifos nossos.).

Atualmente esta situação vem ocorrendo com maior frequência tendo em vista o grande volume de empresas que encerraram suas atividades no primeiro quadrimestre de 2023, como apurado no “Mapa de Empresas2, divulgado pelo Governo Federal. Sendo boa parte destas empresas, nacionais de capital estrangeiro, que com o objetivo de cortar custos ou encerrar seus negócios de forma irregular, se instalam em escritórios compartilhados (coworking).

Situação esta já reconhecida por nossos tribunais, ao ponto da ministra Maria Isabel GallottI, do STJ destacar em sua decisão3 que, "não é novidade no mundo jurídico a 'existência de artifícios fraudulentos utilizados por empresas estrangeiras sócias de empresas nacionais para não assumir os deveres inerentes às suas atividades".

Diante deste cenário, surge dúvida quanto a como proceder a citação regular em procedimentos processuais especiais como requerimento de falência.

Os tribunais ainda não possuem um entendimento específico e unânime sobre este assunto. Todavia, as jurisprudências do STJ4 e do TJ/RJ5, considerando a teoria da aparência, seguem no sentido de que é válida a citação comprovadamente entregue à pessoa física, bem assim na sede ou filial da pessoa jurídica, presumindo-se o conhecimento e a validade do ato.

Assim, presume-se a validade da citação judicial de empresa estabelecida legalmente6 em estrutura de escritório compartilhado (coworking), mesmo que a citação seja entregue a funcionário da recepção do escritório compartilhado.

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1 Vide, AgInt no AREsp n. 1.357.895/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 7/2/2019, DJe de 20/2/2019

2 Disponível em: https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/boletins/mapa-de-empresas-boletim-1o-quadrimestre-2023.pdf

3 PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA Nº 2986 - SP (2020/0245884-0). Disponível em: processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=115608791&num_registro=202002458840&data=20200930&tipo=0

4 Vide AgInt no AREsp 2378649 / SP. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?operador=e&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T&acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&b=ACOR&livre=1.796.247&filtroPorOrgao=&filtroPorMinistro=&filtroPorNota=&data=&processo=&classe=&uf=&relator=&dtpb=&dtpb1=&dtpb2=&dtde=&dtde1=&dtde2=&orgao=&ementa=¬a=&ref=&pesquisaAmigavel=+%3Cb%3E1.796.247%3C%2Fb%3E

5 Sumula nº 118, do TJRJ. Disponível em: https://portaltj.tjrj.jus.br/web/guest/sumulas-118

6 Considera-se legalmente estabelecida no endereço do escritório compartilhado (coworking) a empresa que fizer constar em seu contrato social, CNPJ e inscrições, o endereço da empresa de coworking.

Marllon Antony Silva Martins
Advogado Sênior. Graduado em Ciência Jurídica pela UNESA (Bolsista pela Clara Abbott Foundation) e Pós-graduado em Direito Público pela UNESA (Convênio pedagógico com Harvard Business Publishing).

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