Nas últimas duas décadas observou-se uma mudança significativa no estudo da prova na cultura jurídica, impactando tanto os estudos processuais clássicos quanto a Filosofia do Direito. Essa evolução marca uma interrupção na tendência anterior de negligenciar a importância da prova. Contudo, ainda persiste uma lacuna na teoria geral da prova e nas teorias do garantismo penal e processual. É essencial reconhecer que estas concepções permanecem incompletas sem um exame apropriado de como determinar os graus de suficiência probatória para cada fase do processo e para cada tipo de processo.
As definições abaixo são extraídas do capítulo “Prolegômenos para uma teoria sobre os standards probatórios. O test case da responsabilidade do Estado por prisão preventiva errônea”, escrito por Jordi Ferrer Beltrán e traduzido do espanhol por Daniel Resende Salgado e Luís Felipe Kircher.
A falta de teorização sobre os padrões de prova, especialmente quando aplicada na legislação, cria um ponto fraco em um desenho processual destinado a limitar arbitrariedades e promover o controle das decisões probatórias. Um sistema sem padrões probatórios claros acaba por ser um sistema sem regras de justificação das decisões sobre os fatos, comprometendo direitos processuais fundamentais, como a presunção de inocência, e até o dever de motivação das decisões.
É introduzida uma abordagem racionalista para a compreensão da prova, baseada em quatro pressupostos principais. O primeiro é a existência de uma relação teleológica entre a prova e a verdade, onde a verdade é um objetivo institucional a ser alcançado no processo judicial.
O segundo pressuposto relaciona-se ao conceito de verdade nesta relação, definido como uma verdade correspondente, onde um enunciado fático é considerado verdadeiro se corresponder aos eventos do mundo externo ao processo.
O terceiro pressuposto trata da impossibilidade de alcançar certezas racionais "distintas das certezas psicológicas ou subjetivas" sobre a ocorrência de um fato, evidenciando que todo enunciado fático é verdadeiro ou falso, mas está sujeito a limitações epistêmicas que introduzem incerteza nas decisões.
Por fim, o quarto pressuposto estabelece que o raciocínio probatório é inerentemente probabilístico, significando que afirmar a prova de um enunciado fático indica que ele é provavelmente verdadeiro, conforme determinado pelo nível de probabilidade estabelecido pelas provas disponíveis.
Apesar da ampla aceitação destes pressupostos, frequentemente as consequências relevantes derivadas deles não são completamente exploradas. Em particular, a necessidade de estabelecer regras que determinem o grau de probabilidade necessário para aceitar um enunciado fático como provado em um procedimento judicial é frequentemente desconsiderada pela cultura jurídica.
Assim, torna-se imperativo estabelecer regras, denominadas "standards de prova", para definir o grau de probabilidade a partir do qual uma hipótese fática é aceita como provada, estabelecendo qual grau é suficiente para aceitá-la como verdadeira e utilizá-la no raciocínio jurídico.
Ao abordar a formulação de standards probatórios, é crucial superar as limitações das abordagens atuais, propondo um método mais rigoroso e objetivo. As formulações contemporâneas, frequentemente embasadas em elementos subjetivos como a "íntima convicção" do julgador ou a sua "certeza subjetiva", falham em proporcionar um controle efetivo das decisões e em oferecer garantias adequadas. Esta imprecisão nas formulações é contraproducente à função principal do standard probatório, que é definir um nível adequado de suficiência probatória.
É vital compreender e estabelecer standards de prova de forma adequada para aprimorar as legislações e práticas jurisprudenciais. Isso exige uma atenção aos aspectos metodológicos e epistemológicos e uma distinção clara entre os diferentes tipos de formulação de standards. Central para o standard probatório é a sua função de distribuir o risco de erro entre as partes, uma distribuição essa que é intrinsecamente influenciada por questões morais e políticas. Diferentes níveis de exigência probatória nos standards têm um impacto direto sobre a distribuição do risco de erro no processo.
Portanto, é necessário desenvolver formulações dos standards que não dependam de critérios subjetivos do julgador, mas que se fundamentem na capacidade de justificação do conjunto probatório e na habilidade de inferir sobre a verdade dos fatos com base no grau de corroboração fornecido pelas provas. Ao formular os standards probatórios, é essencial levar em conta todos os requisitos metodológicos e políticos, o que garante que o grau de exigência probatória para diferentes fases do processo seja progressivo, prevenindo que decisões intermediárias antecipem a decisão final e tornem procedimentos subsequentes desnecessários.
Na formulação de um standard probatório é crucial cumprir três requisitos metodológicos essenciais. Primeiro, deve-se apelar a critérios objetivos relacionados à capacidade de justificação do acervo probatório. Isto se contrapõe ao uso de critérios subjetivos, como o "convencimento psicológico" do julgador, que não contribuem efetivamente para a verificação da verdade do fato em julgamento ou para o grau de corroboração que as provas fornecem.
Segundo, há necessidade de estabelecer um patamar preciso que determine quando uma hipótese fática é suficientemente corroborada para ser considerada em decisões judiciais. Métodos vagos de avaliação, como a "sana crítica", são criticados por não fornecerem um limiar probatório efetivo. É imperativo que o raciocínio probatório respeite as leis da lógica e da ciência, com exigências probatórias variando conforme as diferentes fases do processo. Isso demanda a determinação de um nível específico de exigência probatória para cada fase do procedimento judicial.
Terceiro, a formulação dos standards probatórios não deve se basear exclusivamente em termos quantitativos, como fórmulas matemáticas ou números. Em vez disso, deve-se utilizar critérios qualitativos capazes de avaliar o peso e a qualidade das provas e como elas corroboram uma hipótese fática.
Relativamente à fundamentação do nível de exigência probatória dos standards, esta se relaciona intimamente com a distribuição do risco de erro entre as partes no processo. Esta distribuição é crucial para equilibrar as probabilidades de falsas condenações e falsas absolvições. Por exemplo, um nível de exigência probatória mais elevado em um processo penal pode levar a mais absolvições, aumentando o risco de erro para a acusação. Inversamente, um nível menor de exigência pode resultar em mais condenações, transferindo o risco para a defesa.
A dificuldade reside na determinação de uma distribuição ideal de erros para estabelecer o standard apropriado, uma tarefa complicada pela falta de um mecanismo independente para estabelecer taxas de falsos positivos e falsos negativos. Além disso, é importante adaptar o nível de exigência probatória de acordo com as diferentes fases do processo. As exigências probatórias para iniciar um julgamento podem diferir das exigências para a decisão final. Portanto, não basta apenas justificar as decisões indutivamente; é fundamental definir claramente o nível de exigência para cada fase processual.
Ao definir o nível de exigência para um standard probatório, é crucial considerar o equilíbrio entre dois tipos de erros. Um standard excessivamente rigoroso, por exemplo, pode efetivamente reduzir o risco de cometer erros do tipo "I - falsos positivos, onde um inocente é erroneamente condenado". No entanto, essa abordagem aumenta o risco de erros do tipo "II - falsos negativos, onde um culpado é indevidamente absolvido". Por outro lado, um standard menos rigoroso pode diminuir a probabilidade de erros do tipo II, assegurando que mais culpados sejam condenados, mas isso eleva o risco de erros do tipo I, resultando em condenações injustas de inocentes.
A adoção de diferentes abordagens em relação aos standards probatórios reflete as prioridades e valores específicos de um sistema judicial. Em sistemas que dão grande ênfase à prevenção de condenações injustas, é comum a preferência por standards mais elevados, aceitando, consequentemente, um maior risco de absolvições errôneas. Em contraste, sistemas que se concentram em garantir a punição de culpados tendem a adotar standards menos rigorosos, assumindo, assim, um risco maior de condenar erroneamente pessoas inocentes. Estas escolhas refletem um equilíbrio delicado e essencial entre justiça e eficácia processual, e são fundamentais para a integridade do sistema judicial.