No Brasil, os condenados que cumprem pena em regime semiaberto, salvo condenados por crime hediondo com resultado morte, poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
- I - visita à família;
- II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
- III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Os Requisitos que o apenado precisa preencher para tanto são:
- I - comportamento adequado (boa conduta);
- II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
- III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
Trata-se de norma de direito penal de caráter misto, uma vez que, traz efeitos materiais relativos ao direito de locomoção do cidadão, direito de punir do Estado ou garantia do acusado e também prevê uma forma, um procedimento que o cidadão deve ser submetido ou para exercício de um direito ou para que o Estado possa exercer o seu "jus puniende".
As normas previstas no Código de Processo Penal ou outras legislações penais de natureza híbrida, ou seja, com conteúdo de direito processual penal e de direito material, devem respeitar o princípio que veda a aplicação retroativa da lei penal quando seu conteúdo for prejudicial ao réu.
Tal previsão legal é uma garantia fundamental prevista no art. 5º da Constituição Federal:
- “XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”
Portanto, quando pensamos na Lei de Execução Penal lei nº 7.210/84 é importante termos o conhecimento que referida lei em muitos de seus dispositivos, além de prever uma forma para a execução de uma pena, prevê também garantias e benefícios que atingem o direito de liberdade, locomoção, garantia ressocializadora da pena e muito maior do que isso a própria dignidade do apenado.
Portanto, abrangidos nesses aspectos pelos mesmos princípios que norteiam nossa legislação penal material, entre eles a garantia de que a lei penal prejudicial promulgada após os acontecimentos dos fatos ilícitos não retroagirá em prejuízo ao réu.
O "Pacto de San José da Costa Rica", tratado internacional de direitos humanos que possui status supralegal e forma o nosso bloco de constitucionalidade, em seu art. 9º trata dos princípios da legalidade e da irretroatividade, afirmando que:
“Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado”.
Importante falarmos, que quando a norma tiver um caráter processual em sua integralidade, prevendo apenas a forma e por conseguinte não atingindo qualquer direito material, o tempo é que regerá o ato, pois a regra do art. 2º, do CPP, determina que “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”.
Ou seja, nesse caso não haveria retroatividade, mesmo que a nova norma processual fosse mais benéfica ao réu e se aplicaria desde logo a todos indistintamente, mesmo se já estivesse sendo processado antes da vigência da nova lei.
O que não é o caso discutido, pois a regra que prevê o direito a saída temporária na execução penal é uma norma híbrida, e quando falamos em um novo projeto de lei que venha a ser aprovado e sancionado entrando em vigor no sentido de restringir referido direito ou limitá-lo, essa norma não será aplicável ao caso de condenados com sentença transitada em julgado anteriormente à sua promulgação, somente a condenações que ocorram na égide de sua vigência.
Trata de regramento que privilegia ao mesmo tempo que ninguém será sancionado mais gravemente do que quando cometeu o delito, quando a conduta era tratada socialmente com menos gravidade e severidade, e também privilegia a nossa segurança jurídica garantindo que não ficaremos sempre sujeitos a modificações em nossas penalidades e de respondermos futuramente por crimes que no tempo da ação não era ilícita.
Veja que estamos trazendo apenas considerações prévias sobre eventual e futura promulgação de uma lei que poderá alterar negativamente a situação dos apenados que cumprem pena no Brasil.
Não sabemos como o judiciário se comportará caso isso venha a efetivamente ocorrer, as decisões judiciais em nosso país são uma linha tênue e não conseguimos prever com exatidão como decidirão nossos juízes quando os casos estourarem e ficarem em suas mãos as vidas de milhares e milhares de aprisionados já condenados que faziam jus ao benefício.
Do ponto de vista ressociativo da pena, teríamos um efetivo retrocesso, já que a pena no Brasil ela não significa manter a distância entre apenados seus pares e familiares ou os impedir de frequentar algum curso profissionalizante ou superior.
A lógica de que os apenados saem para cometer novos delitos não nos parece no plano fático tão comprovado assim para justificar uma medida tão extrema, na realidade, o que vemos são raras exceções que saem nos noticiários que infelizmente não estão prontos para viver em sociedade.
Sem um estudo sério que comprove a quantidade de presos no regime semiaberto que acabam na saidinha cometendo novos delitos é temerário prejudicar os demais por culpa de um ou dois que saem nos noticiários por descumprirem com seus deveres sociais.
Então ao nosso ver não nos parece acertada a investida dos legisladores contra os apenados em regime semiaberto, uma vez que não há suporte concreto que justifique tal empreitada, a não ser o clamor social que por suas vezes é um dos maiores fatores que causam injustiças em nosso país.
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[1] Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa Rica”) (1969) - DECRETO Nº 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm
[2] Código de Processo Penal. decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm.
[3] Brasil. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
[4] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 20/03/2024.
[5] BRASIL. Lei de execução Penal. Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984. BRASIL.