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Direito do consumidor e publicidade enganosa: Regulamentações e proteções

Publicidade abusiva e enganosa é combatida pelo Direito do Consumidor, garantindo proteção contra práticas ilícitas, inclusive online, conforme previsto no CDC.

11/4/2024

Com o crescente aumento das interações de consumo na sociedade atual, surgem novas estratégias para estimular o comportamento consumista. No entanto, o problema se manifesta nas táticas de publicidade empregadas para atrair o mercado consumidor, dando origem às chamadas propagandas abusivas e enganosas, que buscam atrair o público de maneira inadequada.

A publicidade emprega diversas técnicas persuasivas, como o merchandising e o teaser, que são consideradas legítimas, porém são proibidas apenas quando envolvem práticas ilícitas, como engano, omissão ou abuso. Nessas situações, o ordenamento jurídico prevê sanções específicas. Atualmente, como o Direito do Consumidor pode garantir a proteção do cidadão contra práticas de publicidade enganosa e abusiva adotadas pelas empresas? Como os consumidores podem se resguardar contra essas práticas nas compras online? Quais são os direitos do consumidor assegurados pelo CDC?

No contexto brasileiro, o comércio foi intensificado durante a década de 1930, época em que o Estado demonstrava uma forte intervenção na ordem econômica. Antes mesmo da Carta Constitucional de 1988 incluir a defesa do consumidor, o Brasil já havia promulgado a lei 7.347/85, conhecida como lei da ação civil pública, com o objetivo de proteger os interesses difusos da sociedade. No mesmo ano, foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. Com base nesse histórico, o Brasil sempre buscou preservar os direitos sociais, o que resultou na intervenção constante do Estado na esfera econômica. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 aborda essa questão no artigo 170, que estabelece que a ordem econômica, visando valorizar o trabalho humano e a livre iniciativa, deve garantir a todos uma existência digna, em conformidade com os princípios da justiça social.

Podemos afirmar que o CDC é uma lei que se baseia em princípios lógicos, uma vez que incorpora em si princípios gerais com o objetivo principal de abranger todas as situações que envolvem o consumo, sem detalhar cada caso individualmente, como fazem as leis casuísticas. Portanto, é um sistema de cláusulas abertas, no qual alguns dispositivos contêm listas exemplificativas, permitindo uma interpretação flexível pelo julgador ao avaliar ações relacionadas ao seu escopo.

Devido à vulnerabilidade do consumidor e à ocorrência frequente de práticas ilícitas na publicidade, tornou-se necessário desenvolver mecanismos de defesa para combater esses comportamentos prejudiciais. No Brasil, adota-se um sistema misto de controle da publicidade, no qual tanto agentes privados quanto o Estado têm a capacidade de fiscalizar e controlar práticas ilícitas. Nesse sentido, o CDC, em seu art. 105, estabelece esse modelo ao afirmar que os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, juntamente com entidades privadas de defesa do consumidor, integram o SNDC - Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

Assim, cabe ao DPDC - Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, aos Órgãos de Proteção do Consumidor (como o PROCON), Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, Delegacias de Defesa do Consumidor e aos Juizados Especiais Cíveis a responsabilidade pelo controle estatal nessa questão.

No que diz respeito ao CONAR - Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária, o próprio site da entidade declara que sua missão é "prevenir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão comercial". O CONAR é composto por profissionais de publicidade, cujo objetivo é promover a liberdade de expressão e proteger suas prerrogativas. O CONAR desempenha um papel crucial na proteção do consumidor, pois é responsável pelo controle e fiscalização das relações de consumo. Isso contribui para a rápida resolução de questões e para a harmonia com as disposições do CDC. De acordo com Dias (2017), embora o controle exercido pelo CONAR não seja vinculativo para todos os agentes do mercado, suas decisões são obrigatórias para os signatários desse sistema de controle.

Isso é significativo, visto que o CDC não abordou de maneira específica as técnicas publicitárias. Embora tenha adotado o princípio da identificação da mensagem patrocinada, não considerou a publicidade oculta como uma das práticas ilícitas, o que abre espaço para a disseminação dessa conduta sem uma devida punição, devido à ausência de clareza no ordenamento jurídico. O CONAR desempenha um papel relevante na orientação de situações irregulares relacionadas à publicidade. No entanto, em relação à punição da propaganda enganosa, sua competência é um tanto limitada, pois não possui autoridade coercitiva. Ele pode apenas sugerir correções no conteúdo publicitário, sem poder efetivamente punir pelo ato praticado, uma vez que essa prerrogativa é exclusiva do Estado.

Desse modo, é certo dizer que o público-alvo da publicidade é o público em geral, composto por um número indeterminado de pessoas. De acordo com o art. 29 do CDC, para os fins dos Capítulos V e VI, referentes às Práticas Comerciais e à Proteção Contratual, respectivamente, "equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas". Essas práticas se referem às "práticas comerciais", ou seja, os métodos utilizados pelo fornecedor para comercializar, vender ou oferecer seu produto ao potencial consumidor. Portanto, a princípio, todos os consumidores são considerados vulneráveis, cabendo ao Poder Judiciário, ao analisar cada caso específico, determinar se essa presunção deve ser afastada ou se a proteção prevista na lei 8.078/90 deve ser aplicada.

No que diz respeito à publicidade, o CDC protege não apenas o consumidor em potencial, ou seja, aquele que pode eventualmente adquirir ou utilizar um produto ou serviço como destinatário final, mas também todas as pessoas expostas às práticas comerciais. Isso inclui tanto os consumidores em potencial como o público em geral, caracterizado pela sua indeterminação e amplitude.Assim, entre os Princípios específicos em matéria publicitária, alguns autores mencionam os princípios constitucionais, como o princípio da liberdade e o princípio da boa-fé. A essa classificação, pode-se adicionar o princípio da transparência, que informa todos os outros.

O CDC inicialmente regula as ações do fornecedor que visam atrair o consumidor para uma relação contratual, incentivando-o a adquirir seus produtos e utilizar os serviços oferecidos. Ao regular a oferta feita pelo fornecedor, o CDC também incorpora a publicidade objetiva, com o objetivo de garantir a seriedade e a veracidade dessas manifestações, introduzindo assim uma nova concepção de 'oferta contratual'. O art. 4º do Código estabelece que a intervenção na economia contratual deve ser guiada pela boa-fé, o que significa superar os interesses individuais das partes e respeitar os princípios constitucionais relativos à ordem econômica por meio de ações fundamentadas na lealdade e na confiança. A boa-fé também é citada no art. 51, IV do CDC, que considera abusiva qualquer cláusula que seja incompatível com a boa-fé ou com a equidade.

Certos deveres que, geralmente, seriam considerados parte da boa-fé foram definidos pelo CDC. Ou seja, alguns deveres que no direito contratual têm sua origem na boa-fé, no direito do consumidor possuem uma previsão legal específica. Isso é evidente em questões como a oferta (art. 30), o dever de informação (arts. 9º, 12, 14, 31 e 52), os deveres de lealdade e honestidade na publicidade (arts. 36 e 37), entre outros. O direito brasileiro codificou quatro princípios específicos relacionados à regulamentação da publicidade comercial, no contexto da proteção ao consumidor.

Tendo em conta o exposto, é correto afirmar que, além de influenciar as relações de consumo, a publicidade desempenha um papel crucial na geração direta e indireta de empregos, no aumento da circulação de dinheiro, na abertura de novos mercados e na sustentação da produção e venda em larga escala. Caracterizada pelo seu aspecto comercial, a publicidade busca constantemente introduzir novos hábitos e necessidades no padrão de vida de uma comunidade, muitas vezes visando o conforto, o prazer, a economia, entre outros.

Para alcançar o equilíbrio entre fornecedor e consumidor, é crucial que o sistema de controle privado (CONAR) atue em conjunto com o sistema de controle estatal. Desta forma, o anunciante que persistir na veiculação de publicidade enganosa estará sujeito à imposição de contrapropaganda, com todas as despesas por conta do infrator. Além disso, será obrigado a reparar todos os tipos de danos causados de forma abrangente, incluindo compensação por danos morais e ressarcimento integral por danos materiais comprovados.

Assim, a publicidade enganosa é passível de responsabilização tanto no âmbito cível e administrativo quanto no âmbito criminal, dada sua alta capacidade de representar riscos para a sociedade como um todo. No contexto civil, a responsabilidade recai sobre todos aqueles que divulgam informações enganosas ou abusivas, independentemente da forma ou do meio de comunicação utilizados. No âmbito administrativo, o objetivo é sancionar internamente os responsáveis pela veiculação de publicidades enganosas e/ou abusivas, devido ao grande potencial prejudicial que podem ter para a sociedade em geral. Nesse sentido, as penalidades administrativas são aplicadas como um meio de advertência e repressão aos publicitários, visando conter a disseminação de informações falsas que possam causar danos significativos em diversos contextos sociais.

Na esfera penal, observa-se que a divulgação de propagandas enganosas e abusivas constitui um crime, conforme estabelecido no CDC, destacando-se a importância de responsabilizar o autor. Assim, é viável até mesmo privá-lo de sua liberdade, dada a significativa relevância e periculosidade dessa questão.

Por fim, com a tipificação da publicidade enganosa pelo CDC, o infrator estará sujeito à pena de detenção por praticar um crime abstrato, devido à ampla e indeterminada exposição de consumidores à prática prejudicial de anúncio de produtos e serviços, independentemente de qualquer prejuízo concreto para algum deles. Assim, torna-se imprescindível a intervenção reguladora do governo sobre esse poderoso meio de influência que é a publicidade, visando coibir a deterioração dos valores morais e éticos que mantêm a coesão social e, acima de tudo, preservar a força e a grandeza do Direito, o único verdadeiro sustentáculo da sociedade moderna e guardião dos direitos fundamentais do ser humano.

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ALMEIDA, Claudia Pontes. Youtubers Mirins, Novos Influenciadores e Protagonistas Da Publicidade Dirigida Ao Público Infantil: Uma Afronta ao Código de Defesa do Consumidor e às Leis Protetivas da Infância. Revista Luso, n. 23, set. 2016.

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Dayanne Avelar
Advogada na Barreto Dolabella. Graduada em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) e possui experiência em assessoria jurídica e consultoria no contencioso cível.

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