Os processos éticos disciplinares emergem como um dos mais desafiadores obstáculos na jornada de qualquer advogado, não apenas pela possibilidade de sanções diretas, mas também pela repercussão duradoura sobre sua reputação e prática profissional.
A ladeira da memória coletiva1, para adaptar expressão de José Geraldo Vieira, é longa, e, para o pesar do advogado, quase infinita em tempos de internet, inteligência artificial e tantas outras tecnologias para armazenar ad aeternum as informações na esfera pública do ciberespaço.
Essa publicização da culpa, que afeta diretamente a reputação do advogado, vai ao encontro daquilo que, já em 1949, Albert Camus diagnosticava: "É preciso, pois, se sentir culpado. Eis-nos arrastados ao confessionário laico, o pior de todos".
Essa realidade fático-tecnológica torna quase irreal a posição defendida por François Ost: "Uma vez que, personagem pública ou não, fomos lançados diante da cena e colocados sob os projetores da atualidade – muitas vezes, é preciso dizer, uma atualidade penal –, temos o direito, depois de determinado tempo, de sermos deixados em paz e a recair no esquecimento e no anonimato, do qual jamais queríamos ter saído". 2
Assim sendo, a reputação figura como um dos pilares essenciais na trajetória jurídica de um profissional. Os advogados dependem da percepção de sua integridade não apenas para atrair novos clientes, mas também para manter uma relação de confiança sólida com os atuais clientes e com o sistema judiciário. Um processo ético disciplinar pode comprometer esta reputação, deixando um estigma que dificulta oportunidades futuras de carreira e colaborações profissionais.
Essa realidade é tão crucial que o próprio código de ética e disciplina da OAB estabelece como um dos deveres do advogado o "zelar por sua reputação pessoal e profissional". Esta disposição normativa reflete não apenas uma obrigação ética, mas também uma realidade mercadológica: A reputação e a confiança são fundamentais para a aquisição e manutenção de clientes.
Em um mundo de hiperinformação3, a adoção de medidas preventivas, portanto, torna-se inapelável. As opções disponíveis vão desde a contratação de consultores de ética até a adoção de ferramentas tecnológicas que auxiliam na gestão das práticas e na prevenção de infrações éticas. Softwares de gestão de escritório e ferramentas de compliance, por exemplo, podem automatizar tarefas e garantir que procedimentos legais e éticos sejam seguidos, reduzindo o risco de erros humanos.
Entretanto, a tecnologia também traz consigo um aspecto menos favorável: A quase impossibilidade de esquecimento. Isso se deve ao fato de que, com a internet, torna-se uma tarefa árdua e complexa prevenir danos à reputação: Desde grupos no WhatsApp até resultados de busca no Google, há toda uma complexidade técnica envolvida na mitigação e redução desses danos.
Diante dessas circunstâncias, quando os processos éticos disciplinares se tornam inevitáveis, é crucial para o advogado uma representação adequada, evitando que o processo disciplinar, além dos efeitos ordinários, se constitua também em um dano reputacional evitável.
Isso se torna ainda mais importante quando, atualmente, vemos tornar-se lugar comum a ocorrência do lawfare4. A lei tornada em instrumento de guerra, muitas das vezes, toma como alvo o advogado.
O advogado, portanto, querendo ou não, torna-se personagem central da sociedade do espetáculo5, o que inevitavelmente tem poder de corroer sua carreira, maculando-a.
Nesse contexto, os processos éticos disciplinares, embora sejam ferramentas legais necessárias para a prática da advocacia, representam fontes significativas de estresse e podem ter um impacto negativo na saúde mental dos advogados, bem como no exercício do seu mister e de sua reputação.
Os processos éticos disciplinares representam uma ameaça significativa à carreira jurídica, mas com as estratégias corretas, é possível mitigar seus efeitos e, em alguns casos, evitá-los completamente. A chave para uma carreira longa e bem-sucedida na advocacia reside, portanto, na prevenção, na educação continuada e na capacidade de adaptação e aprendizado com os erros. Ao abraçar uma postura ética rigorosa e aproveitar os recursos disponíveis, os advogados podem não apenas proteger sua prática, mas também contribuir para elevar os padrões da profissão.
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1 VIEIRA, José Geraldo. A Ladeira da Memória. 2. ed. São Paulo: Sétimo Selo, 2021. 351 p.
2 OST, François. O Tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005, p. 160
3 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 108.
4 DAMGAARD, Mads Bjelke. Media leaks and corruption in Brazil: the infostorm of impeachment and the lava-jato scandal. Oxfordshire: Routledge, 2019. p. 124
5 DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. 1. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 240 p.