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Desempenho contratual: Score licitatório

As informações sobre desempenho contratual serão a principal forma de desempate, conforme previsão do artigo 60, II da lei federal nº 14.133/2021. A natureza destas informações é de “score”, aplicando-se a súmula 550 do STJ.

5/4/2024

Complementando o tema das informações sobre desempenho contratual para fins de desempate, reformulamos a nomenclatura “Serasa licitatória” para “Score licitatório”.  O apelido“Serasa” não elucida completamente a natureza das informações de desempenho contratual na medida em que o termo é mais corriqueiramente usado para apontamentos negativos, inobstante também seja utilizando como “score”. Apelidos, porém, costumam fazer a analogia com os fatos mais conhecidos e não com os detalhes do apelido emprestado.

O aprofundamento de nossas ideias expressadas tem como razão a natureza jurídica das informações sobre desempenho contratual: Não são apontamentos obrigatoriamente negativos mas ranqueamento com a finalidade de desempate entre licitantes.

O nome utilizado não estaria errado mas pode induzir a erro quanto à natureza do desempenho contratual como mencionamos acima.

A terminologia “Serasa”  faria com que a analogia pudesse nos levar a concluir que deveria haver prévia comunicação obrigatória ao licitante o que; não necessariamente; ocorre.

Pensemos na hipótese do contratado pela administração que “desaparece” sem cumprir o contrato. Terá registrado seu péssimo desempenho, ainda que não seja localizado pelo poder público quando da rescisão contratual.

Esse “sumiço” poderá ser utilizado num desempate, por exemplo, numa futura licitação, ainda que o licitante faltoso não tenha sido localizado e comunicado acerca da imposição de penas.  

Súmula 550 do c. STJ 

A terminologia adequada à natureza destas informações é de “score” ou “ranqueamento”, sendo, portanto, cabível a súmula 550 do C. STJ que prevê:

“A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo.” (grifos nossos).

Inobstante a mencionada súmula utilize o termo “consumidor” ela é aplicável às informações utilizadas para avaliação de desempenho contratual.

Desta forma, aplica-se a súmula enquadrando a figura “consumidor” como “licitante” ou “contratado” para a aplicação da hipótese ao desempenho contratual do licitante.

Apesar de ser uma técnica de desempate, a regra é, também, uma minimização de riscos pelo poder público já que, em síntese, favorece quem tem um “ranqueamento” melhor.

Por conta dessa natureza de minimização indireta dos riscos de inadimplemento do contrato administrativo é que a nomenclatura “score” é a mais adequada para a definição da natureza jurídica de tais informações.

Dano moral

Outro aspecto que merece análise se refere à inserção de dados de desempenho contratual e a ocorrência de danos morais.

A informação errônea sobre o desempenho contratual pode gerar dano moral apenas em hipóteses restritas, pois é mero critério de desempate não tendo a mesma conotação de um banco de dados de negativação.

Num banco de dados para negativação a simples inserção gera abalo do crédito e, portanto, perda da chance de crédito daquele que teve o nome indevidamente inserido.

Não é o que ocorre, porém, com o cadastro de desempenho contratual do licitante que pode jamais ser utilizado na vida real e jamais prejudicá-lo, ainda que a inserção seja indevida.

O dano moral quanto às informações para fins de desempate relacionado com o desempenho contratual deve ser analisado sob a ótica da “perda de uma chance”.

Somente a demonstração da “perda de uma chance” pode servir de fundamento para a imposição de indenização por parte do poder público que inseriu informações inverídicas. 

A teoria da “perda de uma chance” é mencionada com frequência pela jurisprudência para erros médicos e de advogados que deixam de oferecer um novo medicamento ou um recurso judicial.

A jurisprudência, porém, destaca que a chance perdida precisa ser séria e concreta, descartando-se a aquela perda meramente hipotética.

No caso do desempate por desempenho contratual o “score” obtido pela inserção de informações não prejudica qualquer licitante mas apenas aquela que, efetivamente, deverá se valer do desempenho contratual para hipóteses de utilização de tais informações.

Para que tipo de licitação a análise de desempenho contratual tem natureza de abalo em suas atividades?

Licitações de cartão alimentação e inexequibilidades

O empate não é figura corriqueira na atividade licitatória.

Pensamos em duas hipóteses onde há maior chance de empate e, portanto, as empresas que se enquadram com frequência nessas hipóteses poderão, eventualmente, se enquadrar como vítimas da “perda de uma chance”.

A primeira hipótese, relativamente corriqueira de empate é aquela prevista no art. 3º da lei federal 14.442/22 que proíbe deságio na taxa de administração e, na prática induz ao empate real entre as empresas licitantes que apresentam taxa zero de administração.

A jurisprudência mais recente do TJ/SP tem decidido no sentido de que o empate ficto difere do empate real (AI 2338418-94.2023.8.26.0000, comarca Boituva, 26/3/24, relatora: Maria Fernanda de Toledo Rodovalho) e, portanto, o sorteio deve se dar entre todas as empresas licitantes.

Como a nova lei de licitações NÃO prevê o sorteio, este deve estar previsto no edital. Porém, seria o último critério de desempate após a lista de critérios previstos no art. 60 da lei 14.133/01.

A melhor forma para evitar o empate, na nova lei, é a pormenorização no edital da regra do art. 60, II prevendo maneiras de pormenorização do desempenho contratual.

Desta forma, uma empresa de cartão de alimentação terá, efetivamente, grandes chances de sofrer dano moral pela “perda de uma chance” no caso de informação inverídica sobre seu desempenho contratual.

A segunda hipótese, surgiu em razão do art., 59, IV da lei federal 14.133/21 que prevê a prova de exequibilidade por parte da administração pública.

Em licitações de obras é provável que existam empate no limite do art. 59, §4º do códex licitatório já que valores inferiores a 75% do valor orçado pela administração só poderão ser aceitos com prova da exequibilidade.

Se não houver tal prova e ocorrer empate entre licitantes, o desempenho contratual será a forma de escolha do licitante vencedor. 

É possível que em setores muito competitivos de obras e serviços de engenharia isso ocorre algumas vezes.

Desta forma, nas hipóteses de empresas de cartão de alimentação e empresas de obras e serviços de engenharia muito competitivos a inserção indevida no “score licitatório” poderá gerar o dever de indenizar em razão da “perda de uma chance”.

Em síntese: as informações sobre desempenho contratual serão a principal forma de desempate, conforme previsão do art. 60, II da lei federal 14.133/21. A natureza destas informações é de “score”, aplicando-se a súmula 550 do STJ. Eventuais indenizações decorrentes da “perda de uma chance” estarão restritas, provavelmente, às empresas de cartão alimentação e empresas de obras e serviços de engenharia de setores muito competitivos.

Laércio José Loureiro dos Santos
Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Nova Lei de Licitações", 2ª Ed. Dialética, 2.023.

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