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Pontes de Miranda: Um professor de muitas lições

As obras de Pontes de Miranda vão além da seara jurídica. Examinando o conjunto, constatam-se obras de igual valor, necessárias aos debates da atualidade

4/4/2024

Por vezes lembrado por seus livros jurídicos, especialmente pela sua obra mais conhecida (Tratado de Direito Privado, em 60 volumes – iniciado em 1954), Pontes de Miranda revela àqueles que o procuram uma abordagem igualmente profunda e muito mais ampla, em várias searas do conhecimento. O que se revela, apesar da passagem do tempo, é um trabalho que se mantém útil e necessário, para se ter por perto, especialmente àqueles que se indagam sobre os problemas estruturais do Brasil – problemas de longa data.

Desta feita, é mister citar algumas outras obras do jurisconsulto alagoano, dessas podendo-se crer que para alguns, serão inéditas. A primeira obra do autor fora em 1912, À margem do direito, um ensaio de psicologia jurídica. A leitura surpreende pela abordagem de vanguarda trazida, e imagina-se o efeito que causara no ano de sua publicação, especialmente porque é possível que se pense tratar-se de obra bem mais recente. Pontes de Miranda inicia sua trilha bibliográfica com o pé direito, e em que pese alguns não concordem, nunca caiu em contradição, manteve-se coerente com as ideias que defendia.

É mister lembrar que Pontes de Miranda é filho da Faculdade de Direito do Recife, sendo influenciado sobretudo por Tobias Barreto. Dele herdou, sobretudo, o cientificismo, e a simpatia pela literatura alemã, de onde vinham as últimas novidades da Europa. Além disso, é clara a influência do francês Augusto Comte, talvez o maior nome do positivismo sociológico. Uma demonstração dessa proximidade de ideias é o título, publicado originalmente em 1922, Sistema de Ciência Positiva do Direito, na linha do francês Sistema de Política Positiva, publicado em 1851.

Nessa linha surge uma marca a defender-se central na abordagem de Pontes de Miranda: O direito como um processo de adaptação social do homem, isso é, uma abordagem fenomenológica do direito, atrelado ao que “é”, e não ao que “deve ser” - apenas. Nesse passo, é patente a influência dos autores evolucionistas Charles Darwin e Herbert Spencer. 

Em 1924 publica Introdução à sociologia geral, premiado no ano seguinte pela Academia Brasileira de Letras – ABL. Marcado também pela influência do positivismo sociológico, na obra se constata a veemência do autor em unir às ciências biológicas conceitos oriundos da física e da matemática. O se explica brevemente porque para o autor, todas as ciências partiam de um mesmo ponto em comum, variavam apenas em questões metodológicas.

Pelo que se pode constatar, a obra que compila o passado das obras de outrora e que concomitantemente fornece o instrumental acadêmico/intelectual para as obras que ainda serão publicadas é o Sistema de Ciência Positiva do Direito, publicado em 1922, Centenário da Independência do Brasil, em 2 tomos. Em breve análise da Tábua sistemática das matérias, o referido título desperta inquietude pela forma objetiva, verdadeiramente cientifica, com que são trazidos os conceitos.

Nessa mencionada obra estão os basilares, os fundamentos dos quais partirão os alicerces dos enfrentamentos, das abordagens de Pontes de Miranda. Não é leitura das mais simples em um primeiro momento, mas assegura-se que, pondo-se o leitor na mesma postura do cientista, despido de vontades e quereres, serão as laudas inteligíveis. É que o autor tem uma estética originalíssima (revelando tacitamente sua própria axiologia). 

Essa é uma marca em toda literatura de Pontes de Miranda. A objetividade, a forma como os conceitos são tratados. “Per si”, em momentos e também nas relações que são estabelecidas entre eles. Todas as peças, por menores que pareçam ser, são necessárias para a compressão do Universo do autor. E em primeira leitura, serão surpreendidos os leitores pela atualidade das abordagens feitas.

Daquelas obras igualmente importantes, mas que praticamente se perderam no tempo, é imperioso citar Os novos direitos do homem, publicada em 1932. Nessa o autor em um único tomo esboça as diretrizes de sua ciência política, isso é, traça esboços de um Estado o qual considera compromissado com as diretrizes de um novo tempo. Cinco são as pontas (Direito à educação, Direito à saúde, Direito à assistência, Direito ao trabalho e Direito ao ideal).

Na leitura da referida obra, constata-se que Pontes de Miranda também é um autor que se lê para meditar, para se abstrair, para impregnar-se. Exemplo disso é outra obra que se iniciara quando da publicação da já mencionada Os novos direitos do homem, que é Direito à educação. Pouquíssimos são os que conhecem esse título, os que conhecem a preocupação do autor com a pedagogia. Não seria surpresa, afinal não se constrói um projeto de novo Estado sem marcar-se claramente as suas diretrizes, o cimento que une os cidadãos, blocos de concreto nesse edifício sociológico. 

No campo eminentemente filosófico, em 1937 é publicada a obra O problema fundamental do conhecimento. É o enfrentamento epistemológico do autor, que traz a originalidade típica com a chamada Teoria dos Jetos. Em breves linhas, e não pretendendo esgotar o tema, a Teoria dos Jetos despersonaliza o observador. Ele deixa de ser eminentemente consciência e passa a ser mero instrumental (A mão que toca, o olho que vê).  Nessa toda, o objeto deixa de ser materialmente objeto e passa a ser uma abstração, composta por todos os elementos os quais iguais a todos os objetos de igual natureza. É, no mínimo, uma construção de raciocínio peculiar, que se impressiona nos dias de hoje, a imaginar o que causara no ano de sua publicação.

Uma das obras de inestimável valor e hoje, dada a temperatura da geopolítica mundial, é Democracia, Liberdade, Igualdade: Os três caminhos. A obra fora publica em um contexto que, “per si”, faz dela destacada: 1945, isso é, logo após a Segunda Guerra Mundial. A trajetória feita, o resgate pelas trilhas outrora percorridas pelas civilizações no passado é uma fonte segura para situar-nos no tempo espaço. As constatações que lá constam, especialmente sobre o alerta às ditaduras, aos regimes de exceção, para os dias de hoje permanecem válidos.

Em síntese, ao contato com Pontes de Miranda, constata-se: Não apenas o “revelar do direito”, mas também, no “relevar Pontes de Miranda”. O autor tem a sua metodologia ímpar de expor suas ideias, seu pensamento. Não é das metodologias comuns, ordinárias. Ele criou um Universo próprio para si, e em que pese pareça difícil acessá-lo em um primeiro momento, o fato é que deve-se compreender a sua didática, não compará-la com o que trazemos conosco. 

O autor pede, tacitamente, que sejamos os cientistas que desvendamos o desconhecido, não protagonizando-nos em detrimento do objeto, mas que comprometidos em extrair dele o que ele é, e mais, com as relações que com ele se estabelecem. Isso é, não podemos ser meros técnicos, indiferentes e submissos a uma metodologia que não revela seus fins. É preciso, pois, que sejamos os verdadeiros cientistas, a par da metodologia da descoberta atrelados aos fins para os quais os elementos existem no mundo.

Ednardo Claudio Benevides
Advogado. Pesquisador da bibliografia de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.

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