As grandes operações anticorrupção promovidas no Brasil (tais como as operações Lava-Jato, Greenfield e Carne-Fraca) demonstraram a importância dos programas de compliance, especialmente na prevenção de atos ilícitos praticados por empresas contra a administração pública. Recentemente, escândalos ocorridos em empresas privadas chamaram a atenção também para o fenômeno da corrupção privada, levando o Congresso Nacional a pensar em diversas propostas legislativas para tratar do tema.
Em 2023, por exemplo, o relatório final da CPI das Americanas trouxe a proposta de criar o crime de “infidelidade patrimonial”, destinado a punir aqueles que abusem “dos poderes de administração de um patrimônio alheio que lhe foram incumbidos por lei, ordem legal ou negócio jurídico, com o fim de obter vantagem de qualquer natureza em benefício próprio ou de outrem, mediante infração do dever de salvaguarda, causando prejuízo ao patrimônio administrado”. O projeto (autuado na câmara sob 4.705/23) prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos, que poderá ser aumentada de 1/3 a 2/3 caso o crime seja cometido na administração de pessoa jurídica de direito privado (como uma empresa).
Já em 2024, avança no Senado um PL que criminaliza a “corrupção privada” (PL 4.436/20), incluindo o art. 180-B no Código Penal para punir as ações de “exigir, solicitar ou receber vantagem indevida, como empregado ou representante ou instituição privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de tal vantagem, a fim de realizar ou omitir ato inerente às suas atribuições, em prejuízo à empresa”, com pena de reclusão de dois a cinco anos.
Essa mesma proposta também criminaliza o “lado da oferta” da corrupção, ao punir com as mesmas penas quem “oferece, promete, entrega ou paga, direta ou indiretamente, ao empregado ou representante da empresa ou instituição privada, vantagem indevida”, levando ao setor privado a mesma racionalidade que já pune, no setor público, tanto a corrupção ativa quanto a corrupção passiva.
Esses movimentos legislativos passam a exigir que as empresas voltem a dar a devida prioridade a seus programas de compliance anticorrupção, que precisarão ser aprimorados e atualizados.
Para tanto, será fundamental que as empresas realizem um adequado mapeamento dos riscos de corrupção privada em suas operações, desenvolvendo políticas corporativas e controles internos aptos a prevenir a ocorrência de atos desviantes por parte de seus funcionários, prepostos, administradores, sócios e representantes. A realização de treinamentos periódicos também é um item indispensável de prevenção, assim como a criação de um canal de denúncias e de procedimentos de investigações internas (podendo contar com parceiros especializados para essas atividades).
É sempre importante lembrar, porém, que nenhum programa de compliance fica em pé se não houver uma sólida cultura organizacional que o sustente. Isso significa que a Alta Administração necessita estar à frente dos trabalhos da área de compliance, dando o “tom da liderança” (ou tone at the top) mostrando no dia a dia sua intolerância à corrupção. Nesses casos, vale o ditado de que “a palavra convence, mas o exemplo arrasta”.
1. Claro, é apenas com uma sólida governança corporativa – com a definição precisa de alçadas, responsabilidades e uma divisão de funções que previna conflitos de interesses – que será possível ter um norte mais claro sobre como funcionará a função compliance na empresa.
Por fim, valem alguns alertas. Em primeiro lugar, nenhum dos projetos de lei faz qualquer distinção sobre o porte da empresa sujeita às sanções penais. Com isso, pequenas e médias empresas acabam por representar um maior risco para ocorrência desse tipo de crime, já que tradicionalmente não possuem uma área de compliance já estruturada.
Também é relevante apontar que é importante que as empresas não confiem em eventual lentidão do processo legislativo, já que ambos os projetos de lei preveem a vigência imediata dos novos crimes – de modo que esperar a aprovação dos PLs para só então agir poderá ser tarde demais.
Nessa situação, é bom lembrar, “melhor prevenir do que remediar”.