Migalhas de Peso

Quando aconteceram fatos e nos cabe examinar o motivo, a causa e a razão

Ano de 2024 reflete sobre passado e mitos. A ferradura, símbolo de sorte e proteção, ecoa desde o século X.

27/3/2024

I. Por que este texto e para qual fim foi escrito?

1. Vivemos o ano de 2024, que vai célere como uma corrida equídea dos bons tempos do Jockey Club.

Volto a 1922, ano do Modernismo de Mário de Andrade que, a seu modo, lançou a Semana de Arte Moderna e criou a célebre obra de poesia brasileira Pauliceia Desvairada.

Adianto mais dois anos do calendário gregoriano, que se apodava realmente de desvairada, pela influência, sobretudo, dos escritos franceses. Arthur Bernardes estava no poder e, com seu caráter taciturno, colocava vários Estados em ressalva.

E, sobre São Paulo, eu me curvo, porque, no bairro do Camboriú, onde vim à luz, passaram-se eventos motivados por forças militares na Mooca (que era, e ainda é dividida pelo rio Tamanduateí por duas partes distantes apenas por alguns metros).

E a configuração das duas partes, a subida da rua dos Alpes e a descida da rua Barão de Jaguara, faz-nos imaginar uma ferradura.

2. Eis, portanto, brevemente, a ferradura no mundo:

A estória da ferradura, em sua associação à proteção do mal e à boa sorte, tem sua origem em Canterbury, no século X, com uma estória própria daquele tempo.

Como colocar esta lenda, onde, o que traz de benefícios, como protege contra a má sorte, que significa encontrar uma ferradura perdida e presenteá-la; tudo em histórias e mitos1.

II. Arthur Bernardes

Estadista da República (Tudo nele foi elevado e grande)

3. Arthur Bernardes assumiu o poder sob a égide da República em 1922, inaugurada pelo decreto 510 de 22/6/1890, a fim de acelerar a organização definitiva da República.

Mineiro enérgico, de origem modesta, partiu do governo de seu Estado a gênese de seu intento vigoroso de política.

A campanha foi tumultuada, com falsificação de cartas e sua divulgação (que estourou o famoso escândalo das “cartas falsas”), da eleição ao reconhecimento de sua vitória, tivera ferrenha oposição de políticos gaúchos. Para isso, com a centelha de sua ambição iluminando seus atos, teve um ciclo revolucionário (a ideia de que, para muitos militares, desde 15 de novembro de 1889, a República foi algo somente deles, causou a Bernardes e à 1ª República problema: esta última foi sacudida por quatro explosões profundamente danosas ao seu empenho de transformar o país). Primeiro, foi o levante da Escola Militar da Praia Vermelha, em 1904; a segunda, a composição político-militar organizada por Pinheiro Machado, em 1909; mais tarde, com o forte jogo verbal de Ruy Barbosa, o afastamento de sua candidatura, em 1919, e, por derradeiro, o levante militar de 1922 (esta visava a definição de Epitácio Pessoa e impedir a posse de Arthur Bernardes).

4. Bernardes nunca transigiu e, graças a esse espírito, conseguiu chegar até o fim do mandato, como conseguiu também que as sedições não resultassem em ausência de alimentos e medicamentos. Minha mãe e meu tio eram farmacêuticos e, para constatar esse fato, sempre cultivaram a memória dessa mácula na história da pátria.

5. Apoiado por todos os governadores e congressistas, obstinado, Bernardes foi implacável, até a vitória final, quando, escapando, vários militares do exército conseguiram organizar resistência, capitaneada por Luiz Carlos Prestes. Aí surgiu a malfadada Coluna Prestes, sendo narrada em centenas de páginas, dando azo ao Partido Comunista. Mesmo pagando com a entrega de sua esposa judia aos nazistas por Getúlio Vargas, Prestes apoiou a candidatura de Vargas à Presidência da República, discursando aqui em São Paulo, no Estádio do Pacaembu (estive presente).

6. Bernardes respondeu, no segundo ano de seu governo, as obras públicas projetadas, assim, referendadas por todos os militares, pelo decreto 16.768/1925.

Seu legado: incentivos à produção, quatro metas agrícolas criadas, indústria e comércio aproximaram-se, precursor da Justiça do Trabalho, proteção aos menores, inauguração de ferrovias e reforma do ensino, afora outros, em que Bernardes instituiu manutenção de ordem pública, freou os gastos governamentais (o JK de seu tempo).

III. A rebelião no bairro do Cambuci, em São Paulo

7. Subiram o bairro da Mooca as “tropas legalistas”, com o intuito de assumir posição estratégica importante para o Largo do Cambuci, uma vez que dali se invadiria o centro e o caminho de Santos, que dispensa comentar como valiosa para qualquer intento de alcançar o poder.

No longo caminho, os “legalistas” aparelharam um pequeno canhão para atingir a Igreja Nossa Senhora da Glória no alto do elevado caminho situado.

Sem êxito, pressionados, foram sendo encurralados pela rua Barão de Jaguara, onde existia uma prisão, cuja tortura era seu fim. E estava situada ao lado da casa de meus parentes, que tinham emigrado do Sul da Itália, no início do século XX, e lá construíram sua residência. Essa sua casa sempre foi habitada, naquela época, por famílias italianas, porque se moviam nos trabalhos para o centro e para a Mooca dali mesmo com facilidades (não esquecer que o transporte era todo de muares).

8. Morreram muitos soldados e muitos resistentes ao movimento rebelde no pequeno trecho descrito, cuidando dos feridos. E desde aí foi instalado o Hospital Cruz Azul nas imediações, hoje administrado pela Polícia Militar.

IV. Arthur Bernardes

9. Passados alguns anos de seu governo, Arthur Bernardes Filho, nas solenidades do nascimento de seu pai, pronunciou um discurso que assim encerrou, partindo do Ministro Abgar Renault: “Bernardes, você está seguro porque tem a maioria das Forças Armadas”, lembro-me da resposta: “Sim. Tenho, mas o que me sustenta é minha honradez e a minha austeridade” (Jornal Minas Gerais, em 7/8/75, p. 5).

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Disponível em: https://angelwoodcraft.co.uk/how-the-horseshoe-became-a-symbol-of-good-luck/ . Acesso em 15 de fev. de 2024

Jayme Vita Roso
Advogado.

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