Migalhas de Peso

A geração prateada e os desafios da empregabilidade

A autora aborda os desafios da empregabilidade da geração 50+, problematizando especialmente, o etarismo estrutural. O artigo também destaca as vantagens competitivas atreladas à contratação de profissionais maduros (as).

27/3/2024

"Em uma sociedade na qual o jovem é supervalorizado, há pouco lugar para o velho." (Winandy, 2021, p.25)

A empregabilidade é um desafio para trabalhadores e trabalhadoras mais velhos(as) (não necessariamente pessoas idosas), apesar do sucesso que marcam muitas trajetórias profissionais. 

O etarismo tem se apresentado como a principal barreira à entrada e continuidade da “geração 50+” no mundo do trabalho, denominada neste texto de “geração prateada”, o que nos faz concluir que o “não lugar” das pessoas mais velhas nesse “mercado” não é uma questão de profissionalidade mas sim, de preconceito.

O "mercado de trabalho" (na verdade prefiro a expressão 'mundo do trabalho' porque a palavra 'mercado' nos coloca em uma prateleira como objetos, não como sujeitos) é naturalmente seletivo. A idade é um dos parâmetros dessa seletividade.

Cada vez mais observamos o estreitamento da faixa etária considerada produtiva pela sociedade do trabalho, atingindo especialmente pessoas com idade igual ou superior a 50 anos (em alguns casos, até inferior). É como se trabalhadores e trabalhadoras tivessem um tempo de vida útil predeterminado (uma espécie de especificação de fábrica), independentemente de suas competências profissionais e sociais. Essa restrição é tão lamentável como curiosa porque, em geral, os/as profissionais "50 +" carregam competências gerencialmente interessantes: conhecimento sobre o negócio, experiência de vida, habilidades conceituais, propensão à liderança, dentre outras.

Esse comportamento excludente tem algumas explicações. Posso citar duas:

  1. as visões negativas acerca do processo de envelhecimento que depreciam e excluem corpos maduros, produzindo estereótipos capacitistas e associações arbitrárias diversas e;
  2. o custo, considerado elevado, atribuído à manutenção do vínculo de emprego de profissionais com perfil etário classificado, legal ou socialmente, como idoso.

Obviamente, essas crenças não são assumidas publicamente, mas reverberam nas tomadas de decisão em processos de admissão e desligamento, no cotidiano das relações. 

Em muitos casos, os/as profissionais que buscam um reposicionamento são obrigados a lidar com o etarismo estrutural, cenário que contribui para a invisibilidade social e a precarização das relações de trabalho das quais passam forçosamente a ser parte (vínculos temporários mal remunerados, prestações informais em condições inseguras e de continuidade incerta etc.). Ambientes com elevada rotatividade tendem a ser mais competitivos, dando o ensejo a conflitos predatórios, gatilho para a violação de direitos (especialmente aqueles da personalidade). 

Sabemos que condições emocionalmente insalubres acionam narrativas depreciativas, juízos de desvalor e uma comunicação marcadamente violenta, resultando, muitas vezes, na atitude de recusa do envelhecimento. 

A indústria do antienvelhecimento tem um papel fundamental nessa conformação. Somos recorrentemente turbinados por estímulos que prometem retardar o aparecimento dos sinais da idade. Nesse movimento, vendem a ideia de que envelhecer é uma experiência ruim. Rejuvenescimento como uma credencial social e requisito para tornar-se empregável ...

A necessidade de validação social nos desnaturaliza e esvazia, tornando-nos pessoas inautênticas, sem profundidade existencial, alheias à própria realidade e transformações de nosso corpo, superficializando identificações e relacionamentos. 

Curiosamente, a própria sociedade, que envelhece a passos largos, impõe a jovialidade como requisito para a empregabilidade. É nesse passo que as visões negativas da idade fabricam sofrimento.

Em um contexto opressivo, a pessoa idosa ou considerada “velha “para o trabalho, com ênfase naquela parcela da população menos abastada, experencia  um 'não lugar' na sociedade do desempenho. Sim! O envelhecimento é vivenciado de modo diferente por pessoas de perfil aquisitivo distintos. As experiências de vida são diversas, tanto negativas como positivas.  

Para além do debate sobre empregabilidade, discutir acerca da qualidade de vida no ambiente profissional também é muito importante, comportando não apenas a pauta relacionada à ocupação dos postos de trabalho e a convivência intergeracional mas, igualmente, a promoção de condições dignas de prestação. Organizações que silenciam os seus e promovem desavenças em suas equipes, segregam, alimentam preconceitos, excluem, produzem situações de violência, adoecem.

Importa salientar que as trocas sociais intergeracionais contribuem para o amadurecimento da própria organização em seu mercado de atuação, alcançando de modo mais efetivo as demandas dos diferentes públicos.

A diversidade geracional também tende a tornar o ambiente de trabalho mais colaborativo, fraterno, inclusivo, diverso e acolhedor, condição essencial para a manutenção de relacionamentos profissionais saudáveis, melhorando os níveis de produtividade (demanda corporativa). A qualidade dessas relações repercute de diferentes maneiras:

A maturidade nos faz ler a realidade com mais serenidade e temperança, contendo os ímpetos ansiosos. Todavia, a mera convivência entre gerações não produz espontaneamente esse resultado, afinal vivemos em uma sociedade marcadamente desigual.

É preciso promover a pauta da integridade nas organizações, ressaltando a relevância estratégica e social da longevidade, bem como fomentar a convivência entre gerações no espaço de trabalho. O clima, as políticas organizacionais e a qualidade das relações no meio ambiente de trabalho são ingredientes fundamentais nessa dinâmica. 

O trabalho representa uma oportunidade de desenvolvimento integral, de formação e fortalecimento de vínculos e afetos. É imperiosa e desafiante a necessidade de manutenção e recolocação profissional de trabalhadoras e trabalhadores com perfil etário mais avançado. 

Com essa breve argumentação, advindas de minhas pesquisas no GEPDT/UFRPE – Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito do Trabalho, quero destacar a relevância de se problematizar as diferentes vivências, bem como os sentidos atribuídos ao processo de envelhecimento e posicionamento social no mundo do trabalho. A terceira idade ou a melhor idade são denominações que romantizam e generalizam experiências singulares complexas.

Os critérios de empregabilidade ou trabalhabilidade não passam pelo crivo da equidade. Devemos enfrentar essa realidade. O etarismo, inclusive, pode ser observado nos dois extremos, entre os mais jovens e os mais velhos.

Independentemente do extremo, o etarismo é destrutivo e implosivo, manifestando-se de diferentes formas, todas convergindo para o descrédito e desvalor dos profissionais mais maduros. O preconceito etarista, quando dirigido para grupos vulnerabilizados, aprofundam a sua invisibilidade social.

Os reclamos antietaristas sequer são beneficiados pela linguagem politicamente correta. Quando o assunto é longevidade no ambiente corporativo, ainda predominam as falas capacitistas e rótulos depreciativos.

Segundo Fran Winandy, 

“Dentre os estereótipos negativos mais frequentes que alimentam o etarismo nas das organizações estão as supostas dificuldades cognitivas, bloqueios com tecnologia e falta de flexibilidade." (Winandy, 2021, p.78)

O desejo pela aceitação social dessa parcela da população é tão marcante que transforma a pessoa idosa (ou considerada idosa) em algoz de si mesma. O etarismo opera como um decreto efetivo de impossibilidades, tanto na esfera pessoal como profissional, interditando acessos a oportunidades interessantes e saudáveis.   A necessidade de manter-se empregados(as), mesmo quando aposentados(as), rouba-lhes até o direito ao ócio, privando-os de viver outras experiências, fora do circuito profissional.

No mundo do trabalho, o preconceito se deslinda em duas temporalidades: a cronológica e a social, perspectivas que se atravessam e complexificam seus efeitos. Não é sem razão que o processo de envelhecimento alimenta o pânico de envelhecer (gerascofobia). Envelhecer ainda é considerado por muitas pessoas um fardo, um incômodo com o qual precisa "lidar" (Como?). As intervenções estéticas não contém o envelhecimento, muito menos a violência etarista. Temos ainda o etarismo benevolente, mas sobre ele escreverei em outro momento.

A pressão sociocultural desnaturaliza o envelhecimento, desumanizando a pessoa que envelhece, em contracorrente ao fato de que o tempo tem a sua própria dinâmica, sobre a qual não exercemos qualquer controle.

O preconceito produz desconforto e insatisfação com o próprio corpo. As expectativas sociais classificadas como adequadas à idade explicam parcialmente esse descontentamento. Interessa-nos destacar que, utilizar esse paradigma etário-social como razão também pode ser entendido como prática etarista, dado o seu caráter excludente.

Nós, mulheres, somos constantemente avaliadas pela roupa que vestimos, pela nossa aparência, se apropriadas ou não à nossa idade. Os homens também não escapam dessa régua de valoração mas, no caso das mulheres, esse julgamento repercute como uma espécie de autorização implícita para o cometimento de outras formas de violência, especialmente nos casos de incongruência entre a idade subjetiva e a visão objetiva da idade. Pois é, o etarismo toma de assalto a nossa autodeterminação, acentuando áreas de vulnerabilidade.

Profissionais maduros carregam consigo um vasto repertório de valores, competências técnicas e sociais, experiências e narrativas de interesse. Ocorre que, em muitas organizações, essa plenitude profissional é minada por atitudes e comportamentos preconceituosos, os quais operam também em prejuízo da própria "empresa", reflitemos a respeito.

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Yumara Lúcia Vasconcelos
Professora associada do curso de Administração da UFRPE e docente permanente do PPGDH/UFPE - Programa de pós graduação em Direitos Humanos.

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