1- Igualdade de Gênero
Se não bastasse estar implícito no princípio da isonomia, insculpido no art. 5º, caput, da Constituição Federal, o legislador constituinte estabeleceu um inciso específico para a igualdade de gênero: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
As mulheres, historicamente, sempre tiveram um tratamento desigual e inferiorizado, se comparado aos homens. O direito de voto somente surgiu em 1932, através do Código Eleitoral vigente. À propósito, a doutrina e jurisprudência do século passado admitiam, inclusive, a legitima defesa da honra.
O STF, no julgamento da ADC 19, relatada pelo Min. Marco Aurélio, ao julgar a constitucionalidade da norma, decidiu que
“A Lei Maria da Penha retirou da invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidades ocorridas na privacidade do lar e representou movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação, à proteção e à Justiça. A norma mitiga realidade de discriminação social e cultural que, enquanto existente no país, legitima a adoção de legislação compensatória a promover a igualdade material, sem restringir, de maneira desarrazoada, o direito das pessoas pertencentes ao gênero masculino. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais, vale ressaltar, reclama providências na salvaguarda dos bens protegidos pela Lei Maior, quer materiais, quer jurídicos, sendo importante lembrar a proteção especial que merecem a família e todos os seus integrantes”.
Destarte, começou a se construir no país a cultura jurídica de que a mulher, em condições de desigualdade, faz jus ao tratamento jurídico capaz de equacionar a relação de isonomia ou, no mínimo, mitigar a diferença até então existente. E foi o que ocorreu, sucessivamente, com o feminicídio, com a cota eleitoral de gênero, entre outras medidas.
2- Liberdade de manifestação do pensamento e de expressão como propulsores da isonomia.
Certamente, a liberdade de manifestar o pensamento é um dos direitos fundamentais mais importantes é previsto no art. 5º, IV, da Constituição Federal: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
É decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), do fundamento da cidadania (art. 1º, II, CF) e contribui para alcançar o objetivo de construir uma sociedade livre justa e solidária (art. 3º, I, CF). Não se coaduna com o Estado Democrático de Direito o cerceamento da manifestação da liberdade de pensamento e expressão de uma pessoa. Na seara dos Direitos Humanos, o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica aduz que:
“toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. – O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. – Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. – A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. – A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.
No contexto da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de expressão, exsurge o discurso de ódio (hate speech) que é aquele discurso que exclui qualquer manifestação contrária ao discurso daquele que se mantém no poder, de forma odiosa, racista ou preconceituosa.
Não se deve confundir o discurso de ódio, que malfere a liberdade de manifestação do pensamento, com o discurso intolerante. O último, embora pedante e prepotente, insere-se no conteúdo da manifestação do pensamento. O discurso de ódio, por sua, vez, insere-se na vedação constitucional, cuja prática deve ser repelida pelo ordenamento jurídico.
No tocante ao discurso de ódio, o caso mais emblemático julgado pelo Supremo Tribunal Federal foi o HC 82.424 (“Caso Ellwanger”). Tratava-se de ação penal por crime de racismo tendo como réu Siegried Ellwanger, que escreveu, editou e publicou diversos livros de conteúdo antissemita, negando a ocorrência do Holocausto e atribuindo inúmeras características negativas ao caráter dos judeus.
Ao lado do discurso de ódio, há outras narrativas silenciadas em razão de raça, gênero ou origem, que, da mesma forma, aniquilam o direito da manifestação do pensamento, tornando-as manifestações vazias e sem respeito na sociedade. Esse fenômeno das narrativas silenciadas deve ser coibido pelo ordenamento jurídico. Uma das formas de silenciamento histórico das mulheres é o manterrupting.
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