No dia 12/3/24, o presidente da república emitiu um decreto que atualiza as regras das parcerias entre organizações da sociedade civil e o governo federal, o decreto 11.948/24. A nova norma tem o objetivo de atualizar o regulamento da lei 13.019/14, conhecida como MROSC - Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, delineando os procedimentos para a execução de políticas públicas em colaboração com essas organizações.
Essa atualização é uma revisão do decreto 8.726/16, que permanece vigente com as alterações agora conferidas pela nova regulamentação e foi resultado de um amplo processo de consulta ocorrido dentro e fora do governo.
Vale lembrar que o decreto regulamentador do MROSC já tinha sido alterado em agosto/23, por ocasião da publicação do decreto 11.661/23, e teve como principais modificações a alteração do meio de processamento das parcerias que envolvam transferência de recursos financeiros. Na ocasião, elas deixaram de ser realizadas na antiga Plataforma +Brasil e passaram a ser operacionalizadas pelo Transferegov.br.
Além disso, o decreto/23 tratou da revisão de atribuições e composição do Confoco - Conselho Nacional de Fomento e Colaboração, órgão colegiado paritário de natureza consultiva, integrante da estrutura da Secretaria-Geral da Presidência da República, com a finalidade de divulgar boas práticas e de propor e apoiar políticas e ações destinadas ao fortalecimento das relações de parceria das organizações da sociedade civil com a administração pública federal.
A intenção da nova regulamentação (2024) é agora mais abrangente e pretende estabelecer um novo panorama para as parcerias, de modo que os programas e projetos realizados em colaboração com as organizações da sociedade civil sejam direcionados de forma mais intensa para alcançar resultados tangíveis e viabilizar políticas públicas de maneira eficaz à sociedade. Nesse contexto, o objetivo deste breve artigo é ressaltar algumas das principais modificações no decreto 8.726/16, de maneira sintética e organizada em tópicos:
Minutas padronizadas: O edital de chamamento público, o acordo de cooperação, o termo de colaboração, o termo de fomento ou os respectivos termos aditivos deverão ser elaborados conforme minutas padronizadas da Advocacia-Geral da União, conforme o novo §10º do art. 9º. A medida foi incluída no decreto e significará, tanto para gestores públicos, quanto para organizações, um avanço em relação à segurança jurídica e desburocratização, uma vez que a utilização de minutas previamente aprovadas pelo órgão jurídico tende a reduzir a incerteza em relação à sua utilização e interpretação, além de reduzir a litigiosidade.
Permanência de bens adquiridos: Os bens adquiridos por meio das parcerias podem permanecer sob posse da organização parceira ou dos beneficiários, desde que sua utilidade para a realização ou continuidade de ações de interesse social seja comprovada, ou quando de outro modo não preveja o instrumento da parceria, conforme passou a determinar o art. 23 com nova redação. Diferente da redação anterior, agora a permanência dos bens com o órgão público tornou-se exceção e ocorrerá apenas quando for considerada a necessidade de assegurar a continuidade do objeto pactuado, por meio da celebração de nova parceria ou pela execução direta do objeto pela administração pública federal.
Adequações e inovações mais ágeis: Pequenas adaptações e inovações na execução das parcerias poderão ser feitas sem autorização prévia, desde que não ultrapassem 10% do valor do contrato, agilizando o processo. A alteração pode ser realizada mediante simples apostilamento na hipótese de remanejamento de recursos sem a alteração do valor global, conforme o §4º inserido ao art. 43 do decreto. A medida deverá ser observada também no caso de compras ou contratações com valores superiores ao previsto no plano de trabalho, desde que assegurada a compatibilidade do valor efetivo com os novos preços praticados no mercado.
Dispensa de chamamento público: A nova redação aprimora a condição para dispensa do chamamento público para os termos de fomento ou de colaboração que envolvam recursos decorrentes de emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais. A partir de agora, a dispensa ocorrerá quando as propostas sejam apresentadas pelo autor da emenda com a indicação de beneficiários e a ordem de prioridade.
Indicação de representantes da sociedade civil na comissão de seleção: Embora a seleção das organizações seja competência de uma comissão composta por servidores ocupantes de cargo efetivo ou emprego permanente do quadro de pessoal da administração pública, o decreto traz uma importante inclusão em termo de seleção adequada. Isto porque, conforme preceitua o inserido §4º (Art. 13), a comissão de seleção poderá incluir representantes da sociedade civil indicados pelo conselho gestor da política pública que busca selecionar as organizações.
Prazo de vigência: O prazo de vigência das parcerias foi significativamente alargado. Se antes as parcerias podiam ser prorrogadas até o limite máximo de 5 anos, a partir de agora poderão se estender até 10 anos. Além disso, caso haja excepcionalidade da situação fática e interesse público no prazo maior, a parceria poderá, mediante decisão técnica fundamentada, ser superior ao prazo de dez anos.
Novas formas de demonstrar os custos do projeto e a experiência da OSC: A antiga redação citava de modo genérico o formato que os elementos indicativos da mensuração da compatibilidade dos custos apresentados deveriam ser apresentados mediante demonstração de preços praticados no mercado ou com outras parcerias da mesma natureza, ou ainda cotações, tabelas de preços de associações profissionais, publicações especializadas ou quaisquer outras fontes de informação disponíveis ao público.
Apesar disso, a nova redação vai além e estabelece de modo objetivo onze incisos inseridos ao §1º do art. 25, explicitando todas as formas possíveis de demonstração da adequação da composição dos custos do projeto ou programa, tais como: Contratação anterior nos últimos três anos ou em execução; ata de registro de preços em vigência adotada por órgãos e entidades públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos municípios da região onde será executado o objeto da parceria ou da sede da organização; tabela de preços de associações profissionais; tabela de preços referenciais da política pública setorial publicada pelo órgão ou pela entidade da administração pública municipal da localidade onde será executado o objeto da parceria ou da sede da organização; pesquisa publicada em mídia especializada; sítio eletrônico especializado ou de domínio amplo, desde que acompanhado da data e da hora de acesso; Portal de Compras do Governo Federal - Compras.gov.br; PNCP - Portal Nacional de Contratações Públicas; cotação com três fornecedores ou prestadores de serviço, que poderá ser realizada por item ou agrupamento de elementos de despesas; pesquisa de remuneração para atividades similares na região de atuação da organização da sociedade civil; ou acordos e convenções coletivas de trabalho.
Inadimplemento do órgão público: Conforme passou a constar no decreto, o atraso na liberação das parcelas pactuadas no plano de trabalho configura inadimplemento de obrigação estabelecida no termo de fomento ou de colaboração. Como consequência do inadimplemento por 30 dias, a organização poderá suspender as atividades, e caso o atraso perdure por mais de 60 dias, a organização poderá rescindir a parceria. A inovação traz segurança jurídica, na medida em que formaliza efetivamente a determinação que antes dependia do ajuste entre as partes. Agora, com previsão normativa, as organizações têm a segurança das medidas a serem utilizadas em caso de inadimplemento por parte do órgão público.
Segurança aos trabalhadores das organizações: Com a inclusão do “§3º - A” ao art. 42, passou a ser prevista a possibilidade de que o vínculo trabalhista perdure após a prestação de contas, hipótese em que a organização da sociedade civil poderá manter retido ou provisionado o valor referente às verbas rescisórias. A inclusão do parágrafo permite a continuidade dos vínculos trabalhistas e o reconhecimento dos direitos trabalhistas, mesmo após o término da parceria.
Ampliação do rol de público determinado de executores: Embora já contivesse disposição específica sobre a possibilidade de o edital para seleção de parceiras estabelecer execução por público determinado, delimitação territorial, pontuação diferenciada, cotas, entre outros, visando a redução das desigualdades sociais, a nova redação vai além e inclui expressamente em seu objetivo promover a igualdade de gênero, racial, étnica, de direitos de pessoas queers, intersexos, assexuais e outras - LGBTQIA+ ou de direitos de pessoas com deficiência. Nesse sentido ainda se cite a busca pela promoção de direitos de quaisquer populações em situação de vulnerabilidade ambiental e a promoção da diversidade cultural e da educação para a cidadania ativa.
Facilitação de pagamento em espécie: O decreto traz disposições especificas a respeito da possibilidade de pagamentos em espécie. Antes limitado ao valor de R$1.800 por beneficiário, agora as organizações poderão realizar pagamentos em espécie de até R$ 5.000. Ainda como na redação anterior, o pagamento em espécie depende do objeto da parceria; a região onde se desenvolverão as ações da parceria; ou a natureza dos serviços a serem prestados na execução da parceria. Ou seja, permite-se a inclusão daqueles executores sem acesso à conta bancária em instituição financeira, em evidente reforço da promoção de direitos de populações em situação de vulnerabilidade social ou ambiental.
Termo de ajustamento de conduta: A fim de garantir a preservação da parceria em detrimento da aplicação de penalidades que prejudicam ou abreviam sua execução, o decreto passa a prever a possibilidade de celebração de termo de ajustamento de conduta com a organização da sociedade civil quando a execução da parceria estiver em desacordo com o plano de trabalho e com as normas da lei 13.019/14 e da legislação específica. Caberá ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e à Controladoria-Geral da União estabelecer em ato conjunto o procedimento para a celebração do termo de ajustamento de conduta, como meio consensual para resolução de conflitos e de eficiência na execução da parceria. A medida reforça o caráter consensual da atuação da administração pública em busca da solução que impeça a descontinuidade dos projetos.
É perceptível um esforço normativo para promover a democratização do acesso às políticas de parceria. Isso porque há o estabelecimento de processos de seleção e prestação de contas simplificados que tornam a participação de organizações com menos recursos mais viável, aumentando a equidade na concorrência e a capilaridade das políticas públicas.
Nesse sentido, ainda é de se destacar, por exemplo, o estabelecimento de critérios de julgamento qualitativos, como inovação, criatividade, territorialidade e sustentabilidade para a celebração de parcerias, ou o afastamento definitivo da necessidade ou possibilidade de exigir como condição para a celebração de parceria que as organizações da sociedade civil possuam certificação ou titulação concedida pelo Estado.
Dois aspectos relevantes relacionados à facilitação de acesso de organizações e entidades iniciantes foram o aprimoramento das regras de esclarecimento sobre processos seletivos e a possibilidade de custeio de despesas extras. Em primeiro lugar, o incluído §13º ao art. 8º prevê que durante o período de inscrições do chamamento público, o órgão ou entidade da administração pública federal terá a possibilidade de guiar e esclarecer as organizações da sociedade civil sobre o processo de inscrição e a preparação de propostas. Isso poderá ser realizado por meio de atividades de formação, criação de canais de atendimento e outras iniciativas, e é um meio de garantir a compreensão ampla dos processos de seleção.
Em segundo lugar, inaugurou-se a possibilidade de custeio de despesas da entidade parceira selecionada relacionadas à elaboração do projeto e/ou atrasos nos repasses. O decreto passa a prever que organizações da sociedade civil poderão realizar quaisquer despesas necessárias à execução do objeto previstas no plano de trabalho, tais como aquisição de bens permanentes, essenciais à concepção do objeto; serviços comuns de engenharia para adequação de espaço físico; aquisição de soluções e ferramentas de tecnologia da informação e da comunicação; custos indiretos; e o custo para a elaboração de proposta apresentada no âmbito do chamamento público, no montante de até cinco por cento do valor global do instrumento, limitado a R$ 50.000,00.
Por fim, importante destacar a ampliação da participação social garantida por meio de PMIS - Propostas de Manifestação de Interesse Social, o que possibilita que organizações da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos contribuam na construção de chamadas públicas. Além disso, a participação social nas comissões de seleção também passa a ser incentivada.
Tais mudanças apontam para a necessidade de desburocratização das parcerias e visam aprimorar as relações entre as organizações da sociedade civil e a administração pública federal, tornando o processo mais seguro, transparente e, sobretudo, equitativo, a fim de assegurar que novas organizações tenham a possibilidade real de disputar certames de parcerias reguladas pela lei 13.019/14 e pelo decreto 8.726/16.