1. Introdução
O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) entra em consonância com a redação do art. 227 da Constituição Federal - CRFB e densifica o que se conhece por princípio da prioridade absoluta para a Infância e Juventude:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão1.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude2.(GRIFO NOSSO)
Qual a delimitação da referida disposição normativa no âmbito do Orçamento? De fato, ao se entender como princípio que perpassa toda e qualquer atuação do Estado, está-se diante de um verdadeiro princípio da Constituição Financeira cuja concretização enfrenta inúmeros desafios, tendo em vista as características do próprio sistema de financiamento das políticas públicas especializadas:
A proteção à criança, adolescente e jovem é política pública que se materializa por um conjunto de ações governamentais e não-governamentais que apresenta aspectos administrativos bastante complexos, como se poderá ver. Exige sofisticados mecanismos de financiamento e a superação de dificuldades gerenciais. Complexidade que se constata pela intensa atuação dos poderes e instituições independentes, uma vez que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, todos eles exercem funções relevantes voltadas a atingir os objetivos dessa política pública que é prioridade absoluta prevista na Constituição. Atuam diretamente na própria execução, e, principalmente, controle das ações, como se vê pela obrigatória participação do Poder Judiciário e Ministério Público nas medidas de guarda, tutela, adoção, dos atos infracionais, da fiscalização das entidades governamentais e não-governamentais de atendimento e tantas outras. Interferem também para assegurar os muitos direitos fundamentais previstos na Constituição (art. 227) e legislação infraconstitucional que exigem prestações estatais e têm sido objeto de intensa judicialização visando à concretização ante a inércia estatal, como se pode constatar das várias demandas judicializadas por vagas em creches (STF, RE 436.996-6 Agr e RE 410.715-5 Agr; STJ, REsp 1.185.474), dever de proteção integral (STF, RE 482611 e STF, RE 488.208), e muitas outras. Uma evidência da distância que existe entre o que está previsto na lei e a realidade. Mais do que isso, não é simples coordenar todos os entes da federação, em um exemplo claro de federalismo cooperativo que neste caso mostra-se bastante evidente, com a participação da União, estados, Distrito Federal e municípios. Acrescente-se que, ante a sistemática de organização setorial estabelecida na maior parte das administrações públicas, as necessidades das crianças, adolescentes e jovens espalham-se por diversas áreas, tais como saúde, assistência social, educação, segurança pública etc., tornando necessária uma ação conjunta e coordenada de diversos órgãos dentro de uma mesma unidade federativa – sem esquecer de que o mesmo ocorre nas demais esferas de governo com as quais os entes federados necessariamente devem de se relacionar. Não é só. As políticas públicas voltadas para a proteção à criança, adolescente e jovem estão entre as que mais – e não seria exagerado dizer, a que mais - contam com a participação do terceiro setor, por meio da intensa atuação de instituições não-governamentais, muitas recebendo subvenções orçamentárias.3
- Confira aqui a íntegra do artigo.
-------------------------
1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
2 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2019.
3 CONTI, José Maurício. Maioridade penal, os 25 anos do ECA e o Direito Financeiro. Revista Consultor Jurídico, 28 de jul de 2015. Disponível em: . Acesso em 29 de set. de 2019.