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A operadora de plano de saúde é obrigada a fornecer consultas, exames, tratamentos com profissionais fora da sua rede ou da credenciada?

Dúvida comum e questionamento bastante corriqueiro entre os usuários contratantes de plano de saúde: o plano de saúde é obrigado a custear consultas, exames, tratamentos com profissionais fora da sua rede credenciada? É o que buscaremos esclarecer neste presente ensaio.

18/3/2024

Imaginemos os seguintes casos: exemplo 1. “A” contrata o plano de saúde “Y”, na modalidade empresarial. “A” dispõe dos profissionais credenciados com a livre e justificada necessidade médica para consultas que forem necessárias. “A” sofre de problemas crônicos na sua pele, em razão da presença de acnes, e assim decide iniciar tratamento com o profissional dermatologista. Porém, deseja que a consulta seja realizada com o badalado médico “z”, que acompanha no Instagram que não é credenciado na sua operadora e só atende de forma particular, e solicita então à operadora a marcação dessa consulta com o profissional “z” ou então o reembolso do pagamento da consulta. 

Exemplo 2: “B”, menor de idade, é portador do TEA, sendo devidamente acompanhado do seu médico neuropediatra, especialista na área. Com o diagnóstico, o médico decide prescrever tratamento com acompanhamento multidisciplinar, a saber: fisioterapeutas motores e ocupacionais e fonoaudiólogo, para tanto, decide que esses profissionais devam ter as seguintes certificações: bobath, cuevas medek, samara brandão, integração sensorial de ayres etc. Contudo, a operadora não dispõe de tais profissionais. 

Importante destacar, inicialmente, que os planos de saúde podem ter duas formas de contratação, no que tange às prestações de serviços: pode ser mediante livre escolha dos profissionais, no qual o plano somente procede com os reembolsos dos pagamentos efetuados, pelo usuário, com as despesas médico hospitalares e que geralmente essa modalidade corresponde ao seguro saúde; ou, então, o sistema mais comum comercializado, onde o usuário utiliza os serviços dos profissionais credenciados ao plano ou os da própria rede. Na primeira modalidade não há dúvidas que o usuário, portanto, tem livre escolha e não é o objeto do presente ensaio. 

Pois bem. Na segunda forma de contratação, os planos, como regra, não possuem obrigação legal no fornecimento do tratamento à livre escolha e tanto a lei como as resoluções da ANS e jurisprudências não dão qualquer amparo para tal pretensão.  Dessa forma, se a operadora possui profissionais credenciados ou de sua rede própria com a especialidade pretendida, nada se tem a exigir mais o consumidor e/ou usuário, pois não há qualquer abusividade nessa forma contratual, de modo que, como resposta ao caso do primeiro exemplo trazido, o consumidor não faz jus a pretensão de utilizar profissionais fora da rede credenciada com o custeio das operadoras de saúde1.

Porém, como resposta ao segundo exemplo, a falta de profissionais especializados fora da rede credenciada ou própria obriga, sim, o custeamento do profissional escolhido, após a negativa da própria operadora em custear voluntariamente os que lhe foram solicitados e que não constam em sua rede. 

É preciso, assim, que o usuário comprove a necessidade e a falta do profissional especializado e, ademais, a recusa da operadora em custear o serviço com o prestador especializado. Conjugando tais fatores, o usuário tem direito, então, a obter o reembolso com o custeamento do serviço, ou a obrigatoriedade do fornecimento mediante a propositura de ação na justiça! 

Não é outro o entendimento que obtemos ao se analisar os art. 2º e 3º da resolução 566/22 da ANS.

Mas o usuário deve se atentar, ainda, que essa mesma resolução dispõe que o plano pode cumprir o contrato custeando o procedimento com profissional em município limítrofe ao do qual foi estabelecido o contrato, sem custeio do transporte (exceção do atendimento de urgência/emergência); mas em caso de não haver em profissional no município de abrangência do contrato e nem no limítrofe, aí, então, poderá custear em outro município ou Estado custeando o serviço e o transporte de deslocamento, desde que seja compatível com o tratamento e a saúde do usuário.

Assim, em regra, se não ofertar o serviço e nem se dispor a custear o procedimento com profissionais fora da sua rede ou então em outro município, deverá, dessa forma, proceder com o reembolso2

De se destacar que a lei3 expressamente prevê que, em casos de urgência/emergência, na falta de profissional ou local para prestação do atendimento pela operadora ou suas redes credenciadas, está o usuário, assim, autorizado a proceder com a escolha do local adequado para o atendimento, obrigando-a a realizar o reembolso do pagamento realizado.

Abrimos parênteses para os casos do segundo exemplo trazido, como com pessoas portadoras de TEA, em que se exige curso especializado dos profissionais no tratamento. Nesses casos, só a especialidade não é suficiente, pois é preciso ter formação complementar condizente com a situação dos usuários, desde que o médico assistente assim prescreva, pois nesse caso, com a sua prescrição, em regra, o plano não poderá negar o tratamento especializado e, se não tiver o profissional em sua rede e nem se dispor a custear com profissionais fora da sua rede, terá que proceder com os reembolsos e o usuário terá livre escolha, bem assim a obrigatoriedade do fornecimento mediante a propositura de ação na justiça! É que se depreende da lei 9.656/984 (lei dos planos de saúde), da função social dos contratos e a boa-fé objetiva.

Conjugado a isso, tanto os tribunais do país como o STJ possuem entendimento sedimentado que o médico assistente possui o poder de estabelecer o tratamento adequado ao tratamento, desde que observada a lei, não podendo as operadoras interferirem nas suas prescrições, como regra.

Por todos, o STJ:

“[...] Somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente; a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor. [...] . - A negativa de cobertura de transplante – apontado pelos médicos como essencial para salvar a vida do paciente –, sob alegação de estar previamente excluído do contrato, deixa o segurado à mercê da onerosidade excessiva perpetrada pela seguradora, por meio de abusividade em cláusula contratual. […] Recurso especial conhecido, mas, não provido. (REsp 1.053.810/SP, rel. ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª turma, julgado em 17/12/09, DJe 15/3/10). 

Assim, em conclusão, resumimos com as seguintes respostas esquematizadas:

  1. Os planos de saúde, que não sejam na modalidade livre escolha do médico e exames, via ressarcimento, não são obrigados a fornecerem serviços fora sua rede ou da credenciada;
  2. Contudo, os planos devem oferecer serviços com todas as especialidades médicas e com outros serviços da saúde, tais como fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos etc, tendo o médico assistente o poder de prescrever o tratamento que entender adequado e, assim, obrigando o plano de saúde no fornecimento do tratamento prescrito;
  3. Os planos então são obrigados a fornecerem as consultas e o tratamento, podendo ser na região de abrangência do produto ou nos munícipios limítrofes, ficando obrigados a custearem o transporte e estadia caso, somente, tenha que ser em outro município sem ser limítrofe (exceção: se for urgência/emergência, que em qualquer caso o transporte e estadia são de custeio obrigatórios pelo plano de saúde);
  4. Assim, somente não havendo obediência a essas regras ou em situações de emergências/urgências, e o plano não tenha o profissional adequado, o usuário poderá fazer livre escolha do serviço e ter direito ao ressarcimento do pagamento do serviço. 

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1 Decisão do STJ nesse sentido: EAREsp nº 1459849 / ES.

2 Nesse sentido, artigos 5º e 10º da Resolução nº566/22 da ANS.

3 “Art. 12.  São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: [...] VI - reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada”.

4 Art. 35-F.  A assistência a que alude o art. 1o desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes. (marcação nossa).

Rafael Lacerda Farias
Advogado, Especialista em direito contratual. Militante na área do direito da saúde, consumidor e imobiliário.

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