A mudança do critério de cabimento do pregão proposta no projeto de lei que altera a Lei de Licitações (PLC 32/2007)
Marçal Justen Neto*
Uma das inovações mais importantes desta reforma da Lei de Licitações diz respeito à alteração do critério de cabimento da modalidade pregão. A exemplo do que ocorre no âmbito das modalidades ditas tradicionais (concorrência, tomada de preços e convite), a adoção do pregão também passará a ser determinada tendo em vista o valor estimado da contratação.
Atualmente, além do valor da contratação, a escolha da modalidade se dá também em função da qualidade do objeto licitado. De acordo com a Lei 10.520/2002 (clique aqui), o pregão poderá ser adotado para aquisição de bens e serviços comuns. Na definição legal, bens e serviços comuns são “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado” (Lei 10.520, art. 1º, parágrafo único). Contudo, a indeterminação deste conceito gera algumas dificuldades na aplicação do critério. Em termos práticos, há certos bens e serviços cujas características não permitem sua qualificação segura e definitiva como objetos comuns – o que, por conseqüência, gera dúvida quanto à possibilidade de realização do pregão ou não.
A proposta de reforma da Lei de Licitações propõe a eliminação deste critério “qualitativo” do objeto para determinação da modalidade licitatória. Caberá pregão de acordo com o valor estimado da contratação, o que já ocorre em relação às demais modalidades.
As novas regras para o cabimento do pregão estão previstas em dois parágrafos (§§ 9º e 10) que serão acrescentados ao art. 23 da Lei 8.666/93:
“§ 9º Observado o disposto no § 10 deste artigo, é obrigatória a adoção da modalidade pregão para todas as licitações do tipo “menor preço”, sendo exigível, no caso de obras, quantitativos definidos, sem possibilidade de acréscimos de serviços diversos daqueles previstos na contratação.
§ 10. É vedada a adoção da modalidade pregão para licitação destinada à contratação de obra de valor superior ao previsto no art. 23, I, “b”, desta Lei, ou de serviços e compras de grande vulto, nos termos do art. 6º, V, desta Lei, bem como para serviços técnicos profissionais especializados enumerados no art. 13 desta Lei.”
Assim, o que se propõe é que o pregão passe a ser obrigatório em todas as licitações cujo critério de julgamento seja o menor preço da proposta e cujo valor estimado para a contratação seja de até determinado limite. Fora destas hipóteses, a adoção do pregão estará vedada.
A escolha da modalidade de licitação cabível deverá seguir certo procedimento. Em primeiro lugar, a definição da natureza do objeto a ser licitado (obra, serviço ou compra) terá relevância para a escolha da modalidade. A partir desta determinação, a autoridade deverá indicar qual o tipo de licitação (art. 45, par. 1º da Lei 8.666). Finalmente, deverá estipular o valor estimado para a contratação. Esses elementos serão fundamentais para a determinação da modalidade cabível.
O Projeto de Lei aprovado pela CCJ do Senado passa a prever hipóteses em que o pregão será obrigatório e outras em que será vedado. As hipóteses de cabimento do pregão passarão a ser as seguintes:
Hipótese |
Obrigatório |
Vedado |
Objeto: serviços e compras |
X |
|
Objeto: serviços e compras Tipo de licitação: menor preço Valor do contrato: acima de R$ 85 milhões |
X | |
Objeto: serviçoes técnicos profissionais especializados |
X | |
Objeto: obras Tipo de licitação: menor preço Valor do contrato: até R$ 3,4 milhões |
X |
|
Objeto: obras Tipo de licitação: menor preço Valor do contrato: acima de R$ 3,4 milhões |
X |
A proposta de alteração à Lei 8.666 acarretará o desaparecimento de convite e tomada de preços do tipo menor preço. Se o critério de julgamento das propostas for o menor preço, caberão apenas pregão (para obras de até R$ 3,4 milhões e serviços e compras de até R$ 85 milhões) ou concorrência (para contratações estimadas em valores superiores a esses limites). Restará apenas uma muito pouco freqüente hipótese de convite ou tomada de preços do tipo menor preço: para a contratação de serviços técnicos profissionais especializados enumerados no art. 13. Na maior parte dos casos, a contratação destes serviços envolve critérios técnicos, o que elimina a possibilidade de realização de licitação do tipo menor preço. Além disso, a Lei dispõe que serviços técnicos profissionais especializados devem ser licitados preferencialmente mediante concurso.
A alteração da disciplina das licitações acarretará a extinção da discricionariedade da Administração Pública para adotar o pregão. No regime atual, é possível adotar o pregão para a contratação de bens e serviços comuns. Até se pode admitir que não há margem de escolha quando se verifica que o regime mais célere do pregão produzirá benefícios à Administração. Contudo, reconhece-se a possibilidade de utilização de outras modalidades quando há incerteza acerca da caracterização do objeto – esta é, por sinal, a orientação prevalente do Tribunal de Contas da União. Com as alterações, margem de discricionariedade, que já é reduzida, deixará de existir. A Administração ficará obrigada a adotar o pregão ou proibida de adotá-lo nas hipóteses acima referidas.
Uma das principais discussões durante a tramitação do Projeto de Lei no Congresso Nacional tem por objeto a aplicação do pregão para a licitação de obras de engenharia. De um lado, há os que defendem a incompatibilidade do pregão, um procedimento mais simples, com a complexidade das obras. De outros, há os que justificam a adoção do pregão em virtude dos benefícios produzidos pela celeridade deste procedimento. A solução adotada pelo PLC aprovado pela CCJ do Senado é a de tornar legal a presunção de que o valor estimado da contratação é proporcional à complexidade do objeto. Assume-se que as contratações de valor superior a certo limite são complexas a ponto de ser incompatível a licitação mediante pregão. Contudo, se o valor estimado for inferior ao limite legal, impõe-se a realização do pregão em razão dos benefícios proporcionados pela simplicidade, agilidade e celeridade desta modalidade. No caso de obras, este limite é de R$ 3.400.000,00 (art. 23, inc. I, “b”). Ou seja, toda contratação de obras por menor preço cujo valor estimado seja de até R$ 3.400.000,00 deverá ser efetuada mediante pregão. Assim, a definição do valor estimado da contratação passará a ser elemento fundamental para a determinação do cabimento do pregão no caso concreto.
Mais do que o valor estimado para a contratação, assumirá grande importância o tipo de licitação adotado. A identificação da modalidade cabível dependerá da determinação prévia do tipo de licitação. E o tipo da licitação, por sua vez, decorre das características do objeto e da peculiaridade do interesse a ser satisfeito por meio do certame. Nesse sentido, MARÇAL JUSTEN FILHO afirma que “A adoção de licitação de menor preço não é uma escolha livre da Administração. Há discricionariedade, dentro dos limites antes observados, na seleção do objeto a ser licitado. Mas a natureza do objeto e as exigências previstas pela Administração condicionam o procedimento licitatório e definem o tipo de licitação” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11. ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 436).
O procedimento do pregão é compatível unicamente com as licitações de tipo menor preço. Assim, a “escolha” de tipo de licitação de melhor técnica ou de técnica e preço elimina a possibilidade de adoção do pregão. Note-se, todavia, que esta “escolha” do tipo de licitação está diretamente vinculada à natureza do objeto e às necessidades a serem satisfeitas. A aprovação da alteração da lei nos termos da atual versão do PLC 32/2007 acarretará a necessidade de intensificação do controle dos atos da fase interna da licitação. A identificação equivocada do tipo de licitação e dos critérios de julgamento das propostas poderá produzir licitações inadequadas. Assim, por exemplo, a escolha do tipo de licitação de técnica e preço para a realização de obra de engenharia simples afastará a adoção do pregão. Por outro lado, a determinação do tipo de menor preço para uma obra extremamente complexa pode levar à obrigatoriedade de adoção do pregão. Nos dois casos, haverá grandes chances de se promoverem contratações desastrosas para a Administração Pública.
Em síntese, o Projeto de Lei de reforma da Lei de Licitações (PLC 32/2007) produzirá uma significativa mudança quanto ao critério de cabimento do pregão. Há uma clara tendência ao desaparecimento das modalidades de convite e tomada de preços, que serão adotadas apenas nas licitações de melhor técnica e técnica e preço. Em tese, a homogeneização dos critérios de cabimento das modalidades de licitação diminuirá as dificuldades que vêm sendo enfrentadas no âmbito da Lei 10.520. Ainda que se possa cogitar do ressurgimento do problema do fracionamento indevido do objeto a fim de burlar a escolha da modalidade, é preciso reconhecer que a questão ficará restrita a casos muito específicos. Todavia, será necessário intensificar o controle dos atos administrativos de identificação do objeto licitado e da escolha do tipo de licitação, a fim de se evitar distorções na adoção da modalidade licitatória cabível.
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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados
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