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Estado da arte da confissão do réu como circunstância atenuante: Uma análise do tema 1194, do STJ

No julgamento do REsp 2.001.973, destaca-se a controvérsia sobre a atenuante da confissão espontânea no Código Penal.

14/3/2024

No julgamento do REsp 2.001.973, interposto com base no art. 105, III, alínea "a" da Constituição de 1988, no qual se alega que o acórdão recorrido violou o art. 65, III, alínea "d" do Código Penal ao não reconhecer a atenuante genérica da confissão, entre outros fundamentos, o relator desembargador Convocado Jesuíno Rissato do TJ/DFT destacou-o como representativo de controvérsia (Tema Repetitivo 1.194).

Quanto a isso, digno de nota é a multiplicidade de processos com idêntica controvérsia jurídica, destacando o relator que "em ambas as turmas criminais, tem precedentes segundo os quais, 'a confissão espontânea, ainda que parcial, se utilizada para embasar a condenação, enseja o reconhecimento da circunstância redutora do art. 65, III, d, do Código Penal'  (HC 243.427/SP, ministra Marilza Maynard (desembargadora convocada do TJ/SE), Quinta Turma, DJe 26/4/13)". 

Ora, estabelece o art. 65, III, alínea "d" do Código Penal que são circunstâncias que sempre atenuam a pena, ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime. A controvérsia do julgado reside no fato de "[s]aber se eventual confissão do réu, não utilizada para a formação do convencimento do julgador, autoriza o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal" 1. Isso porque surgiram outras hipóteses de não aplicação da circunstância atenuante referente à confissão do réu que não foram objetos de apreciação pela súmula 545 do STJ, gerando interpretação, por vezes, contrario sensu à finalidade da legislação.

Notável vem sendo a atuação do desembargador Jesuíno Rissato quanto ao reconhecimento da confissão do réu como circunstância atenuante no processo penal, sendo possível sintetizar os seguintes entendimentos de sua relatoria:

Embora já haja entendimento sumulado quanto ao primeiro item, a eficácia jurídica dos outros dois argumentos vêm sendo, aos poucos, reconhecida pelo STJ, realizando, em certo grau, uma releitura da súmula 5454.

Para entender essa releitura, paradigmático é o REsp 1.972.098/SC, de relatoria do min. Ribeiro Dantas. Em seu voto, pontuou que "é oportuno convidar os eminentes pares a uma releitura sobre o tema, com a finalidade de adequar nossa interpretação a certos postulados do processo penal que, em minha visão, não foram abordados quando da formação do entendimento jurisprudencial que referi acima . Em resumo, minha proposta é a de que basta a existência de uma confissão perante a autoridade, devidamente documentada nos autos, para que incida a atenuante do art. 65, III, "d", do CP – atendo-me aos exatos termos do texto legal –, independentemente de o juiz valer-se da confissão como um dos motivos para condenar o réu”.

Segundo o relator, "[o] art. 65, III, "d", do CP não exige, para sua incidência, que a confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma das razões da condenação. Com efeito, o direito subjetivo à atenuação da pena surge quando o réu confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na fundamentação da sentença condenatória (momento meramente declaratório)", razão pela qual "[v]iola o princípio da legalidade condicionar a atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença como razão decisória, mormente porque o direito subjetivo e preexistente do réu não pode ficar disponível ao arbítrio do julgador", bem como ofende "os princípios da isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles elenque a confissão como um dos pilares da condenação e a outra não o faça".

Além disso, esclarece o min. Ribeiro Dantas no referido julgado que "[a] decisão pela confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda", sendo contraditório e violador da boa-fé objetiva, no entendimento do relator, a postura do Estado em garantir a atenuação da pena na via legislativa e, depois, recusá-la na fase judicial, por meio de requisitos não previstos em lei. 

Destacou, ainda, que "[a]o contrário da colaboração e da delação premiadas, a atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a apuração do crime (dimensão prática), mas sim no senso de responsabilidade pessoal do acusado, que é característica de sua personalidade, na forma do art. 67 do CP (dimensão psíquico-moral)", razão pela qual a confissão, espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente com as demais, sendo necessário, para proteger a confiança na legislação penal, afastar interpretações que fogem da esfera de discricionariedade do julgador, uma vez que “[a] confissão é ato jurídico de consequências inteiramente vinculadas”.

Isso porque o plano de fundo da edição da súmula 545 do STJ era, exatamente “proteger o réu contra a desconsideração de sua confissão na dosimetria da pena, caso tivesse admitido os fatos apenas parcialmente ou de maneira qualificada, ou mesmo se houvesse retratação da confissão primeva”, tendo em vista que “não raro, os magistrados valiam-se justamente dessa admissão do acusado para condená-lo, negando-lhe, porém, os benefícios respectivos na fixação da pena5. Em outras palavras, nos dizeres do min. Ribeiro Dantas, a súmula 545/STJ não é obstáculo, e sim uma garantia ao réu confesso, sendo admissível, apenas, interpretações extensivas a esse instituto.

Como corolário lógico, essa interpretação é aplicável, inclusive, ao Tribunal do Júri, ainda que a defesa não tenha utilizado como método argumentativo a confissão do réu6.

A partir dessa releitura, diversos outros julgados assentiram com a virada paradigmática de interpretação acerca da necessária aplicação da circunstância atenuante relativa à confissão do réu: 

Em síntese, segundo nova interpretação do STJ, a confissão do réu há de ser aplicada como circunstância atenuante ainda que seja não espontânea, parcial, qualificada ou retratada, judicial ou extrajudicial, independentemente de ser utilizada, ou não, pelo magistrado como um dos fundamentos da sentença condenatória, sendo, pois, um direito público subjetivo do réu, de natureza objetiva, vinculada e cogente.

Essa interpretação garante, conforme consolidado nos diversos julgados, a proteção da segurança jurídica na legislação penal, considerando a expectativa do acusado, a partir da sua responsabilização penal, em ver sua pena diminuída, sob pena de infringir os princípios da legalidade, da isonomia e da individualização da pena.

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1 STJ. Terceira Seção. ProAfR no REsp 2.001.973/RS. Des. Convocado Jesuíno Rissato. J. 25/04/2023. DJe 03/05/2023.

2 Súmula 545 do STJ:  "Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal."

3 Citação à ementa da Quinta Turma no AgRg no AREsp n. 2.115.949/MG. Rel. Min. Joel Ilan Paciornik. J. 12/12/2022. Dje. 14/12/2022.

4 STJ. Sexta Turma. AREsp 2.323.275/MA. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. J. 10/10/2023. DJe. 18/10/2023.

5 STJ. Quinta Turma. REsp 1.972.098/SC. Rel. Min. Ribeiro Dantas. J. 14/06/2022. Dje. 20/06/2022.

6 STJ. Sexta Turma. AgRg no HC 825.052. Rel. Antonio Saldanha Palheiro. J. 28/08/2023. Dje. 30/08/2023.

Felipe Martins Pinto
Graduado, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal de Minas Gerais. Presidente da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil. Advogado criminalista e sócio do escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

Paula Brener
Graduada, Mestre e Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância de pesquisa na Humboldt Universität (Berlim). Professora no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da PUC/MG. Advogada criminalista e sócia do escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

Rodrigo Leonardo Vítor Xavier
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Estagiário do escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

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