A carona no Registro de Preços pressupõe a observância do art. 86,§2º, III da NLLC: a anuência do órgão gerenciador e do fornecedor.
Tema não enfrentado pela doutrina, porém, se refere à carona entre entes políticos com jurisdição de distintos Tribunais de Contas.
A questão não é meramente acadêmica. Exemplo óbvio: carona de um Município no RP da União. A questão é relevante, notadamente no âmbito da aquisição de medicamentos.
Partindo do exemplo próximo da realidade, analisemos os conflitos hermenêuticos que poderão surgir, entre Tribunal de Contas de um Estado e o TCU.
Atualmente, a defesa junto ao Tribunal de Contas do Estado indicando precedente do TCU não tem grande efeito prático já que não há vinculação entre os Tribunais. O art. 172, “caput” (com veto mantido pelo Congresso Nacional) previa: “Os órgãos de controle deverão orientar-se pelos enunciados das súmulas do TCU relativos à aplicação desta lei, de modo a garantir uniformidade de entendimentos e a propiciar segurança jurídica aos interessados.”
Estivesse em vigor tal regra, poderíamos argumentar que a jurisprudência do TCU deveria prevalecer na hipótese de questionamento entre Tribunais de Contas distintos. A argumentação, porém, seria discutível, já que a regra poderia violar o pacto federativo, conforme exposto nas razões de veto.
Pensamos que a solução deve ser dada de outra maneira sem “ressuscitar” a regra fulminada pelo veto, inobstante aproveitarmos parte da fundamentação do referido veto.
Uma das razões do veto, aliás, são muito pertinentes na resolução deste problema de conflito hermenêutico. O princípio federativo é a melhor forma de compatibilizar o tema. Se o registro de preços é feito, por exemplo, pela União, o “caronista” Município deve respeitar tal registro em razão do princípio da presunção de legitimidade dos atos da administração pública.
Além disso, não cabe ao caronista questionar a legalidade/economicidade da ata do ente político detentor da ata já que a competência é do respectivo Tribunal de Contas.
Se o ente político caronista não pode adentrar ao mérito da ata em respeito ao princípio da autonomia federativa e atento ao princípio da presunção de legitimidade dos atos da administração, como poderia o órgão fiscalizador desse referido município apontar irregularidades que (se existentes) estariam a cargo do detentor da ata e não do caronista?
Pensamos que, nesta hipótese, o órgão fiscalizador do caronista (provavelmente, um TCE) poderá oficiar ao MP do detentor e/ou Tribunal de Contas responsável pela fiscalização do detentor da ata.
Não se pode, porém, exigir do mero caronista que observe regras exigidas por seu Tribunal fiscalizador que não são exigidas pelo Tribunal fiscalizador do detentor da ata. Seria clara e inequívoca invasão de competência e ofensa ao pacto federativo.
Da mesma forma o Tribunal que tem o caronista como jurisdicionado deverá, em síntese, respeitar a linha jurisprudencial do detentor da ata de registro de preços não podendo exigir que respeite a hermenêutica dele próprio caso haja divergência entre os dois Tribunais de Contas.
Além do princípio federativo, outro princípio de índole constitucional deve ser respeitado: o princípio do respeito ao ato adquirido perfeito.
Mesmo não se tratando de um contrato mas mero “contrato preliminar” entre órgão detentor da ata e o possível fornecedor há um ato jurídico perfeito já que o caronista não pode desrespeitar as regras estabelecidas naquela ata.
Assim, a força persuasiva da Corte de Contas que fiscaliza o detentor deverá, por via reflexa, obrigar; também; o caronista.
A questão ficará ainda mais complexa com a regra inserida pela lei federal 14.770/23 que previu no art. 86§3º, II da lei federal 14.133/21 a regra autorizadora da carona no mesmo nível federativo.
Ou seja, é possível que um município do interior do Acre pegue “carona” na ata de registro de preços de um munícipio no interior de Minas.
É muitíssimo provável que, ao longo do tempo, a divergência hermenêutica entre Cortes de Contas surja como problema recorrente devendo ser resolvida com a luz do princípio federativo e do ato jurídico perfeito.
Pensemos num exemplo real. Reequilíbrio da ata de registro de preços na aquisição de combustíveis.
Digamos que o Tribunal de Contas a cuja jurisdição está o “caronista” admita reequilíbrio na ata de registro de preços e a Corte de Contas do detentor da ata não admita.
Apenas a regra do detentor tem relevância jurídica e o reequilíbrio não poderá ocorrer.
Mas seria possível afirmarmos que o Tribunal do “caronista” não teria nenhuma função fiscalizadora?
Não pensamos assim. O preço compatível com o mercado, por exemplo, é um tema referente àquele que adquire seja caronista, seja detentor da ata.
Não é impossível, senão provável, que o preço seja compatível para o detentor e não para o “caronista” ou vice-versa.
Nessa hipótese pode, perfeitamente, prevalecer a jurisdição da Corte de Contas do “caronista” ainda que divergente da Corte de Contas do detentor da ata, pois a carona não elimina a atividade fiscalizatória do Tribunal do caronista desde que observados os princípios do ato jurídico perfeito e da autonomia dos entes políticos.