Soft law são regras e princípios jurídicos estabelecidos que não estão positivados e não são juridicamente vinculativos. Aplicados por aceitação voluntária, desde as fontes da lex mercatoria já eram encontrados esses instrumentos, que hoje norteiam o direito do comércio internacional.
Os instrumentos de soft law mais recorrente são princípios gerais do direito internacional dos contratos, usos e práticas comerciais, convenções internacionais, leis modelo, regras uniformes e cláusulas contratuais padrão. São nestas últimas que encontram-se as regras para interpretação de termos comerciais, os International Commercial Terms - Incoterms.
Os Incoterms foram criados pela International Chamber of Commerce - ICC e se definem como standard trade definitions, que fornecem regras de interpretação aceitas na comunidade internacional para os termos comerciais mais comuns usados em contratos de venda de mercadorias. Ao estabelecer as obrigações dos entes contratantes os Incoterms deixam clara a alocação de riscos, custos e obrigações entre o seller/exporter e o buyer/importer na contratação.
As soft law produzem eficácia em um tempo consideravelmente menor do que convenções ou outros instrumentos de direito positivo que poderiam ser multilateralmente acordados no âmbito dos entes internacionais. Possuem também o diferencial da possibilidade de revisão periódica, que permitem uma adaptação às necessidades mais recentes. A exemplo dos próprios Incoterms, que não são definições engessadas e desde sua primeira publicação, em 1936, passaram por constantes revisões. A última delas, publicada pela ICC/19, estabeleceu a tabela dos Incoterms/20, que foi incorporada pelo Brasil através da Câmara de Comércio Exterior, na resolução 16, de 2/3/20.
Na versão Incoterms de 2000 foi criado o termo DEQ (Delivered ex Quay), substituído em 2010 por DAT, para definir Delivered at Terminal. Que, por sua vez, na revisão de 2020 deu lugar ao DPU (Delivered at Place Unloaded). No Delivered at Terminal - DAT, o vendedor é responsável pelo transporte internacional do produto e disponibilizá-lo no terminal de carga, lugar previamente acordado. Ao fim dessa etapa, é passada ao comprador a responsabilidade de completar o transporte a partir de então. Deve-se observar que os riscos são bem definidos quanto às partes. O comprador, que é responsável pela parte final do transporte, já em solo doméstico, não pode ser responsabilizado por algo que ocorra durante a tutela do vendedor, no período do trânsito internacional.
Importante pontuar que embora a revisão constante para adaptabilidade às novas demandas, a vigência de uma versão revisada dos Incoterms (2020, a atual) não implica em revogação das versões anteriores (a de 2010, por exemplo). É possível pactuar a utilização de um termo pretérito mediante expressa estipulação no contrato ou nos documentos representativos da negociação das mercadorias, como um Press Release. Na verdade, a liberdade contratual é valorizada de tal maneira que, embora definidos “tabelados”, os Incoterms podem “se afastar do conteúdo padrão do termo” caso as partes desejem ajustar o regime jurídico aplicável ao contrato. Nesse caso, Emmanuel Jolivet apresenta como exemplo mais frequente a alteração do Incoterm FOB (Free on Board). Apesar da definição própria, “[u]m certo número de contratantes modifica o termo e, mais precisamente, o momento da entrega para torná-lo compatível com o transporte de mercadorias por containers”, pontua o Conselheiro-Geral da ICC.1
Em que pese entendidos como uma soft law, esses termos são expressamente mencionados no direito positivo brasileiro, notadamente o decreto executivo 6.759/09, que regulamenta as atividades aduaneiras e o controle das operações de comércio exterior. Nele, em seu art. 557, XIV, fala sobre a necessidade da presença do “termo da condição de venda (INCOTERM)” nas Faturas Comerciais, as Invoices.
Para aplicação prática, os termos da ICC definem (i) a distribuição de custos, (ii) local de entrega da mercadoria, (iii) qual das partes ou terceiro suporta o risco do transporte e (iv) a responsabilidade dos direitos aduaneiros. Para o Governo Brasileiro, são conceituados, através do Sistema Integrado de Comércio Exterior, como utilizados “para definir, dentro da estrutura de um contrato de compra e venda internacional, os direitos e obrigações recíprocos do exportador e do importador, estabelecendo um conjunto padronizado de definições e determinando regras”.
Em síntese, os Incoterms são ferramentas essenciais para o sucesso do comércio internacional, pois garantem clareza, previsibilidade, segurança e confiabilidade nas transações entre empresas de diferentes países. Sem perder de vista que a escolha do termo mais adequado depende de diversos fatores, como a natureza da mercadoria, o meio de transporte, os custos envolvidos e a relação entre as partes.
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1 JOLIVET, Emmanuel. Incoterms e Técnica Contratual. Revista Brasileira de Arbitragem, v. 7, n. 25, p. 84-103, 2010.