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A MP 1.202/23, a Meta Fiscal e o Contencioso Tributário

A MP 1.202/23 onerou a folha de salários, revogou o PERSE e limitou as compensações de créditos a fim de zerar o déficit fiscal em 2024. Porém, gerou um aumento do contencioso tributário, com os contribuintes questionando essas medidas.

4/3/2024

O Governo Federal está determinado a atingir sua meta de zerar o déficit fiscal em 2024 e já destacou o aumento da arrecadação tributária como parte essencial da sua estratégia. As recentes medidas, incluindo a tributação de fundos offshore e dos benefícios fiscais do ICMS, começaram a render frutos, contribuindo para uma arrecadação federal de R$ 280 bilhões em janeiro. Contudo, o desafio persiste, com a necessidade de somar mais R$ 162,4 bilhões ao longo do ano.

Como parte dessa série de medidas para alcançar a meta fiscal, foi publicada a MP 1.202/23 determinando, em síntese, a oneração gradual da folha de salários, a revogação do PERSE e a limitação das compensações de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado.

A decisão de onerar a folha de salários por meio de uma MP gerou controvérsias ao ser promulgada em meio a um contexto de atropelo ao Senado Federal, que havia aprovado o PL 334/23, estendendo a desoneração da folha até 2027, e ao Congresso Nacional, que anulou o veto presidencial ao PL, promulgando a lei 14.784/23. Em resposta a esse impasse, o presidente Lula, antes da entrada em vigor, optou por revogar parcialmente a MP 1.202, assegurando a continuidade da desoneração da folha para 17 setores econômicos.

Esta revogação parcial não se traduz em um gesto de benevolência do governo, mas sim em uma estratégia de integração política. A intenção de reverter a desoneração permanece como objetivo, porém, agora, por meio do PL 493/24, fruto de um acordo com os parlamentares, enviado em regime de urgência, que deverá ser analisado pela Câmara dos Deputados em até 45 dias.

Já a revogação dos benefícios destinados ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - PERSE e as restrições à compensação tributária de créditos judiciais permanecem no texto, suscitando questionamentos por parte dos contribuintes no âmbito do Poder Judiciário.

O PERSE, instituído pela lei 14.148/21, estabeleceu alíquota zero para os tributos federais (IRPJ/CSLL/PIS/Cofins), pelo prazo determinado de 60 meses, para o setor de eventos, a fim de compensar os efeitos decorrentes da pandemia.  A revogação do PERSE trazida pela MP 1.202/23, determinou o retorno da tributação, respeitada a anterioridade nonagesimal para o PIS, a Cofins e a CSLL, e anual, para o IRPJ.

Diante disso, os contribuintes prejudicados foram ao Poder Judiciário buscar salvaguardar o benefício fiscal. A 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, em decisão liminar, garantiu à empresa de viagens ClickBus o direito de continuar usufruindo dos benefícios fiscais do Perse até 2027, suspendendo os efeitos da MP 1.202/23. 

A discussão sobre a limitação das compensações de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado também está sendo judicializada. A empresa Pernambucanas conseguiu liminar na Justiça Federal de São Paulo para não se submeter ao limite de compensações tributárias. 

Porém, há duas liminares e uma sentença negando o pedido dos contribuintes para afastar os limites trazidos pela MP 1.202, possibilitando a compensação integral dos créditos pendentes, decorrentes de decisões judiciais. As decisões não julgaram efetivamente o mérito da questão, pois analisaram a ausência dos requisitos para a concessão da liminar, entendendo que não há urgência, bem como a falta de ato coator para justificar o Mandado de Segurança, vez que não houve ato da Receita Federal que tivesse negado o pedido de compensação. 

Nas discussões das duas matérias, as decisões têm como fundamento o entendimento de que não se pode mudar as regras do jogo durante a partida, nem atingir as regras que já estavam estabelecidas no começo do jogo. As medidas trazidas pelo Governo a fim de buscar o déficit fiscal estão indo na contramão da promessa de trazer estabilidade para o país e gerando ainda mais insegurança jurídica aos contribuintes. 

Nesse cenário, inicia-se a mais um capítulo do contencioso tributário, com os contribuintes buscando resguardar seus direitos por meio de ações judiciais.

Vitória Della Valentina
Advogada Tributarista. Mestre em Direito pela PUCRS. Especialista em Direito Tributário (PUCMinas) e Compliance (PUCRS).

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