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Características do compromisso de compra e venda

O ingresso do compromisso de compra e venda particular no registro de imóveis é cercado de debates e, portanto, deve ser constantemente revisado, assegurando maior segurança e eficiência ao sistema imobiliário.

27/2/2024

O compromisso de compra e venda nada mais é do que um contrato preliminar. Através dele uma pessoa, física ou jurídica, se obriga a vender a outra, bem imóvel por preço, condições e modos pactuados, sendo as partes denominadas de promitente vendedora e promissária compradora. É, portanto, um contrato que busca determinar as condições pelas quais, futuramente, o promitente vendedor e o promissário comprador irão formalizar o contrato definitivo, assim se posiciona Diniz (2002, p. 49), informando que “o contrato preliminar consiste no negócio jurídico em que uma ou ambas as partes se comprometem a pactuar”, posteriormente, “outro negócio, denominado principal, gerando, portanto, por consequência, o dever de concluir outro contrato, que deverá observar os elementos essenciais já delineados anteriormente”. 

Por ser um contrato preliminar, não se opera no compromisso de compra e venda a transferência do bem imóvel, pois este “gera apenas uma obrigação de fazer, a de outorgar a escritura definitiva, sem envolver nenhuma transmissão imobiliária” (CARVALHO, 1988, p. 79). A transferência somente será efetuada por ocasião da lavratura do contrato definitivo de compra e venda, que deverá obedecer a todas as cláusulas e condições do contrato preliminar que lhe antecedeu, além é claro do preço e do objeto. 

É com o NCC que o direito proveniente do compromisso de compra e venda é elevado ao status de direito real, enfatizando que:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Nesse sentido, ganha destaque o ingresso do compromisso de compra e venda no registro imobiliário, que como veremos a seguir, concede segurança jurídica a este tipo de contrato, principalmente em virtude da publicidade advinda do registro.

2. INGRESSO NO REGISTRO DE IMÓVEIS

Para ingressar no fólio real é necessário que os títulos apresentados estejam de acordo com o disposto na legislação. Ao tratarmos do contrato de compromisso de compra e venda particular é necessário que este apresente determinadas características, sem as quais não seria possível o seu ingresso. Dentre os requisitos básicos, destacamos o fato de ser necessário que seja apresentado o contrato original (art. 194, lei 6.015/73), que contenha a assinatura de duas testemunhas, bem como a firma reconhecida de todas as partes e testemunhas (inciso II, art 221, da lei 6.015/73), faça referência a matrícula do imóvel e tenha a sua correta descrição e característica (arts. 176, §1º, II, 5, 222 e 223 da lei 6.015/73). Outro ponto importante é a correta identificação das partes, sua capacidade e legitimidade, conforme dispõe o art. 176, §1º, II, 4 e III, 2 da lei 6.015/73 e provimento 67/17 do CNJ. O preço é outro elemento indispensável ao contrato, indica a quantia que a parte se obriga a pagar, deve ser sério (art. 157, CC) e determinado ou determinável (art. 487, CC). Uma ressalva importante quanto ao preço, refere-se à vedação quanto a utilização de moeda estrangeira ou ouro (art. 318, CC e art. 1º, lei 10.192/01). 

Além desses requisitos, o compromisso de compra e venda, por sua natureza, traz ao debate outras características, que por serem de extrema relevância, trataremos de forma pormenorizada. 

2.1 Da forma

A maneira como a vontade da pessoa é exteriorizada é o que se conhece por forma do negócio jurídico, podendo ser escrito ou verbal, por exemplo. Conforme dispõe o art. 107 do Código Civil, em regra a forma é de livre escolha, contudo em algumas situações a lei impõe a forma a ser utilizada, como é o caso das alienações referentes a imóveis, cuja forma é prevista no art. 108 do Código Civil:

Art. 108 - Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Em se tratando do contrato de compromisso de compra e venda, não resta dúvida de que a sua forma deve ser a escrita, restando esclarecer quanto a necessidade da solenidade, ou seja, se o contrato deverá ou não ser realizado mediante escritura pública. Em um primeiro momento acabamos por nos inclinar pela aplicabilidade do art. 108 do NCC, desta forma, tendo o compromisso de compra e venda um imóvel com valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, deveria ser realizado por escritura pública, caso contrário poderia ser formalizado por contrato particular. Contudo, tanto a doutrina como a jurisprudência já vêm se posicionando que, independentemente do valor do imóvel objeto do contrato preliminar, este poderá ser realizado por instrumento particular. Destaca-se, nesse sentido o enunciado nº 1 do Conselho de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro: 

Enunciado 1 - É legítimo o registro de escritura particular de promessa de compra e venda de imóvel no cartório competente, ainda que seu valor ultrapasse o equivalente a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Importante destacar também, recente julgado do mesmo Conselho de Magistratura:

DÚVIDA REGISTRAL. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA PARA FORMALIZAR A PROMESSA DE COMPRA E VENDA EM QUESTÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA. PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PELA REFORMA DA SENTENÇA. DESNECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA PARA FORMALIZAR O TÍTULO, VISTO QUE A PROMESSA DE COMPRA E VENDA É CONTRATO PRELIMINAR E DISPENSA A FORMA PÚBLICA. ENTENDIMENTO PACIFICADO NESSE CONSELHO DA MAGISTRATURA, COM EDIÇÃO DO ENUNCIADO 1 EM MATÉRIA DE REGISTROS PÚBLICOS. DÚVIDA QUE DEVE SER JULGADA IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA EM SEDE DE REEXAME. (TJ/RJ, PROCESSO 0103629-55.2018.8.19.0001, SUSCITANTE: CARTÓRIO DO 5º OFÍCIO DE RGI DA CAPITAL/RJ, INTERESSADO: MARCELO MOREIRA DO OUTEIRO, INTERESSADA: LÍVIA MARA GUISSI DO OUTEIRO, RELATOR: DESEMBARGADOR LUIZ FELIPE FRANCISCO, DATA JULGAMENTO 28/10/20)

Wilson de Souza Campos Batalha, em Comentários à Lei de Registros Públicos, Forense, enfrenta a questão de forma mais profunda, à luz da legislação anterior à lei 10.406/02. 

A opinião de que o contrato preliminar ou pré-contrato origina essencialmente uma obrigação de fazer - a de contrair o contrato definitivo. Quem promete vender não pratica um contrato translativo de domínio, consistindo a obrigação fundamental do promitente num faciendi, não num dandi, aplicando-se à sua formação, por conseguinte, a regra geral da liberdade de forma consagrada no art. 129 do Cód. Civ. – (de 1916). Ora, se a promessa de venda não é contrato translativo de domínio, não há porque exigir, para a sua perfeição, a escritura pública. (BATALHA, 1979)

É evidente que opinião diversa ganha espaço na doutrina, principalmente com o advento do NCC que, como já dito, passou a elencar o direito do promitente comprador no rol de direitos reais. Com isso, uma corrente na doutrina passou a defender que, sendo o contrato de compromisso de compra e venda, um negócio jurídico que estabelece um direito real, deveria ele ser formalizado por meio da escritura pública. Há de se dizer, contudo, que o mesmo Código Civil, ao tratar dos contratos preliminares, em seu art. 462, não deixou dúvidas: 

Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.” (Grifado)

Referido dispositivo nos leva a entender que o contrato de compromisso de compra e venda, como espécie de contrato preliminar deve sim conter todos os requisitos essenciais ao contrato, com exceção da forma, podendo, portanto, ser formalizado por instrumento particular, mesmo que o contrato definitivo tenha que ter a solenidade pública, ou seja, independentemente do valor do imóvel objeto do contrato preliminar poderá ele ser formalizado por instrumento particular.

2.2 Cláusula de arrependimento

Dentre os requisitos para o ingresso no registro de imóveis, a cláusula de arrependimento certamente é uma que se destaca quando o tema é o contrato preliminar de compra e venda. Esta condição advém do Art. 1.417 do Código Civil, onde é disciplinado que, somente a promessa de compra e venda, em que se não pactuou o arrependimento poderá ser registrada no cartório de Registro de Imóveis. Por arrependimento, Huffmann (2018, p. 1) entende ser uma “manifestação de vontade contrária à anteriormente declarada, no sentido de não mais concretizar negócio jurídico”. Fica evidente que uma vez que não conste a cláusula de arrependimento, não poderão as partes, unilateralmente, se arrepender do negócio. O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial, assim se posicionou:

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - IMOVEL NÃO LOTEADO - ARREPENDIMENTO. NÃO PODERA O PROMITENTE VENDEDOR ARREPENDER-SE, SE NÃO HOUVER CLAUSULA EXPRESSA, NO PRÉ-CONTRATO, PREVENDO ESSA POSSIBILIDADE. NÃO INCIDE O DISPOSTO NO ARTIGO 1088 DO CÓDIGO CIVIL, EM VISTA DO QUE SE CONTEM NO ARTIGO 22 DO DECRETO-LEI 58. (STJ - REsp: 8202 SP 1991/0002419-8, relator: ministro EDUARDO RIBEIRO, Data de Julgamento: 7/5/91, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 03.06.1991 p. 7426)

Certo é que a presença da cláusula de arrependimento introduz ao negócio incerteza jurídica, uma vez que torna possível o desfazimento unilateral, gerando um título precário e, dessa forma, impossível ser levado à tábua registral. 

Ao não permitir o ingresso dos contratos com cláusula de arrependimento, o Código Civil passou a prever como regra a cláusula de irretratabilidade. Sobre a questão, Maria Helena Diniz argumenta:

Se não constar no compromisso essa cláusula, ou se pactuada a cláusula de irrevogabilidade e apresentado o compromisso no registro imobiliário, o vendedor não poderá arrepender-se, tendo comprador direito de proceder judicialmente para obter a adjudicação compulsória do imóvel compromissado (...) (DINIZ, 2002)

É pela distinção jurídica que os contratos preliminares que possuem a cláusula de arrependimento e de irretratabilidade passaram a possuir vocábulos distintos, sendo usado a palavra promessa para os contratos com cláusula de arrependimento e a palavra compromisso para os contratos de irretratabilidade, contudo a prática jurídica e até mesmo o legislador, desprezando esta diferença, passaram a usar ambos os vocábulos como sinônimos.

Indiferente do vocábulo utilizado, como vimos, para ingressar no registro de imóveis faz-se necessário que o contrato possua a cláusula de irretratabilidade. Imbuído desta formalidade, pode então o promissário comprador passar a gozar do direito real de aquisição.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, o contrato de compromisso de compra e venda, apesar de não ocupar uma importante posição nos negócios imobiliários, merece a devida atenção. Como contrato preliminar, possibilita às partes terem garantias para firmar um negócio de longo prazo, possibilitando uma maior movimentação no setor, além de segurança jurídica.

Para atingir a segurança desejada, percebemos a importância dos Cartórios de Registro de Imóveis, principalmente pela publicidade que eles geram aos negócios que ingressam nas matrículas dos imóveis. É em virtude dessa publicidade que o compromisso de compra e venda com cláusula de irretratabilidade gera o direito real de aquisição em favor do promissário comprador, podendo este exercer o direito de sequela em relação a coisa objeto do contrato.

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BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei de Registros Públicos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.979.

BRASIL. TJRJ. Enunciado 1. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/camarasweb/docs/SUGESTAO_ENUN_DUVIDA_REGISTRAL.PDF. Acesso em: 28/07/2022.

BRASIL. TJRJ. Suscitação de Dúvida 0103629-55.2018.8.19.0001; Juiz(a) Luiz Felipe Francisco, Data de Julgamento: 28/10/2020. Disponível em: http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004C25E845CEF8621E8A64C11FB870320B7C50D385D262C&USER=. Acesso em: 28/07/2022.

CARVALHO, Afrânio de. A Promessa de Venda de Imóvel e o Registro. Revista de Direito Imobiliário - 21, 1988.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002

Willian da Silva Studenski
Oficial Substituto do cartório de Registro de Imóveis da cidade de Mangaratiba, Pós-graduado em Direito Notarial e Registral, Direito Imobiliário e Direito de Família e Sucessões.

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