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Efeitos da anulação da sentença arbitral

A sentença arbitral, geralmente de cumprimento obrigatório, pode ser excepcionalmente questionada por nulidade, conforme o artigo 32 da Lei de Arbitragem.

28/2/2024

Em regra, a sentença arbitral nasce para ser cumprida, mesmo porque, segundo o artigo 29 da lei 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”)1,  proferida a sentença, dá-se por finda a arbitragem. Não sendo passível de revisão ou homologação pelo Poder Judiciário,2 o proferimento da sentença arbitral final deve, portanto, operar o trânsito em julgado da arbitragem. Esse cenário, contudo, é excepcionalizado não só pelas alterações que podem ser promovidas pelo emprego dos instrumentos disponíveis no artigo 30 da Lei de Arbitragem,3 como também nos casos em que se questione a própria validade da sentença, nos termos do artigo 32 da Lei de Arbitragem.4

Referido artigo 32 disciplina as hipóteses de nulidade em que a sentença arbitral poderá ser impugnada.5 Segundo seus termos, será nula a sentença arbitral se: (i) for nula a convenção de arbitragem; (ii) emanou de quem não podia ser árbitro; (iii) não contiver os requisitos do art. 26 da Lei de Arbitragem; (iv) for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; (v) comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; (vi) proferida fora do prazo; e (vii) forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, da Lei de Arbitragem.

Por outro lado, o artigo 33 da Lei de Arbitragem regulamenta a declaração de nulidade da sentença arbitral, determinando que a demanda para a declaração de nulidade da sentença arbitral, parcial ou final, seguirá as regras do procedimento comum, devendo ser proposta no prazo de até 90 dias após o recebimento da notificação da sentença ou da decisão do pedido de esclarecimentos (§1º do artigo 33). Para além disso, tal artigo, em seu §2º, estipula que “a sentença que julgar procedente o pedido declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal profira nova sentença arbitral”. 

A redação desse §2º foi alterada pela lei 13.129/15. Antes, o referido §2º detinha a seguinte redação: “A sentença que julgar procedente o pedido: I – decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do artigo 32, incisos I, II, VI, VII e VIII; II – determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais hipóteses”. 

A alteração realizada pela lei 13.129/15 tornou a anulação da sentença arbitral a regra geral, permitindo que as situações em que a jurisdição arbitral deverá ser acionada para proferir nova sentença sejam avaliadas de acordo com cada caso, conferindo-se ao juiz maior flexibilidade. Em nenhuma hipótese, vale frisar, haverá julgamento pelo judiciário do conflito originalmente submetido à arbitragem.6

Anulada a sentença arbitral, será ela desconstituída no todo ou em parte, invalidando-se parcial ou totalmente o procedimento arbitral, podendo, até mesmo, ficar comprometida a opção pela jurisdição arbitral, no caso em que for nula, por exemplo, a própria convenção arbitral.7 

Diferente da anulação parcial da sentença arbitral - em que a sentença objeto de anulação, após expurgado o vício, terá existido e produzirá efeitos -,8 a anulação total da sentença ocasionará a extinção do procedimento arbitral sem resolução do mérito.9 É o que ocorre, por exemplo, nos casos em que se reconhece nula a sentença arbitral por ter sido proferida por quem não podia ser árbitro ou por prevaricação, concussão ou corrupção passiva (incisos II e VI, do art. 32). Com efeito, nesses casos, o vício “é de substância da arbitragem, não podendo o árbitro ou árbitros proferir outra decisão em substituição à anulada, senão renovando-se todo o processo, se isso ainda for possível, com a sanação do motivo que causou a nulidade”. 10

Assim, excetuada a hipótese de nulidade da convenção arbitral, a anulação da sentença arbitral conferirá às partes, em regra, a possibilidade de dar início a um novo procedimento arbitral, de modo a obter uma sentença livre de vícios. Como explica José Eduardo Carreira Alvim, será possível que a arbitragem seja “reinstituída, desde que sanado o vício contaminante da arbitragem anterior, se ainda em vigor a convenção arbitral. O princípio preclusivo não atua aqui senão dentro do processo em que foi proferida a sentença arbitral anulada”. 11

Ressalta-se que, em regra, não caberá a alegação de prescrição, uma vez que o prazo prescricional teria sido interrompido com a instituição da arbitragem, nos termos do artigo 19, § 2º da Lei de Arbitragem.12-13 Nessa linha, Carlos Alberto Carmona explica que, “ainda que o processo arbitral seja extinto por motivo diferente da falta de jurisdição, desde que instituída a arbitragem (o que pressupõe a participação – ou pelo menos a possibilidade dela – do demandado no processo) estará interrompida a prescrição, retroagindo o ato à data do requerimento de instauração da arbitragem”.14

Nesses termos, apesar de os efeitos da anulação da sentença arbitral poderem variar a depender da hipótese de anulação, em regra a situação jurídica anterior ao momento em que foi detectado o vício será restabelecida, seguindo-se, a partir de então, a tutela do direito das partes, com os respectivos ajustes que se mostrarem necessários. 

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“Art. 29. Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem, devendo o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, enviar cópia da decisão às partes, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou, ainda, entregando-a diretamente às partes, mediante recibo”.

2 Cf. Art. 18 da Lei de arbitragem :”O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.

3 “Art. 30.  No prazo de 5 (cinco) dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, salvo se outro prazo for acordado entre as partes, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que: I - corrija qualquer erro material da sentença arbitral; II - esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão. Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá no prazo de 10 (dez) dias ou em prazo acordado com as partes, aditará a sentença arbitral e notificará as partes na forma do art. 29”.

4 Como já referido acerca da excepcionalidade envolvendo a anulação de sentença arbitral: “Apesar de ser um direito conferido por lei, a anulação da sentença arbitral deve ser refletida, seguindo as hipóteses legalmente previstas.Se assim não for feito, a arbitragem, como método alternativo e eficaz de resolução de conflitos, irá suscitar insegurança e apreensão, passando o Judiciário a ser visto, até mesmo, como uma instância de recurso da arbitragem, o que fatalmente desestimulará sua utilização, caminhará de encontro à celeridade (tida como uma das maiores vantagens da arbitragem) e impactará negativamente no ambiente de negócios brasileiro” (Francisco Antunes Maciel Müssniche Marcella Campinho Vaz, “O dever de revelar do árbitro e a ação de anulação da sentença arbitral”, In: Augusto Tolentino, Bernard Potsch M. e Julia Girão Baptista Martins (coord.), Arbitragem e outros temas: homenagem a Pedro A. Baptista Martins. São Paulo: Quartier Latin, 2023, pp. 259-261).

5 Ressalta-se que as hipóteses previstas no art. 32 não geram, exatamente, a nulidade da sentença, mas sim a sua anulabilidade, tratando-se, na verdade, de ação de anulação. Como explica Carlos Alberto Carmona: “A dicção da Lei é inexata, sendo de acolher a crítica formulada por Barbosa Moreira, ao mostrar que a maior parte dos casos apontados na Lei refere-se a anulabilidades do laudo, e não a nulidades. De fato, enquanto não manejada, com sucesso, a demanda de que trata o art. 33, permanece íntegra a decisão arbitrai, sendo certo que, decorrido o estreito prazo decadencial de 90 dias para o ataque ao laudo defeituoso, não há mais como impugná-lo (exceção feita aos laudos condenatórios, eis que reservada ao executado a possibilidade de oposição da defesa de que trata o art. 475-L do Código de Processo Civil)” (Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2009, p. 398).

6 “Importante notar que em nenhuma hipótese, até mesmo quando afastada por inteiro a jurisdição arbitral, haverá julgamento pelo judiciário do conflito propriamente dito submetido à arbitragem (matéria de fundo). Na oportunidade da apreciação da ação desconstitutiva da sentença arbitral, diversamente do quanto pode ocorrer no resultado de urna ação rescisória (onde se permite, além do juízo rescindente, o juízo rescisório ou revisório), não haverá julgamento pelo Judiciário em substituição à decisão rompida” (Francisco José Cahali, Curso de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 322-333).

7 Como explica a doutrina: “Desconstituída a sentença por nulidade da convenção, ou por sua extinção (incisos I e VII), ficará afastada, definitivamente, a jurisdição arbitral, embora nada impeça que venham as partes firmar nova convenção para levar o conflito à arbitragem, se assim desejarem e cumpridas as exigências legais (salvo, evidentemente, se verificada a ausência de arbitrabilidade objetiva ou subjetiva ao caso)” (Francisco José Cahali, Curso de arbitragem. São Paulo: Revisa dos Tribunais, 2011, pp. 322-333).

8 Como pode ocorrer, por exemplo, na hipótese em que o contraditório é desrespeitado. Nesse caso, deverá ser imposta a sua observância, invalidando-se os atos posteriores, mas mantendo preservado o quanto até então foi desenvolvido no processo.

9 Como explica Cândido Rangel Dinamarco, ainda à luz da redação antiga do §2º, do art. 33, “extinto o processo arbitral sem julgamento do mérito, as partes ficarão livres para propor suas possíveis demandas outra vez perante os árbitros, em atenção à eficácia vinculante da convenção de arbitragem, a qual perdura apesar dessas vicissitudes da primeira experiência ressalvada a nulidade cominada no inc. I do art. 32, porque, sendo reconhecida a nulidade do próprio compromisso, estará negada a jurisdição arbitral” (Cândido Rangel Dinamarco, A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 236). No mesmo sentido: Hugo Tubone Yamashita, “Nulidade da sentença arbitral: as alterações introduzidas pela Lei n. 13.129, de 26.5.2015”. In: Flavia Holanda e Ricardo Medina Salla (coord.), A nova lei da arbitragem brasileira. São Paulo: IOB SAGE, 2015, pp. 128; 135-136.

10 José Eduardo Carreira Alvim, Direito Arbitral, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pp. 415-416.

11 José Eduardo Carreira Alvim, Direito Arbitral, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pp. 415-416.

12 “Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários. (...) §2º A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição”.

13 Essa compreensão também é reforçada pelo fato de a anulação total da sentença arbitral, como acima visto, ocasionar a extinção do procedimento sem resolução do mérito. Como explica a doutrina processualista, nos casos em que há extinção do processo sem a resolução do mérito: “até o trânsito em julgado da sentença de extinção do processo sem resolução de mérito, fica a contagem do prazo prescricional interrompida, uma vez que o parágrafo único do art. 202 do Código Civil dá a entender que a contagem desse prazo somente se reinicia depois do último ato desse processo. Assim, depois do trânsito em julgado, a demanda pode ser reproposta supridos os vícios que resultaram na sua resolução sem análise de mérito, cuja contagem do prazo prescricional terá início novamente, desconsiderando-se o período havido no trâmite da demanda extinta” (João Paulo Hacker da Silva. In: Cassio Scarpinella Bueno (coord.), Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 834-835). Tese que é amplamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça: STJ, 3ª S., REsp 1091539/AP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 26.11.2008, DJe 30.03.2009; STJ, 3ª T., AgInt no AREsp n. 1.195.009/PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 15/3/2018, DJe 20/3/2018; STJ, 3ª T., AgInt nos EDcl no AREsp 1.727.748/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 25.10.2021, v.u., DJ 28.10. 2021; STJ, 1º T., AgInt no REsp 1.879.793/CE, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 21.08.2023, v.u., DJ 21.08.2023

14 Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96, 4. ed. Barueri: Atlas, 2023, p. 287.

Marcella Campinho Vaz
Advogada. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

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