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A criminalização do bullying e do cyberbullying: Breves considerações sobre os novos tipos penais

Promulgada nova lei que inclui a prática de intimidação sistemática ao Código Penal brasileiro. A medida punitivista, no entanto, pode não alcançar o resultado almejado.

26/2/2024

No último dia 15 de janeiro, foi publicada a lei 14.811/24, que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares e prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente. 

Além de outras determinações, a lei incluiu os tipos penais “bullying” e “cyberbullying” ao Código Penal/40, em seu Capítulo VI, Seção I, que trata dos crimes contra a liberdade pessoal, dentre os quais estão previstos os delitos de constrangimento ilegal, perseguição, sequestro e cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo e tráfico de pessoas. 

O alcance dos crimes previstos neste capítulo é precipuamente a proteção da liberdade garantida constitucionalmente nas suas mais diversas acepções, por exemplo, liberdade de expressão, de crença religiosa, de consciência, de associação, de locomoção, de trabalho, de reunião e manifestação1.

A inclusão dos novos tipos penais revela, portanto, um olhar mais cuidadoso pelo legislador quanto ao bem jurídico tutelado e maior adequação às conjunções sociais contemporâneas. Isso porque, muito embora o arcabouço jurídico brasileiro já reconhecesse a existência do fenômeno do bullying desde 2015, a partir da lei2 que estabeleceu o programa de enfrentamento à intimidação sistemática, não se dispunha de uma sanção específica para a conduta. 

Agora, com a redação do novo artigo 146-A, caput, pratica o bullying aquele que: “Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais”, punível com pena de multa, caso os fatos não constituam crime mais grave. 

Noutro giro, se os atos são realizados por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou qualquer outro meio ou ambiente digital ou transmitida em tempo real, há um endurecimento da repressão do delito, cuja pena cominada é de 2 a 4 anos, e multa, caso não se constitua crime mais grave. 

Conforme preleciona a doutrina de Damásio de Jesus, os crimes contra a liberdade individual se perfazem somente com a lesão desse objeto jurídico, independentemente da produção de qualquer resultado ulterior. Em outras palavras, a existência do delito se exaure com a lesão à liberdade individual, prescindível que venha a ser lesado outro bem jurídico de titularidade do particular.3

A alteração legislativa que incluiu os novos delitos revela uma tentativa de repressão a uma grave problemática social, sobretudo quando dados divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania - MDHC revelam um aumento de 50% no número de denúncias no ano de 2023, com mais de 50 mil violações de direitos nas escolas4

Já a pesquisa sobre violência escolar realizada pelo DataSenado divulgada em audiência pública na Comissão de Educação e Cultura - CE, por sua vez, revela que 7 milhões de estudantes já sofreram violência no ambiente escolar5

No âmbito digital, os dados são ainda mais alarmantes, considerando que o Brasil ocupou o segundo lugar no ranking global de países em que ofensas em meios digitais são mais frequentes. De acordo com o levantamento feito pelo instituto Ipsos, 29% dos pais ou responsáveis brasileiros relataram que os filhos foram vítimas de violência online6.

Os números ressoam na própria jurisprudência dos Tribunais de Justiça7 e dos Tribunais Superiores8, que, por diversas vezes, apreciaram matérias análogas aos novos delitos enquanto ainda não configuravam crimes tipificados no Diploma Penal. 

Inobstante a isso, ainda que seja louvável o esforço legislativo de maior cuidado com os menores, em homenagem à determinação constitucional pela punição severa ao abuso, violência e exploração sexual da criança e adolescente9, indaga-se se a inclusão dos novos crimes ao Código Penal trará o resultado esperado.   

Como se sabe, a prática do bullying ou cyberbullying se dá, geralmente, entre crianças e adolescentes, tanto na qualidade de vítimas quanto de autores. Nessa hipótese, a tentativa de repressão criminal será frustrada pela inimputabilidade penal dos menores de 18 anos, por força do artigo 27, do Código Penal10

Ao fim e ao cabo, em uma análise preliminar, a inovação legislativa ora abordada não se mostra uma estratégia promissora para a mitigação da prática intimidação sistemática, independentemente de serem perpetradas em ambientes físicos ou digitais. 

Uma abordagem potencialmente mais eficaz seria a alocação de recursos em políticas públicas voltadas para a conscientização e educação de toda a população, com foco especial na instrução de crianças e adolescentes em idade escolar. 

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1 Previsão nos artigos 3° e 5°, da Constituição Federal da República, como direitos fundamentais.

2 Lei n. 13.185, de 06 de novembro de 2015.

3 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Volume 2 – Parte Especial. 36ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 337.

4 Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202311/disque-100-2023-registra-aumento-de-cerca-de-50-para-violencia-nas-escolas (Acesso em 21/02/2024).

5 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/07/04/pesquisa-do-datasenado-revela-que-quase-8-milhoes-de-estudantes-sofreram-violencia-na-escola#:~:text=Pessoas%20de%2016%20a%2029,%E2%80%93%2090%25%20contra%2076%25.
(Acesso em 20/02/2024).

6 Disponível em: https://exame.com/brasil/brasil-fica-em-segundo-lugar-em-ranking-global-de-ofensas-na-internet/ (Acesso em 20/02/2024).

7 TJSP. Recurso em Sentido Estrito n. 0014358-35.2015.8.26.0554, Relator Des. Alcides Malossi Junior, 8ª Câmara de Direito Criminal, julgado em 27/10/2016; TJRJ. RESE n. 0291809-84.2020.8.19.0001, Relator Des. José Muiños Piñeiro Filho, Sexta Câmara Criminal, julgado em 02/05/2023; TJSC. Apelação Criminal n. 0000237-22.2015.8.24.0242, Relator Des. Getúlio Corrêa, Segunda Câmara Criminal, julgado em 31/05/2016.

8 STJ. Recurso em Habeas Corpus n. 189232, Relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Decisão Monocrática, julgado em 27/10/2023, DJe de 30/10/2023.

9 Art. 227, §4º, da Constituição Federal da República: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

10 Art. 27, do Código Penal: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.

Maria Eduarda Machado Pessôa
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO). Advogada Associada do núcleo criminal do escritório Silva & Silva Advogados Associados.

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