A expressão “Reurb simplificada” ou “Reurb sumária” não é mencionada na lei 13.465/17, mas encontra nesta lei e no decreto que a regulamenta os fundamentos para que seja adotada. Não se trata de uma alternativa mais simples para solução de toda e qualquer regularização fundiária urbana, mas apenas mais um dos procedimentos especiais aplicáveis em uma hipótese específica de núcleo urbano informal consolidado, isto é, aquele que apenas possui como defeito a titulação do ocupante da unidade imobiliária.
1.1 Conceito de Reurb simplificada
“Reurb simplificada” é o procedimento administrativo de regularização fundiária urbana que dispensa o projeto de “regularização fundiária” para parcelamento do solo aprovado, registrado, implantado, com o objetivo de solucionar a titulação dos ocupantes.
O inciso II, do artigo 11, da lei 13.465/17 estabelece que é núcleo urbano informal aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização. Mencionou o legislador os núcleos clandestinos, os núcleos irregulares e os núcleos “no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes”. A Reurb simplificada diz respeito a essa terceira categoria, dos núcleos que embora estejam aprovados e registrados possuem alguma dificuldade para que seja registrada na matrícula a propriedade dos ocupantes.
Os núcleos com aprovação e registro somente podem ser os parcelamentos do solo, assim compreendidos os loteamentos e desmembramentos, além dos desdobros, condomínios de casas e condomínios de lotes.
1.2 Requisitos da Reurb simplificada
Alguns elementos são fundamentais para o implemento da Reurb simplificada: a) parcelamento do solo aprovado e registrado; b) parcelamento do solo urbanisticamente regular; c) áreas ocupadas correspondentes as áreas descritas no registro imobiliário.
O reconhecimento dos titulares das áreas ocupadas sem a apresentação de um projeto somente se torna possível se o parcelamento já estiver aprovado e registrado no Cartório de Imóveis. Os parcelamentos clandestinos não admitem a Reurb simplificada.
O parcelamento do solo aprovado e registrado deve estar regular, ou seja, as obras de infraestrutura devem estar entregues e aceitas pelo Município ou dentro do cronograma. O parcelamento do solo que tenha problemas na execução da infraestrutura, com atrasos ou entrega parcial, não dispensa o projeto, pois será necessário termos de compromisso ou de ajustamento de conduta para solução do problema urbanístico, que constituem partes integrantes do projeto de regularização fundiária.
As áreas ocupadas (os lotes, casas ou apartamentos) precisam corresponder exatamente e fielmente a descrição da unidade imobiliária registrada no Cartório de Imóveis. Se a área ocupada não corresponder a área registrada, aí será indispensável o projeto de regularização (desenhos e memoriais).
1.3 Dispensa do projeto de regularização fundiária
Na Reurb simplificada não será elaborado o projeto de regularização fundiária. No lugar dele apenas a listagem contendo nome e qualificação dos ocupantes e a identificação da unidade, com o número da matrícula, que já existe, pois esse é o elemento fundamental para admissão da Reurb simplificada. A dispensa da elaboração e apresentação do projeto de regularização fundiária está prevista nos artigos 21, §2º, e 38, parágrafo único, do decreto 9.310/18:
Art. 21. (...)
§ 2º A elaboração do projeto de regularização fundiária é obrigatória para qualquer Reurb, independentemente do instrumento que tenha sido utilizado para a titulação, exceto:
- na hipótese prevista no art. 69 da lei 13.465/17, e
- quando se tratar de núcleos urbanos já regularizados e registrados em que a titulação de seus ocupantes se encontre pendente.
Art. 38. (...)
Parágrafo único. A CRF, na hipótese de Reurb somente para titulação final dos beneficiários de núcleos urbanos informais já registrados junto ao cartório de registro de imóveis, dispensa a apresentação do projeto de regularização fundiária aprovado.
1.4 Infraestrutura e equipamentos comunitários
A execução da infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários é obrigatória para os núcleos urbanos informais consolidados. Na Reurb simplificada o parcelamento está aprovado, registrado e implantado, com essas benfeitorias concluídas e aceitas pelo Município, apenas restando falhas na titulação dos ocupantes das unidades imobiliárias. Caso o núcleo informal não possuísse a infraestrutura completa, aí seria necessário o projeto de regularização fundiária, com o cronograma das obras de urbanização e não seria hipótese de Reurb simplificada.
1.5 Procedimento administrativo
A Reurb simplificada exige a instauração do procedimento administrativo de regularização fundiária semelhante as demais regularizações, mas dispensa o projeto.
O procedimento será desenvolvido nas seguintes fases: a) requerimento; b) decisão instaurando a Reurb; c) notificações e impugnações; d) listagem dos ocupantes e suas respectivas unidades; e) saneamento do processo; f) decisão; g) Certidão de Regularização Fundiária - CRF; h) registro.
1.6 Certidão de regularização fundiária na Reurb simplificada
O Código de Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo estabelece que para a Reurb de núcleo urbano decorrente de empreendimento registrado, em que não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, a Certidão de Regularização Fundiária - CRF será apresentada de modo simplificado, devendo apenas atestar a implantação do núcleo nos exatos termos do projeto registrado e conter a listagem.
Embora a Certidão de Regularização Fundiária – CRF seja um ato administrativo que deva acompanhar o projeto de regularização e dela constar as informações exigidas pelo artigo 41, da lei 13.465/17, na Reurb simplificada ela é apresentada ao Oficial de Cartório de Imóveis sozinha, e dela não precisará constar a responsabilidade pelas obras e serviços constantes do cronograma (inciso IV, artigo 41) e a indicação numérica de cada unidade regularizada (inciso V, artigo 41). Também não será informado o nome do núcleo urbano regularizado (inciso I, artigo 41), mas é preciso informar de qual parcelamento do solo registrado diz respeito a certidão, apontando para a matrícula da gleba e a sua localização (inciso II, artigo 41), para que seja individualizado o objeto da certidão. A modalidade de regularização (Reurb-S ou Reurb-E) é informação indispensável para fins de identificar a isenção das taxas e emolumentos no Cartório de Imóveis (inciso III, artigo 41). A listagem com a individualização das unidades imobiliárias (conforme inscrição que constar do registro) e a identificação e qualificação dos ocupantes titulares (RG, CPF, estado civil, filiação, profissão) é mais uma das informações obrigatórias (inciso VI, artigo 41) para a conclusão do registro imobiliário da Reurb simplificada.
1.7 Titulação dos ocupantes na Reurb simplificada
A titulação dos ocupantes será realizada do mesmo modo e com os mesmos títulos usados para as demais regularizações, levando-se em consideração se é núcleo classificado como Reurb-S (interesse social) ou Reurb- E (interesse específico) e se a área é de domínio público ou de domínio particular. O importante é que preencha os requisitos de um dos direitos reais para que seja reconhecido como titular da unidade imobiliária.
O legislador previu esse procedimento especial de regularização fundiária quando, por algum motivo, não foi possível realizar a titulação dos ocupantes. As causas podem ser as mais diferentes possíveis, desde o loteador que não transfere a escritura definitiva ao adquirente, até a ocupação que tenha por origem uma posse injusta, mas que foi convertida em posse justa, porque o objetivo da lei é reconhecer a situação de fato, consolidada, aceitando como titular de direito real o ocupante que está na posse da unidade imobiliária. Assim, a legitimação fundiária, a legitimação de posse, o compromisso de compra e venda, o contrato de compra e venda, são exemplos de direitos reais admitidos mesmo nesta categoria especial de regularização.
1.8 Custeio da Reurb simplificada
A Reurb simplificada não tem projeto de regularização fundiária já que a lei 13.465/17 o dispensou. Na Reurb simplificada não haverá a execução de equipamentos urbanos ou comunitários, por se tratar de um parcelamento registrado e implantado. Desse modo, não haverá despesa com a regularização fundiária a ser custeada pelos responsáveis legais.
No entanto, é possível que a legislação municipal preveja a cobrança de taxas pela análise do requerimento, emissão da Certidão de Regularização Fundiária – CRF e outorga de titulação aos ocupantes, especialmente nas regularizações classificadas como Reurb-E (interesse específico).
1.9 Isenção de custas e emolumentos
Aplicando-se a regra do inciso IV, §1º, do artigo 13, da lei 13.465/17, na Reurb-S (interesse social), será isento de custas e emolumentos o registro da Certidão de Regularização Fundiária - CRF, com abertura de matrícula para cada unidade imobiliária urbana regularizada. A Reurb-E (interesse específico) não é isenta de custas e emolumentos.
1.10 Aplicação da Reurb simplificada de forma total ou parcial
O §2º, do artigo 36, da lei 13.465/17 e o §2º, do artigo 31, do decreto 9.310/18 estabelecem que a regularização fundiária poderá ser implementada por etapas, abrangendo o núcleo urbano informal de forma total ou parcial. Essa norma é aplicável para os núcleos informais clandestinos, irregulares ou aqueles que por qualquer modo não foi possível realizar a titulação de seus ocupantes. O Município pode regularizar esses assentamentos abrangendo todo o perímetro do terreno ou somente uma parte dele.
Na Reurb simplificada, a implementação por etapas significa que o procedimento de regularização fundiária urbana poderá ser realizado abrangendo o núcleo por inteiro, de forma total, integral, incluindo todas as unidades imobiliárias na regularização porque todas possuem problemas na titulação dos ocupantes, ou poderá ser realizado por partes, de forma parcial, incluindo apenas as unidades imobiliárias com problemas na titulação dos ocupantes.
Deve-se fazer uma ponderação de valores. Se o Município pode realizar a regularização fundiária de forma total ou parcial, também pode fazer de forma individual. Quem pode fazer a titulação de todos os ocupantes ou de parte deles, também pode fazer a titulação de apenas um ocupante. Partindo de uma secular argumentação jurídica: quem pode o mais, pode o menos.
Por exemplo, a implementação será de forma total quando o parcelamento do solo estiver aprovado, registrado e implantado, com 100 unidades imobiliárias e todas elas com problemas na titulação dos ocupantes; a implementação será de forma parcial quando o parcelamento do solo estiver aprovado, registrado e implantado, com 100 unidades imobiliárias e 20 delas com problemas na titulação dos ocupantes, resultando apenas na regularização dessas 20 unidades; a implementação será de forma individual quando o parcelamento do solo estiver aprovado, registrado e implantado, com 100 unidades imobiliárias e uma delas com problemas na titulação do ocupante, resultando apenas na regularização dessa unidade.
Em outro exemplo, o parcelamento aprovado, registrado e implantado possui 100 unidades e duas estão ocupadas ilegalmente. Foram invadidas por duas famílias que nunca pagaram pela unidade ocupada, que não possuem o justo título. O proprietário originário não ingressou com ação de reintegração de posse. Dentro do procedimento de regularização, foi o proprietário notificado, mas não apresentou impugnação ou, apresentando, não trouxe uma decisão judicial que impeça a Reurb. O Município, adotando a Reurb simplificada, pode outorgar legitimação fundiária ou legitimação de posse, conforme o caso, em benefício dos ocupantes que passam a ser os legítimos titulares das unidades. Ainda exemplificando, pode ser que as duas unidades acima mencionadas sejam resultado de um negócio jurídico celebrado com o proprietário do terreno, possuindo os contratos com a prova de quitação. A regularização fundiária, por meio da Reurb simplificada, é admitida nas duas hipóteses: unidade imobiliária sem o justo título ou unidade imobiliária com o justo título.
No entanto, jamais poderá ser admitida a regularização simplificada ou qualquer outra regularização se a posse for injusta, resultado de violência, clandestinidade ou precariedade. Somente após convertida a posse injusta em posse justa é que será aceita a regularização e reconhecido o direito real do ocupante da unidade imobiliária.
1.11 Reurb simplificada aplicada de forma sucessiva
A Reurb simplificada poderá ser aplicada pelo Município de forma sucessiva, isto é, repetindo-se continuamente e constante, sempre que forem identificados problemas na titulação dos ocupantes. Desse modo, entendemos que se foi realizada a Reurb simplificada no ano de 2024, promovendo-se a titulação dos ocupantes, nada impede que nos anos posteriores seja novamente realizada a Reurb simplificada para solucionar a titulação de novos ocupantes, decorrente de situações supervenientes. Imagine a hipótese da unidade imobiliária que tinha problema na titulação por que o proprietário não passou a escritura definitiva ao ocupante-adquirente. Solucionado esse problema pelo Município, aceitando eventual contrato de compra e venda com prova de quitação, pode ser que o ocupante que se tornou proprietário abandone a unidade imobiliária e outro ocupante tome posse dela. Se ficar demonstrada a posse justa desse novo ocupante, nada impede que o Município reconheça o direito real, conferindo a ele legitimação fundiária ou legitimação de posse, conforme o preenchimento dos requisitos legais. Se a posse for injusta, o Município não pode reconhecer o direito real, mas se a posse injusta estiver convertida em posse justa, com ou sem o justo título, será sempre admitida a Reurb simplificada, sucessivas vezes, para que assim se mantenha continuamente a especialização da titularidade do imóvel, aceitando-se as posses decorrentes de situações consolidadas para que sejam inscritas formalmente nos cadastros municipais e no registro imobiliário.