Migalhas de Peso

Valor da causa como base de cálculo da taxa judiciária

Lei 17.785/23 altera taxas judiciais em SP. Debate sobre cálculo destaca vínculo direto com atividade estatal e critérios do CTN.

13/2/2024

Diante da promulgação da lei 17.785, de 03 de outubro de 2023, que alterou os valores das taxas judiciais e instituiu novas taxas no TJ/SP, levanta-se novamente a discussão acerca dos elementos presentes no cálculo das taxas judiciárias no Estado de São Paulo.

A taxa é uma espécie de tributo que se vincula a uma atividade estatal, que guarda relação com essa atividade e, portanto, sua arrecadação se destina ao custeio do serviço público prestado ao contribuinte, de forma efetiva ou potencial, ou é vinculado ao poder de polícia. Além disso, é necessário que haja relação íntima entre o contribuinte e o estado no exercício da cobrança de taxas e que o valor seja definido em contraprestação ao serviço prestado. Portanto, veda-se à lei de exigir taxa de contribuinte que não esteja ligada a essa atuação estatal. 

Segundo o art. 77 do CTN, constitui-se fato gerador da taxa o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Além disso, não podem ser calculadas em função do capital das empresas ou ter base de cálculo própria de impostos.

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.1

A Constituição Federal, em seu artigo 145, II, traz a hipótese de incidência da taxa da seguinte forma “II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” 2, recepcionando o dispositivo do CTN.

Tal tributo caracteriza-se pela sua especificidade, sendo autônomo e individualizado, e a mensuração do cálculo do custo é relativo e específico ao usuário perante o serviço prestado e o valor requerido. Conclui-se, aplicando os conceitos teóricos aqui estabelecidos ao caso concreto, que o dimensionamento das taxas judiciais utilizando como base de cálculo o valor da ação, como ocorre, por exemplo, no Estado de São Paulo, não exprime corretamente o valor da atuação estatal, impossibilitando a correta mensuração durante o processo judicial. Deste modo, a definição distorcida sobre a base de cálculo para definir a mensuração do serviço prestado pode acarretar diversos vícios, inclusive descaracterizando a taxa, como veremos a seguir.

Geraldo Ataliba discorre sobre a necessidade de vinculação (referibilidade) que o estado deve ter com o contribuinte no exercício da cobrança de taxas. Para a configuração da taxa, a lei deve prever a referibilidade da atuação estatal a alguém (sujeito passivo do tributo), sendo vedado à lei a cobrança de taxa de indivíduo que não esteja ligado à atuação estatal. Assim, exemplifica o citado autor:

“a hipótese de incidência da taxa é uma atuação estatal diretamente (imediatamente) referida ao obrigado (pessoa que vai ser posta como sujeito passivo da relação obrigacional que tem a taxa por objeto)”.3

“Do que se vê que, para que se configure a taxa, basta a lei prever a atuação estatal que tenha referibilidade a alguém (que poderá ser posto como sujeito passivo do tributo). Este tributo irá nascer com a referibilidade (no momento em que a atuação estatal se referir concretamente a alguém)”.4

Destaca-se a necessidade da referibilidade da atuação estatal ao contribuinte para a exigência da taxa. Em suas palavras: “[é] essencial à definição da taxa a referibilidade (direta) da atuação ao obrigado. Só quem utiliza o serviço (público específico e divisível) ou recebe o ato ‘de polícia’ pode ser sujeito passivo de taxa”.5

Nas palavras de Roque Antônio Carrazza, a taxa é “uma obrigação ex lege que nasce da realização de uma atividade estatal relacionada, de modo específico, ao contribuinte, embora muitas vezes por ele não requerida ou, até mesmo, sendo para ele desvantajosa”. 6 Logo, a taxa é um tributo vinculado a uma atuação estatal e o seu valor representa a contraprestação pelo serviço prestado, devendo este ser singularizado.

Da referibilidade, decorre-se a divisibilidade. Este elemento demonstra a mensuração do serviço para que seu cálculo se relacione à atividade exercida, efetivamente ou potencialmente, ao contribuinte de forma individualizada. Isso posto, é evidente a retributividade desse tributo, pois é impositiva a contraprestação do serviço público prestado para a cobrança por meio de taxa.

Neste contexto, nota-se que a taxa pela utilização de serviços públicos pressupõe a especificidade e a divisibilidade efetivamente utilizado pelo contribuinte ou disponibilizados. Diante disso, o STF declarou como inconstitucional o pagamento pelo serviço de iluminação pública através de taxas, o que foi sumulado (súmula 41) da seguinte forma: “o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”, destacando a falta dos elementos caracterizadores da taxa para instituição desse tributo. Diversos julgados decidiram da mesma forma e, dentre eles, destaca-se o voto o Ministro Ricardo Lewandowski, julgou o RE 573.675:

“Constitucional. Tributário. RE interposto contra decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade estadual. Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública – COSIP. Art. 149-A da Constituição Federal. Lei complementar 7/02, do Município de São José, Santa Catarina. Cobrança realizada na fatura de energia elétrica. Universo de contribuintes que não coincide com o de beneficiários do serviço. Base de cálculo que leva em consideração o custo da iluminação pública e o consumo de energia. Progressividade da alíquota que expressa o rateio das despesas incorridas pelo município. Ofensa aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Inocorrência. Exação que respeita os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso extraordinário improvido. I – lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. II – A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. III – Tributo de caráter 'sui generis', que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV – Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”.7

Posteriormente, a Emenda Constitucional 39/202 consagrou a cobrança pelo serviço de iluminação pública através de contribuição, normatizando essas decisões.

As taxas são divididas em taxa de polícia ou de fiscalização e taxa de serviço ou de utilização. Nesse caso abordaremos apenas às destinadas aos serviços públicos, localizados nos artigos 77 e79 do CTN.

“Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.”8

“Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:

I - utilizados pelo contribuinte:

  1. efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
  2. potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas;

III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.”1

Para instituição da taxa devem ser observados os critérios espaciais, pessoais e quantitativos. O critério espacial estabelece a competência para instituição para quaisquer dos entes federados, dependendo de sua competência administrativa. O pessoal destaca a importância da referibilidade entre a atuação estatal e o contribuinte, sendo o sujeito ativo o ente público, prestador do serviço público, e o sujeito passivo, que utiliza os serviços em caráter efetivo ou potencial. O critério quantitativo origina-se pela junção entre a base de cálculo e sua respectiva alíquota.

Aires F. Barreto, acrescenta:

“a lei, ao descrever a hipótese legal que, se e quando acontecida, dará nascimento à obrigação tributária, já terá erigido a base de cálculo (...) Esse atributo do núcleo do critério material destina-se (a) estabelecer ou indicar a craveira ou estalão a ser aplicado para a mensuração do fato; (b) confirmar, infirmar ou afirmar, como preleciona Paulo de Barros Carvalho, o critério material da hipótese de incidência”.9

“nas taxas a base de cálculo é única: o valor da atuação estatal. Não há apuração de base de cálculo para cada fato. Em sendo a base de cálculo o valor da atuação do Estado, fato interno à Administração – que nada tem a ver com a atuação do particular, e, portanto, não toma em conta atributos inerentes ao sujeito passivo ou relativos à matéria sobre a qual se refere a taxa – é fato único, de dimensão única”.10

Abaixo, elencam-se mais algumas decisões sumuladas do STF sobre essa discussão.

Súmula Vinculante 12: “a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”.

Súmula Vinculante 19: “a taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal”.

Súmula Vinculante 29: “é constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra”

Súmula 595 (STF): “é inconstitucional a taxa municipal de conservação de estradas de rodagem cuja base de cálculo seja idêntica à do imposto territorial rural”.14

Súmula 665 (STF): “é constitucional a Taxa de Fiscalização dos Mercados de Títulos e Valores Mobiliários instituída pela lei 7.940/89”.

Súmula 667 (STF): “viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”.

Súmula 670 (STF): “o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”.

Recentemente, o STF julgou como inconstitucional o valor excessivo do custo de atividade estatal cobrada por meio de taxa. Tal entendimento foi fixado durante o julgamento de inconstitucionalidade da lei de Mato Grosso (ADI 7.400), a qual criou a Taxa Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Minérios. Para o Ministro relator Luís Roberto Barroso, essa taxa supera excessivamente o custo estatal para realização de tal fiscalização da atividade mineradora no estado. Soma-se a isso o argumento do ministro rejeitando a tese do “percentual ínfimo” que fora alegado comparando com a receita das empresas que atuam nessa atividade, não devendo esse elemento ser considerada para mensuração desse tipo de tributo, dizendo que: “a taxa tem que ser proporcional, por ser tributo submetido à comutatividade e à referibilidade”. Ao final, o relator propôs a fixação da seguinte tese:

  1. “O Estado-membro é competente para a instituição de taxa pelo exercício regular do poder de polícia sobre as atividades de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento, de recursos minerários, realizada no Estado. 
  2. É inconstitucional a instituição de taxa de polícia que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização”. 19

Em contraponto, o Ministro Edson Fachin, acompanhado do Ministro Luiz Fux, se utilizou da problemática a ser discorrida como ponto principal dessa discussão, a utilização do valor da causa de uma ação como base de cálculo para a cobrança de taxa judiciária. O Ministro se apoiou na ADI 2.078 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que julgou improcedente a inconstitucionalidade de lei paraibana que utilizava o valor da causa como base de cálculo de taxa judiciária e considerou “razoável a presunção entre a área do imóvel e a produção de lixo ao julgar-se constitucional a taxa de coleta de lixo domiciliar, cujo valor seja graduado em relação à metragem do bem (RE 232.393)” 20, para concluir pela proporcionalidade da taxa supramencionada citando, ainda, o “liame razoável entre a quantidade de minério extraído e o dispêndio de recursos públicos com a fiscalização dos contribuintes”. Além disso, ainda dissertou que: “as taxas são regidas pelo ideal da comutatividade ou referibilidade, de modo que o contribuinte deve suportar o ônus da carga tributária em termos proporcionais à fiscalização a que submetido ou aos serviços públicos disponibilizados à sua fruição” 21.Tais posicionamentos demonstram a incongruência nessa discussão, visto que os mesmos argumentos são utilizados para se alegar diferentes sentidos para os elementos utilizados no cálculo das taxas.

Como visto anteriormente, muitos julgados demonstram a preocupação histórica do contribuinte com esse tema, o que pode ser observado novamente com a instituição da lei 17.785, de 03 de outubro de 2023. A presente norma modifica os valores das custas processuais, além de instituir novas modalidades de taxas, instituindo custas de preparo para o cumprimento de sentença. Conforme demonstrado anteriormente, diversas discussões sobre o tema já ocorreram inclusive com a fixação de súmula vinculante 667 (STF) que obriga limites máximos do valor de custas, discutido através da ADI 3.826 relatado pelo ministro Eros Grau. Além disso, destaca-se a ADI 2.078, relatada pelo Ministro Gilmar Mendes em 2011, reconhecendo a possibilidade da vinculação da taxa ao valor da causa como sua base de cálculo. Porém, recentemente foi discutido na ADI 3.124 interposta pela OAB, que questionava as custas devidas ao Estado no âmbito da Justiça Estadual. A ação foi proposta em 2004 e questiona legislação mineira que estabelecia essa relação entre o valor da causa e a taxa judiciária cobrada. O caso foi levado ao STF em 2004, e na ocasião, o então presidente Nelson Jobim concedeu uma liminar que foi posteriormente derrubada pelo Plenário da corte. Desde então, o STF estabeleceu jurisprudência consolidada, respaldando a constitucionalidade da cobrança de taxa judiciária, inclusive no que se refere ao seu cálculo com base no valor da causa. O voto divergente do ministro Alexandre de Moraes prevaleceu nessa decisão, no entendimento de que a legislação estadual de Minas Gerais atendeu aos requisitos estabelecidos pela ampla jurisprudência do tribunal. Segundo o ministro, os valores estão relacionados com os serviços prestados, são razoáveis e proporcionais, não impedem o acesso à Justiça e não possuem caráter confiscatório. Cabe destacar que o relator, ministro Marco Aurélio, acompanhado pelo ministro Luiz Fux, que defendeu a inconstitucionalidade integral da lei. O voto do relator argumentou que não é apropriado criar taxas para atividades essenciais, especialmente porque o Poder Judiciário não é remunerado diretamente por tais taxas.

"Não se mostra aceitável que o cidadão, para adentrar o Judiciário, seja obrigado a satisfazer, além dos impostos em geral, taxa a qual, em última análise, nem mesmo reflete o valor do serviço público prestado pelo Estado".22

O relator, ministro Marco Aurélio, em discussão na ADI 3124/MG constatou a inadmissibilidade da obrigação de satisfazer, além dos impostos em geral, taxa que nem mesmo reflete o valor do serviço público prestado pelo estado para ter acesso à justiça. Além disso, eu seu voto demonstrou que o ministro Carlos Velloso já ponderou que, em se tratando de atividade essencial do Estado, o custo deve ser suportado ante os impostos. Em contrapartida, o ministro Alexandre de Moraes defende a validade da utilização do valor da causa como base de cálculo, desde que estabelecidos valores mínimos e máximos e que os valores tabelados guardem correlação com o serviço prestado, mostram-se razoáveis e proporcionais e não impeçam o acesso ao judiciário e não possuam caráter confiscatório.

O julgamento da ADIn 3.124 consolidou jurisprudência declarando a constitucionalidade da cobrança ta taxa judiciária que define como base de cálculo o valor da causa. O relator constatou como inadmissível a obrigação de satisfazer taxa que não reflete o valor do serviço público prestado, além do pagamento de impostos, para que o indivíduo possa acessar à justiça. Além disso, editou-se Súmula Vinculante 667, sobre o tema, não desvinculando a taxa do valor da causa, somente obrigou os estados a imporem limites máximos ao valor de custas, fato que foi sumulado.

Entretanto, ema análise factual, existem processos com valor de ação altos que necessitam de menos empenho se comparado a ações com valores menores, uma vez que tal mensuração depende da força de trabalho empregado para a resolução da lide. O montante que o indivíduo deve arcar para acessar à justiça muitas vezes não condiz com a sua realidade econômica, sendo proibitivo devido ao montante exigido. Em muitos casos, o valor atribuído à causa é expressamente elevado e o valor das custas pode ultrapassar o valor recebido por uma empresa de porte pequena/média e/ou que passa por dificuldade econômicas, fenômeno muitas vezes percebido após o período de pandemia da COVID 19, por exemplo. As condicionantes para o acesso à justiça gratuita, que viabilizaria este acesso, muitas vezes não são atingidas, pois são utilizados critérios específicos que muitas vezes não são aplicados ao caso concreto. Nota-se afronta à equidade estabelecida pelo princípio da isonomia que cunhou a famosa frase “deve-se tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”, pois é estabelecido uma cobrança sem se averiguar o caso de forma individual, segundo a referibilidade típica da taxa. O professor Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, na obra “Código de Processo Civil Comentado” conceitua:

“Compete ao juiz, como diretor do processo, assegurar às partes tratamento isonômico (CF, 5º. Caput). A igualdade de que fala o texto constitucional é real, substancial, significando que o juiz deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. 16    

Celso Antônio Bandeira de Mello em “Curso de Direito Administrativo” ressalta a importância dos princípios no Direito brasileiro:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada” 17

Diante disso, deve-se balizar essa questão criando uma sistemática em que os custos são computados ao longo do processo, estabelecendo valores mínimos e máximos para não comprometer as finanças públicas e manter direitos básicos como acesso à justiça e possibilidade de contraditório e ampla defesa. Imperioso destacar que na obra do Ministro Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil Interpretada, o professor disserta sobre o acesso à justiça.

“Importante igualmente salientar que o Poder Judiciário, desde que haja plausividade de ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição.”

(...)

“todos têm acesso à Justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória de um direito individual, coletivo ou difuso. Ter direito constitucional de ação significa poder deduzir pretensão em juízo e também poder dela defender-se. A facilitação do acesso do necessitado à justiça como assistência jurídica integral (CF, art. 5º, LXXIV), é manifestação do princípio do direito de ação. Todo expediente destinado a impedir ou dificultar sobremodo a ação ou a defesa no processo civil constitui ofensa ao princípio constitucional do direito de ação.” (g.n.) 18

Ante o exposto, vale a pena trazer o seguinte exemplo para ilustrar essa questão. Uma execução ajuizada por um indivíduo, que nesse caso chamaremos de X, para a cobrança de R$ 10.000,00 de um indivíduo Y, seguindo as taxas atualizadas para 01/2024 no estado de São Paulo, terá custas no valor de 2% para a distribuição dessa ação, portanto será cobrado R$ 200,00 de taxa judiciária. Em contrapartida, outra cobrança no valor de R$ 100.000,00 terá suas custas calculadas em R$ 2.000,00. Logo, é notória a perda da característica primordial ao instituir o tributo do tipo taxa, a referebilidade. No caso em tela, são os mesmos agentes envolvidos, o trabalho realizado foi idêntico e a finalidade alcançada foi exatamente a mesma, porém, o valor atribuído foi dez vezes maior, demonstrando a falta de individualidade na cobrança vinculada à contraprestação do serviço público prestado. 

Diante dos fatos retratados, é notório o caminho contrário disposto pela nova legislação paulista, lei 17.785, com a elevação das taxas judiciais, estas que possuem a base de cálculo baseada no valor atualizado da ação, e a imposição de cobranças inéditas. Uma dessas novidades foi a distinção no ato de distribuição, para títulos extrajudiciais foi definida taxa inicial de 2% e elevou-se para 1,5% para a distribuição do restante. Porém, o que mais preocupa é a nova cobrança de 2% sobre o valor do crédito a ser satisfeito como taxa para instauração do cumprimento de sentença, ou seja, além das custas iniciais, que foram aumentadas o contribuinte terá que arcar com mais 2% para receber o valor devido. 

Em suma, torna-se evidente que a quantificação atribuída a uma causa não corresponde adequadamente à complexidade do trabalho despendido na resolução de conflitos judiciais. A análise desse valor deve ser pautada pelo esforço efetivamente empregado, considerando como referência a contraprestação pelo serviço público envolvido na contenda. Nesse sentido, é crucial calcular os custos ao longo de todo o processo, avaliando os meios utilizados e o esforço despendido, a fim de assegurar que a taxa correspondente ao serviço jurisdicional seja justa e não constitua um obstáculo ao acesso à justiça por parte dos cidadãos.

Ademais, é imperativo destacar o impacto do recente julgamento da ADI 7.400, favorável aos contribuintes, como um precedente significativo. Esta decisão não apenas reforça a necessidade de revisão nos entendimentos contrários abordados ao longo deste texto, mas também estabelece um importante alicerce para o surgimento de novas teses em instâncias judiciais e administrativas. Assim, o panorama atual causado por essa decisão judicial pode influenciar positivamente na busca por uma abordagem mais equitativa e justa na mensuração das taxas relacionadas aos serviços jurisdicionais.

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1 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. Planalto. Brasília-DF, 25/10/1966. Disponível em: . Acesso em 30 de janeiro de 2024.

2 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Planalto, Brasília-DF, 1988. Brasília-DF. Disponível em: . Acesso em: 30 de janeiro de 2024.

3 ATALIBA, G. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2006, p. 147.

4 ATALIBA, G. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2006, p. 156

5 ATALIBA, G. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2006, p. 156

6 CARRAZZA, R. A. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. 34ª Edição. Salvador-BA. Editora Juspodivm. 2023, p. 600.

7 STF, RE 573675, Tribunal Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/03/2009.

8 STF, AI 479.587, 2ª Turma, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª T, j. 03/03/2009.

9 BARRETO, A. Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 39.

10 BARRETO, A. F. Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 66.

11 STF, RE 88.327/SP, 1ª Turma, rel. Min. Dias Toffoli, j. 05/08/2014.

12 STF, ADI 7.400/MT, Plenário, rel. Luíz Roberto Barroso, j. 19/12/2023.

13 STF, RE 232.393/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Carlos Velloso, j. 12/08/1999.

14 STF, ADI 2.078/PB, Plenário, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/03/2011.

15 STF, ADI 3.124/MG, Plenário, rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/06/2020.

16 JUNIOR. N. N. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO. 7ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 525.

17 DE MELLO. C. A. B. CURTO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 12ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 784.

18 DE MORAES. A. CONSTITUIÇÃO DO BRASIL INTERPRETADA E LEGISLAÇÃO CONSTITUCIONAL. 9ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 292 e 294.

BECKER, A. A. Teoria geral do Direito Tributário. 7ª Edição. São Paulo: Editora Noeses, 2018.

BARRETO, S. R. C. Taxa, Tomo Direito Tributário. São Paulo-SP, 01/05/2019. Edição 1. Disponível em https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/299/edicao-1/taxa. Acesso em: 30 de janeiro de 2024.

VITAL, D. Lei Mineira: Basear taxa judiciária pelo valor da causa é constitucional, diz STF. São Paulo-SP, 30 de junho de 2020. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-jun-30/basear-taxa-judiciaria-valor-causa-constitucional2/. Acesso em 30 de janeiro de 2024.         

Jorge Marquesi
Sócio advogado e João Felipe Denys Pereira (estagiário) de Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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