O Código de Defesa do Consumidor - CDC distingue dois tipos de vícios dos produtos: os aparentes e os ocultos. Os vícios aparentes são determinados pela fácil constatação, pois são evidentes e não requerem do consumidor nenhuma habilidade especial, tampouco algum tipo de conhecimento técnico. Por outro lado, os vícios ocultos são aqueles de difícil identificação, que requerem uma análise profunda e especializada, ou que somente se manifestam depois de algum tempo. Em muitos casos, tais vícios ocultos sequer são de conhecimento do próprio fornecedor. No entanto, conforme narra o art. 23 do CDC, “a ignorância do fornecedor sobre vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade”.
Entretanto, para que o consumidor possa reclamar de eventual vício, o CDC indica alguns prazos. Os vícios identificados, ou aparentes, podem ser reclamados no prazo de trinta, quando se referir a produtos não duráveis, ou noventa dias, quando se tratar de produtos duráveis (art. 26, inciso I e II, do CDC). Já em se tratando de vícios ocultos, esses mesmos prazos apenas se iniciam quando o defeito do produto for identificado, e não no momento de sua aquisição (art. 26, parágrafo 3º).
À vista disso, restou declarada pela Terceira Turma do STJ no REsp 1.787.287/SP, julgado em 2022, a responsabilidade civil do fornecedor por vícios ocultos encontrados em produtos que possuíam a garantia contratual vencida. No entanto, para tal responsabilização, é necessário que o produto esteja em seu prazo de vida útil e que não reste caracterizada a culpa exclusiva do uso inadequado pelo consumidor. Tal matéria já havia sido examinada pela Quarta Turma do STJ, ocasião do julgamento do REsp nº 984.106/SC, na assentada de 4/10/12, Relator o Ministro Luís Felipe Salomão.
Embora esses julgados não se configurem como precedentes de observância obrigatória, a confluência de entendimentos das duas Turmas do STJ competentes para análise das matérias de Direito Privado indica um caminho seguro de interpretação. Nessa toada, a legislação atual “não determina prazo legal para que o fornecedor responda pelos vícios do produto. Há apenas um prazo decadencial para que, constatado o defeito, possa o consumidor pleitear a reparação”, afirma o Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva1.
Por consequência, para o vício oculto, o prazo de reivindicação pela reparação será iniciado a partir da constatação do defeito, mesmo que tal averiguação tenha ocorrido após o vencimento da garantia contratual. Em cada caso, deve ser levado em consideração o critério da vida útil do bem, que é o período durante o qual é esperado que o produto funcione adequadamente, de acordo com as especificações do fabricante, ou a experiência comum. Esse período pode variar de acordo com o tipo de produto, as condições de uso e a manutenção periódica.
Dessa maneira, com o julgamento do REsp 1.787.287/SP, restou consolidado o entendimento acerca do art. 26, parágrafo 3º, do CDC, no sentido de que o prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto. Assim, o fornecedor responderá, durante o tempo de vida útil do bem, pelos vícios ocultos, ou seja, aqueles constatados somente após algum tempo de uso. Tal responsabilidade persistirá, ainda que tenha expirado o prazo de garantia contratual. Para tanto, o consumidor deverá exercer o seu direito de reclamação no prazo decadencial de 30 (para bens não duráveis) ou 90 dias (para bens duráveis), a contar da identificação do vício.
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1 STJ. REsp 1.982.047/RS. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 22/06/2022