Migalhas de Peso

A efetividade das cotas no mercado de trabalho para pessoas com deficiência e as alterações trazidas pela lei 13.146/15

A evolução histórica da pessoa com deficiência revela discriminação em tempos antigos, onde eram excluídas e, em Roma, até sacrificadas. Compreender essa trajetória é crucial antes de abordar o tema principal do artigo.

2/2/2024

Antes de adentramos no tema propriamente dito deste artigo, se faz necessário entender a evolução histórica da pessoa com deficiência.

Na história antiga, as pessoas com deficiência não eram consideradas sujeitas de direito e consequentemente eram excluídas da vida em sociedade, muitas vezes escondidas por seus familiares. Na Roma antiga existia a chamada Lei das XII Tábuas, na qual os pais tinham permissão para sacrificar os filhos que nasciam com algum tipo de deficiência, por serem considerados deformados.1

Na era do Cristianismo, por sua vez, os que antes eram considerados deformados e excluídos da sociedade, passaram a ser considerados filhos de Deus, consequentemente deixando de serem vistos como coisas, mas sim como pessoas, e, assim, obtendo ajuda através da caridade e empatia que permeava a doutrina cristã, no entanto, a igualdade de status moral ou teológico ainda não correspondia a uma igualdade civil, de direitos.2

Com o passar do tempo e o avanço da ciência, as pessoas com deficiência puderam ter acesso a instrumentos que facilitaram as suas limitações, como por exemplo, a criação do Sistema Braille de leitura e escrita para cegos e o uso de cadeiras de rodas que possibilita o deslocamento das pessoas que não podem andar. Assim, em 10 de dezembro de 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é usado como base para a luta universal contra a opressão e a discriminação.

Nos tempos atuais, temos como Carta Magna a Constituição Federal de 1988, a qual traz regras e direitos que visam a proteção e bem-estar dos brasileiros.

Com base no artigo 5º da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O Código Penal, inclusive, ratifica essa igualdade com a tipificação de preconceito e discriminação, trazendo a possibilidade de punição.

Embora exista no ordenamento jurídico a igualdade sem distinção de qualquer natureza, na pratica por muito tempo isso não foi “efetivado”, visto que pessoas com deficiência eram esquecidas no mercado de trabalho e com base nesse preceito, surgiu então a lei 7.853/89, mais conhecida como Lei de Cotas.

A Lei de Cotas, estipula em seu artigo 2°, II, C e III, b que a pessoa com deficiência deve ter amparado o seu direito de ingresso no mercado de trabalho, através de ações governamentais necessárias ao seu cumprimento.

Desse modo, por meio da Previdência Social, surgiu a implementação da habilitação e da reabilitação profissional, na qual o artigo 89° da lei 8.213/91, afirma que deverá ser proporcionado a pessoa com deficiência os meios para o desenvolvimento de suas atividades profissionais no mercado de trabalho, dentro do contexto e realidade em que vivem. Ou seja, as pessoas com deficiência são habilitadas ou reabilitadas pelo INSS, que emite o certificado na sua conclusão, indicando as atividades que poderão ser exercidas pelo beneficiário.

A mesma lei que trata da habilitação e reabilitação, traz em seu artigo 93° o percentual de cotas destinadas as pessoas com deficiência, as quais variam de dois a cinco por cento das vagas. O percentual é dividido da seguinte forma:

Para fins de contabilizar o percentual indicado, é levado em consideração todos os trabalhadores da matriz e filiais da respectiva empresa, chegando ao resultado do quadro de funcionários para aplicação da porcentagem correta das cotas.

Vale destacar que ao realizar o somatório de funcionários com o percentual indicado, havendo valores quebrados, deve sempre ser arredondado para cima. Logo, se a empresa conta com um quadro de 100 funcionários, é necessário contratar 2 funcionários com PCD, no entanto, se uma empresa tem um quadro de 130 funcionários, o somatório percentual equivale a 2,6 e não existe possibilidade de contratar meio funcionário. Logo, a empresa precisará contratar 3 funcionários com PCD para então cumprir o exigido por lei.

Em 2015 foi implantado o Estatuto da Pessoa com Deficiência, por meio da lei 13.146/15, o qual aborda os direitos da pessoa com deficiência e traz detalhes pontual para cada “momento” garantindo a igualdade, inclusão social e cidadania das pessoas.

O desenvolvimento desse artigo, deixa claro que a pessoa com deficiência deve ser respeitada e ter condições de igualdade sem distinção de qualquer natureza com os demais. Logo, se desde a Constituição de 1988, o PCD tem seus direitos garantidos, o que muda com a Lei de Cotas e o Estatuto da Pessoa com Deficiência?

Muda a aplicabilidade da lei.

A Constituição traz os direitos fundamentais e a igualdade sem distinção de qualquer natureza, no entanto, não traz penalidades a não aplicabilidade em relação ao mercado de trabalho, por exemplo. Ou seja, a pessoa com deficiência tem esse direito garantido apenas com a Constituição, no entanto, a falta de critérios para que a teoria seja convertida em pratica, deixa as pessoas em situação vulnerável e basicamente “a contar com a sorte” de uma empresa humanizada dar a oportunidade da vaga.

Por essa razão, a lei 8.213/91 dispõe da obrigatoriedade desse direito, ou seja, as empresas deixam de ter que ir pelo princípio da igualdade para a obrigatoriedade de contratar as pessoas com deficiência. Com o advento dessa lei, houve então o quantitativo de vagas a serem destinadas e quais empresas tem que cumprir o dispositivo, pois o não cumprimento acarreta uma multa. Em 2023, os valores variavam de R$ 3.100,06 até R$ 310.004,70 por profissional PCD não contratado, conforme o grau de descumprimento. (MTP/ME Nº 23)

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, lei 13.146/15, por sua vez, engloba os direitos fundamentais, já regidos pela Constituição; as porcentagens de vagas destinadas as pessoas com deficiência, regidas pela Lei de Cotas e o diferencial que é a obrigatoriedade de adaptação à inclusão.

Antes do Estatuto, as empresas tinham a obrigação de contratar determinada porcentagem de pessoas com deficiência para o seu quadro de funcionários, após o Estatuto as empresas não só estão obrigadas a contratar, mas também a tomar todas as medidas necessárias para a independência da pessoa com deficiência em todos os aspectos da vida dentro daquela empresa.

É obrigatório que o ambiente de trabalho seja acessível e as empresas que não cumprem o estabelecido, estão sujeitas a aplicação de multa pelo descumprimento da lei, ainda que tenha em seu quadro de funcionários a porcentagem mínima exigida.

De acordo com a lei, entende-se como um ambiente acessível aquele no qual as barreiras são rompidas em todas as suas dimensões, isto é: urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações, nas atitudes e nas tecnologias.

Desse modo, conclui-se que a Lei de Cotas, em conjunto com o Estatuto da Pessoa com Deficiência é efetiva para a inclusão no Mercado de Trabalho, visto que não basta apenas a garantia da vaga, pois de nada adianta a vaga se o funcionário não consegue se manter na mesma por falta de acessibilidade. Ademais, a lei garante ainda a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, ou seja, efetividade não só para a garantia da vaga, mas também na possibilidade de crescimento profissional dentro da empresa.

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1 Lei das XII Tábuas. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm - acesso em 17 de janeiro de 2024

2 SILVA, Otto Marques. A epopeia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1987. p. 153.

Justiliana Sousa
Advogada. Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela UNINASSAU.

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