O artigo 16 do Código Penal é um benefício criado pelo legislador para estimular o ressarcimento dos prejuízos causados às vítimas de crimes patrimoniais praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa. Como o próprio nome técnico já diz, o arrependimento posterior deve ser imediato, e praticado por ato voluntário do sujeito, e só terá eficácia na redução de eventual condenação criminal, caso seja concretizado até o recebimento da denúncia.
“Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela lei 7.209, de 11.7.84)”
Como o objetivo do legislador na aplicação do benefício do arrependimento posterior foi de buscar o célere ressarcimento dos prejuízos causados à vítima, sem excluir o caráter punitivo da norma penal, a introdução do redutor máximo de dois terços, inserido na parte final do caput do artigo 16 do Código Penal, só poderá ser aplicado caso a reparação do dano ocorra de forma integral:
“O instituto do arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, só tem aplicação nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, sendo imprescindível a comprovação integral da reparação do dano ou da restituição da res furtiva até o recebimento da denúncia, com necessária e espontânea volição do agente criminoso, o que, no caso, não ocorreu. (AgRg no AREsp 2.066.220/MG, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 2/8/22, DJe de 5/8/22.)”
Ainda que o crime de peculato esteja inserido no capítulo que trata dos crimes funcionais, caso funcionário público, de forma voluntária, promova a reparação integral do dano ao Erário, até o recebimento da denúncia, terá direito à aplicação do redutor legal. Isto é, não se trata de opção concedida ao juiz, mas de aplicação obrigatória pelo julgador.
No julgamento do AgRg no AREsp 1.467.975/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23/6/20, DJe de 4/8/20, em que se discutia a fração ideal da redução em crime de peculato doloso, onde a reparação do dano foi eficaz, mas de certa forma involuntária, o colegiado entendeu que a fração redutora aplicada pelo Tribunal de origem foi injusta, ajustando-a em patamar condizente com a parcial voluntariedade do ato. Confira trechos da ementa desse julgamento:
Merece reparos a decisão agravada, quando aplicou a fração mínima de 1/3, não obstante a restituição do bem tenha ocorrido 3 anos antes do recebimento da denúncia. Entretanto, não é cabível a aplicação do patamar máximo de 2/3.
Conforme evidenciado no aresto proferido pelo Tribunal de origem, como o referido bem desviado somente regressou à garagem da DIGEF "após" a TV Record ter divulgado cenas do corréu, conduzindo o veículo desguarnecido dos adesivos que o caracterizaram como veículo oficial - de forma a denotar que a referida restituição do bem consubstanciou mera tentativa dos autores de se isentarem do crime em comento -, reputa-se razoável e proporcional, com base nas peculiaridades do caso concreto, a modulação da referida causa de diminuição de pena, para o delito em exame, à razão de 1/2, em atenção aos conjugados critérios do grau de presteza e voluntariedade por este externados.
É importante destacar que o arrependimento posterior exige que a reparação do dano seja integral e tempestiva, ou seja, até o recebimento da denúncia, de modo que o mero adimplemento de algumas parcelas da dívida, sem a efetiva quitação da dívida, até o referido marco temporal, é insuficiente para a aplicação do benefício:
“O reconhecimento do arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, exige a integral reparação do dano ou restituição da coisa até o recebimento da denúncia, de forma que o mero adimplemento de algumas parcelas da dívida, sem a sua quitação, até o marco temporal legalmente delimitado, não é suficiente para permitir a aplicação do instituto. (REsp 2.040.018/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 20/6/23, DJe de 27/6/23.)”
Em outro caso analisado pelo STJ, onde se pleiteava a aplicação do arrependimento posterior em crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, o colegiado rechaçou a hipótese defensiva, uma vez que o crime previsto no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro não é considerado crime contra o patrimônio ou de efeito patrimonial:
"Inviável o reconhecimento do arrependimento posterior na hipótese de homicídio culposo na direção de veículo automotor, uma vez que o delito do art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro não pode ser encarado como crime patrimonial ou de efeito patrimonial. (AgRg no REsp 1.976.946/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 21/6/22, DJe de 24/6/22.)”
Dessa forma, ainda que o crime de moeda falsa seja praticado sem violência ou grave ameaça, a regra estabelecida pela norma legal e pela jurisprudência não permitem interpretação extensiva, ou seja, o arrependimento posterior só é cabível em crimes patrimoniais praticados sem violência ou grave ameaça:
“No crime de moeda falsa - cuja consumação se dá com a falsificação da moeda, sendo irrelevante eventual dano patrimonial imposto a terceiros - a vítima é a coletividade como um todo e o bem jurídico tutelado é a fé pública, que não é passível de reparação.
Os crimes contra a fé pública, assim como nos demais crimes não patrimoniais em geral, são incompatíveis com o instituto do arrependimento posterior, dada a impossibilidade material de haver reparação do dano causado ou a restituição da coisa subtraída. (REsp 1.242.294/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/11/14, DJe de 3/2/15.)”
Aliás, o arrependimento posterior depende de ato voluntário do próprio infrator, sendo inaplicada a benesse criminal caso a reparação do dano seja feito por terceiros. No julgamento do AgRg no AREsp 868.942/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13/3/18, DJe de 4/4/18, onde a aplicação do instituto foi rechaçada, na medida em que a reparação do dano ocorreu por ato da família do acusado, foi mantida a interpretação dada pelo Tribunal de origem para não aplicar o benefício, pois o requisito da voluntariedade não restou comprovado. Confira trechos do voto proferido no referido agravo regimental;
“A defesa de CÉLIA pretende a redução da reprimenda que lhe foi aplicada argumentando pela configuração do arrependimento posterior no caso em tela, nos termos do art. 16 do Código Penal, vez que os danos causados pelo seu crime foram reparados antes do recebimento da denúncia. O argumento não pode ser acatado, visto que o art. 16, do Código Penal, exige para a configuração do arrependimento posterior que a reparação do dano ocorra por ato voluntário do agente. [...] No caso em tela, conforme comprovado nos autos, a restituição ao erário deu-se por obra da família da ré (fl. 166) e não por ato voluntário da acusada. Assim, rejeito essa pretensão veiculada no recurso da defesa.”
Essa mesma interpretação vale para os casos onde o ressarcimento só ocorre por ocasião da propositura de processo judicial cível apresentado pela vítima. Confira trechos do voto exarado no AgRg no AREsp 2.266.969/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 21/8/23, DJe de 23/8/23, onde foi rechaçada a aplicação do artigo 16 do Código Penal:
“Extrai-se dos trechos acima que a reparação do dano não ocorreu de forma voluntária, eis que provocada por judicialização de lide civil entre agravante e vítima, bem como representação perante órgão de classe e expedição de certidão de dívida para inscrição nos órgãos de proteção ao crédito."
Para além disso, tem-se ainda da sentença que a reparação não foi integral:
"Ora, a reparação não se deu de forma voluntária ,o acordo foi realizado depois da data em que o ofendido ingressou com as medidas legais pertinentes, avultando- se, ainda ,o fato de que a reparação não foi integral." (fl. 402)”
Vale realçar que o aspecto temporal é indispensável para a pretensão de aplicação da redutora máxima de dois terços. Isto é, quanto maior a celeridade no ressarcimento dos prejuízos, maior será a fração redutora aplicada:
“Tal entendimento encontra respaldo na jurisprudência desta Corte, pois "a incidência do instituto do arrependimento posterior pressupõe a integral reparação do dano antes do recebimento da denúncia, cuja fração de diminuição de pena será fixada de acordo com o aspecto temporal entre a prática do ilícito e a conduta voluntária do agente em restituir à vítima o seu prejuízo" (AgRg no REsp 1.262.608/BA, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 21/10/15). Incidência da Súmula n. 83/STJ. (AgRg no REsp 1.970.180/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/23, DJe de 8/11/23.)”
Por fim, como o STJ não analisa conjunto fático e probatório, se as instâncias ordinárias, fundamentadamente, negaram a aplicação do arrependimento posterior, não cabe ao STJ rever tal posicionamento:
“A incidência do instituto do arrependimento posterior foi afastada pela instância ordinária, sob o fundamento de que o acusado não efetuou a reparação integral do débito, até o recebimento da denúncia. (AgRg no HC 753.436/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/22, DJe de 1/12/22.)”
Portanto, o arrependimento posterior não é um instituto despenalizador, uma vez que o ressarcimento dos prejuízos à vítima não tem o condão de descriminalizar a conduta, mas, desde que seja feito de forma integral e até o recebimento da denúncia, servirá para amenizar a pena de delitos patrimoniais ou com efeitos patrimoniais cometidos sem violência ou grave ameaça.
--------------------------
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
AgRg no AREsp n. 2.066.220/MG, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022.
AgRg no AREsp n. 1.467.975/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe de 4/8/2020.
REsp n. 2.040.018/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 27/6/2023.
AgRg no AREsp n. 868.942/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13/3/2018, DJe de 4/4/2018.
AgRg no AREsp n. 2.266.969/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 23/8/2023.
AgRg no REsp n. 1.970.180/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 8/11/2023.
AgRg no HC n. 753.436/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1/12/2022.