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Considerações sobre a lei 14.811/24

As inclusões feitas pela lei 14.811/24 precisam sair da teoria e necessitam ser aplicadas na prática para que consigamos proteger efetivamente nossas crianças e nossos adolescentes.

27/1/2024

1. A lei 14.811/24 trouxe relevantes alterações no Ordenamento Jurídico Brasileiro, no que diz respeito à proteção da criança e do adolescente contra a violência sofrida nos estabelecimentos educacionais ou similares. Pelo que se observa, é uma tentativa necessária de salvaguardar a integridade física e psíquica de jovens que são rotineiramente agredidos e maltratados não só nas escolas, como também em suas residências ou em outros locais que deveriam ser considerados seguros.

2. É importante frisar que, além de prever a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, a referida lei também editou o Código Penal, a Lei de Crimes Hediondos e o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

3. No Código Penal, no capítulo referente aos crimes contra a vida, a lei em apreço incluiu uma qualificadora no art. 121, § 2º-B, inciso III, para aumentar em 2/3 a pena de homicídio cometido contra menor de 14 anos, “se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada”. Outrossim, também incluiu o § 5º no art. 122, determinando a aplicação da “pena em dobro se o autor é líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável”.

4. Ainda no Código Penal, no capítulo que trata sobre crimes contra a liberdade individual, o legislador incluiu o art. 146-A prevendo punição para quem praticar bullying e cyberbullying:

Intimidação sistemática (bullying)

Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:

Pena - multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)

Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:

Pena - reclusão, de 2 anos a 4 anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

5. O tipo penal prevê para o bullying a pena de multa, se não houver a prática de delito mais grave. Já para o crime de cyberbullying, a pena é de reclusão de 2 a 4 anos, tendo em vista se tratar da modalidade mais gravosa do primeiro delito. 

6. Na Lei de Crimes Hediondos, a edição feita foi significativa, pois foram adicionados os incisos X, XI e XII no art. 1º para prever novas modalidades de delitos hediondos, a saber:

X - induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real (art. 122, caput e § 4º);

XI - sequestro e cárcere privado cometido contra menor de 18 anos (art. 148, § 1º, inciso IV);

XII - tráfico de pessoas cometido contra criança ou adolescente (art. 149-A, caput, incisos I a V, e § 1º, inciso II).

Parágrafo único. [...]

VII - os crimes previstos no § 1º do art. 240 e no art. 241-B da lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

7. Certo é que a medida de tornar hediondos crimes cometidos contra esses vulnerável reflete a crescente preocupação da sociedade com a proteção da infância e adolescência, reconhecendo a gravidade desses delitos ao impor penas mais rigorosas como forma de desencorajar sua prática.

8. Além do Código Penal e da Lei de Crimes Hediondos, a lei 14.811/24 também trouxe edições importantes para o Estatuto da Criança e do Adolescente. Dentre elas, merece destaque a inclusão feita no art. 240 do ECA, que dispõe sobre a proibição de produção e registro de cenas envolvendo sexo explícito ou pornografia de crianças e adolescentes:

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem:

  1. agencia, facilita, recruta, coage ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena;
  2. exibe, transmite, auxilia ou facilita a exibição ou transmissão, em tempo real, pela internet, por aplicativos, por meio de dispositivo informático ou qualquer meio ou ambiente digital, de cena de sexo explícito ou pornográfica com a participação de criança ou adolescente.

9. Além de acrescentar o mencionado parágrafo ao art. 240 do ECA, a lei 14.811/24 adicionou o art. 244-C para punir os genitores ou o responsável legal que dolosamente deixar de comunicar às autoridades competentes sobre o desaparecimento de criança ou adolescente.

10. Fato é que a lei 14.811/24 não apenas reforça a importância da colaboração ativa da sociedade na garantia da segurança das novas gerações, mas também impõe sanções a comportamentos negligentes que possam comprometer o bem-estar dos menores. Essas modificações legais evidenciam um compromisso renovado em criar um ambiente mais seguro para a infância e adolescência, fortalecendo a base jurídica para a efetiva proteção desses grupos vulneráveis.

11. A preocupação do legislador com o bem-estar desses jovens ficou ainda mais evidente após a edição da lei 14.811/24. Isso porque o legislador trouxe expressamente, em seu art. 3º, que é responsabilidade do poder público local adotar todos os protocolos necessários e medidas de proteção à criança e ao adolescente contra atos de violência no âmbito escolar.

12. Nesse ponto, ousa-se dizer que um dos motivos para a celeridade em aprovar a lei em questão é a quantidade de crimes cometidos contra crianças e adolescentes nos últimos anos. Aqui não se fala apenas de atentados em escolas, que tiveram um crescimento desproporcional no Brasil, especialmente na última década, fala-se também de crimes sexuais, bullying e cyberbullying que, inclusive, levaram muitos jovens a tirar a própria vida.

13. É triste saber que nossos jovens podem estar submetidos a situações graves que colocam em risco a sua segurança. No entanto, apesar disso, gera um certo conforto em saber que não é só uma preocupação da sociedade, como também das autoridades em tomar todas as providências necessárias capazes de protegê-los.

14. De modo algum se ignora que a edição de uma lei não é o suficiente para que os delitos cometidos contra menores acabe, porém já é o início. Pior seria se as autoridades sequer se atentassem à fragilidade desses jovens e ao nosso constante compromisso de assegurar sua integridade física e psíquica.

15. Dito isso, é crucial que as autoridades competentes ultrapassem suas zonas de conforto e assumam um papel proativo na salvaguarda das crianças e dos adolescentes. Além de revisar e aprimorar as leis existentes relacionadas à proteção infantojuvenil, é imperativo que se empenhem na formulação e implementação de políticas públicas eficazes.

16. Essas políticas devem ir além do aspecto legal, abrangendo medidas concretas que garantam a segurança e o bem-estar das futuras gerações. Isso implica investir em sistemas educacionais que promovam a conscientização sobre os direitos das crianças, fortalecer redes de apoio social e oferecer recursos para prevenir e combater abusos.

17. A expectativa é de que a aplicação efetiva da lei 14.811/24 represente um marco no combate à violência contra crianças e adolescentes. Para tanto, é indispensável que as autoridades competentes desempenhem um papel ativo na fiscalização e execução rigorosa da mencionada legislação. Além disso, o engajamento de setores diversos, incluindo organizações não governamentais e instituições educacionais também se faz necessário. Assim, ao unir esforços, espera-se que a Lei não apenas se torne um instrumento legal mais robusto, mas também catalise uma mudança concreta, promovendo um ambiente mais seguro e protetivo para as futuras gerações.

Thainá Rodrigues Leite
Advogada criminalista em Mudrovitsch Advogados, formada pela Universidade de Brasília e pós-graduada em Penal e Processo Penal pela Associação Brasileira de Direito Constitucional.

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