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A inconstitucionalidade da jurisdição do CADE na OAB

O CADE defende jurisdição sobre a tabela de honorários da OAB, visando evitar infrações à ordem econômica que prejudiquem o consumidor. Essa discussão destaca a necessidade de compreender a natureza da advocacia, a ordem econômica e as competências do CADE, alinhadas com a prevenção de monopólios e cartéis para preservar a livre concorrência.

26/1/2024

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE há décadas vem defendendo a submissão da tabela de honorários da OAB à sua jurisdição e, consequentemente, condenações da instituição por infração à ordem econômica, em razão de descumprimentos aos parâmetros mínimos estabelecidos nas tabelas e prejuízos ao consumidor. Essa discussão, reavivada novamente, merece uma compreensão da natureza da atividade advocatícia, da ordem econômica e das competências do CADE.

Um dos pilares da Carta Política de 1988, no que tange à ordem econômica, é evitar a ocorrência forçada de monopólios, bem como inviabilizar a realização de cartéis. O motivo central dessas premissas é simples, já que a permissão desses institutos geraria prejuízos consideráveis ao mercado, fulminando a livre concorrência.

Nesse contexto, é preciso compreender que a atuação da advocacia, em caráter essencial, distingue-se de todas as outras profissões, em função das características constitucionais e legalmente impostas, conforme disciplina o art. 133 da Lei Fundamental de 1988. A partir da leitura dos contornos essenciais da Advocacia, é possível perceber que suas características constitucionais a afasta singularmente das atividades comuns de mercado ou mercantilismo.

O Estatuto da Advocacia enuncia que “não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária” (art. 16). Além disso, o Código de Ética determina uma séria de restrições à captação de clientes, atividade mercantilista, veiculação e propaganda, sendo enfático ao dizer que “o exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização” (art. 5º).

Sob essa perspectiva é que devemos fazer, tecnicamente, a interpretação do exercício do poder de polícia do CADE. A lei 12.529 estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que possui como objetivo principal a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. (art. 1º).

Evidencia-se que a normativa citada, à luz dos mandamentos constitucionais, criou mecanismos de defesa à exploração comercial, de modo a evitar que os agentes pudessem abusar do poder econômico e prejudicar a livre concorrência. Logo, é inegável que a preocupação do legislador se voltou à regulação do setor mercantil, ou seja, daqueles que praticam atividade econômica, naquilo que podemos perceber como livre mercado e concorrência.

Desse modo, não se pode cogitar que sejam submetidos aos ditames desta lei aqueles que, apesar de exercerem atividade funcional na sociedade, estejam impedidos de praticar atos de mercantilização.

É justamente acompanhando essa compreensão, que o STJ passou a entender que a “prestação de serviços advocatícios, as relações contratuais existentes entre clientes e advogados são regidas pelo Estatuto da OAB (lei  8.906/94) e não pelo Código de Defesa do Consumidor”. (Acórdão 871732, 20150020057903AGI, Relator: ANGELO PASSARELI 5ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 03/06/2015, Publicado no DJE: 12/6/15. Pág.: 215).

Reforça-se, ainda, que a essência da advocacia, desde os primórdios da profissão e que permanece até hoje, reside no exercício de múnus público, relacionado à promoção da justiça e à pacificação da sociedade. Daí se compreende a finalidade do Estatuto da Advocacia ao tratar da prerrogativa exclusiva da OAB de publicar tabelas de honorários.

Isso porque o Advogado quando exerce sua profissão, conforme afirma WADIH DAMOUS, “não oferece seus serviços no mercado de consumo, recebendo a respectiva remuneração. Ele exerce um múnus público.1 Ou seja, “a fixação da tabela de honorários mínimos tem como funções precípuas evitar o aviltamento da profissão e servir como parâmetro para a aferição de captação ilícita de clientela.”

Parece-nos, portanto, que toda a lógica do tabelamento de honorários é evitar que as falhas de “mercado”, em função da impossibilidade da mercantilização da advocacia, possam favorecer cartéis ou concentração econômica da atividade, criando-se um ponto de partida isonômico pecuniário no exercício da profissão.

Diversas falhas de mercado podem gerar um descompasso caso não existisse um “tabelamento” referencial, pois a existência, por exemplo, de assimetria de informações, poder de mercado e etc, são drasticamente prejudiciais ao exercício da atividade econômica, quiçá em situações em que a mercantilização não é possível.

Aliás, os parâmetros de honorários, especificamente ao sistema OAB, em função do óbice de mercantilização, não seguirão, por consectário lógico, as premissas de congelamento ou tabelamento aplicado ao mercado em geral.

A tabela, portanto, visa justamente não concentrar ou gerar cartéis – o que já é alheio ao sistema de mercado comum -, tendo em vista a inaplicabilidade das normativas concernentes às relações de consumo. A finalidade não é se adaptar às regras de mercado geral, mas de proteção à valorização da advocacia, já que esta não pratica atos de mercado/comércio.

Compreende-se, assim, que a ideia de tabelamento visa além de uma transparência de valor, obstar imposições de parâmetros remuneratórios ou desproporcionais aos trabalhos desenvolvidos, no presente caso, pela advocacia, sobretudo pela impossibilidade de atuação mercantil ampla e livre.

Portanto, é de se constatar a inconstitucionalidade da submissão do Sistema OAB ao exercício do poder de polícia do CADE, ante a inexistência de atividade mercantil no exercício profissional da advocacia.

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1 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2011-mai-10/tabela-honorarios-nao-cartel-evita-concorrencia-desleal/

Herick Feijó
Advogado, mestre em Cidadania e Direitos Humanos, especialista em Direito Público e ex-membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais (CFOAB).

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