Migalhas de Peso

NLLC: preço inexequível e show musical

Na NLLC, o dogma do menor preço foi substituído pelo princípio do preço "substancialmente menor". A inexequibilidade de serviços tornou-se mais provável com o conceito de preço "substancial" no novo Códex licitatório.

26/1/2024

O dogma do menor preço aparente restou sepultado na NLLC e foi substituído pela racionalidade típica das atividades privadas pelo princípio do preço “substancialmente menor”.

Da mesma forma, o reconhecimento da inexequibilidade da prestação de serviços, inobstante a falta de previsão expressa para serviços em geral, tornou-se mais provável diante da inserção do conceito de preço “substancial” instaurado pelo novo Códex licitatório e aplicável, também, aos serviços.

Já tivemos oportunidade de manifestarmo-nos neste prestigiado MIGALHAS1 sobre a equação que determina o preço real. Assim, o preço  - P é igual ao preço nominal - PN dividido pelo ciclo de vida do objeto - CV. P=PN/CV

No mesmo sentido a NLLC determina o dever de afastar preços acima dos valores de mercado (superfaturamento e sobrepreço) e preços abaixo de mercado (inexequíveis).

Por que afastar preços inexequíveis?

A alteração dos preços costuma estar atrelada à corrupção. Nos preços acima do mercado o desvio é obvio e “retorna” nas mãos de administradores imundos.

No caso do preço abaixo do mercado, há outro tipo de corrupção, comum em acanhadas urbes, consistente num pacto de mediocridade entre administradores e licitantes sem qualificação mínima.

A aceitação de preços substancialmente inexequíveis é manifestação típica da “corrupção de baixo meretrício” exercida nas medições e fiscalizações. A famosa expressão fazer “vista grossa” é a modalidade mais corriqueira de corrupção seja pelo álibi de que “a melhor proposta” teria sido vencedora, inobstante a qualidade sofrível do produto/serviço.

As medições e fiscalizações fictícias são a porta de entrada para preços aparentemente menores e serviços sem qualidade mínima ou “exequíveis” pela depreciação qualitativa.

As medições e fiscalizações com os óculos da “casa de tolerância” transformam um contrato de prestação de serviço num espetáculo de conveniência apenas para o vencedor da licitação em detrimento da população e do serviço público.

O administrador deve ter a dignidade de enfrentar o pacto de mediocridade muitas vezes acobertado pela célebre frase “sempre foi assim”, ou “ele é aqui da terra” como se o interesse público fosse o interesse dessa oligarquia entranhada na administração pública como parte da microbiologia parasitária.

O preço do serviço exequível pode ser descrito pela equação: Serviço exequível é aquele que dividido pelo índice qualitativo de valor  igual a 1 (Q) a partir do qual a qualidade do serviço será depreciada na mesma proporção da redução do patamar mínimo de mercado. Assim; Ps=P/Qm.

Essa espécie de “preço mínimo qualitativo”, evidentemente, sujeita-se a fatores que podem alterar de acordo com cada mercado e com cada fornecedor.

Em razão da possibilidade de mudança dos preços em razão dos referidos fatores é que a declaração de inexequibilidade deve ser seguida de oportunidade para demonstração da exequibilidade.

Um fornecedor que funcione diariamente com seu serviço tem maiores condições de fornecer o mesmo serviço do que um fornecedor episódico criado para aquela licitação.

A ausência de indicação de preços de forma analítica e detalhada bem como a ausência de indicação dos gastos com depreciação/aluguel de equipamentos é fortíssimo indício de inexequibilidade.

Por que um licitante omite _ deliberadamente _ os custos de um equipamento de som indispensável num show musical ? Difícil acreditar que a comprovação da exequibilidade com tal grosseira omissão seja honesta.

Sobre o preço substancialmente menor afirmamos no texto supra mencionado que “Todo servidor público conhece alguma anedota sobre a falta de qualidade do café da repartição ou dos copos de plástico que devem ser utilizados em duplicidade para que não quebrem nas mãos do usuário.”

Da mesma forma, todo servidor conhece a anedota do “serviço” feito por um amigo de um secretário que, efetivamente, prestava apenas o serviço que quisesse, enviava funcionários insuficientes, ia de “carona” em veículos do Poder Público ou outras maneiras dissimuladas de redução ilícita de custos.

Famosos nas acanhadas urbes são os casos em que amigos do rei juntavam amigos dos amigos para “criarem” uma banda para “animação” do carnaval e mal sabiam o que estavam fazendo.

O preço inexequível (mas não oficialmente reconhecido) funcionou, até então, como roupagem para travestir de contrato aquilo que, substancialmente, era apenas um locupletamento ilícito de dinheiro público.

O administrador público enfrenta o problema típico dos conceitos jurídicos indeterminados. Como agir?

O problema lembra os primórdios da formação da jurisprudência por dano moral. Como quantificar a dor em gélidos números monetários?

Como quantificar o não quantificável que é o inexequível?

Assim como a jurisprudência criou parâmetros para o dano moral relacionados ao valor do título indevidamente protestado, as repercussões sociais do dano, o perfil da vítima e do agressor, etc também o administrador deve utilizar parâmetros minimamente objetivos para “quantificar” a inexequibilidade.

O primeiro passo é ter coragem de assumir a responsabilidade se souber da efetiva inexequibilidade. Ajudará nesta tarefa a “presunção de legitimidade dos atos da administração pública” e o dever de fiscalização do serviço, inclusive na etapa licitatória.

O segundo passo é indicar o preço que seria exequível. Para isso poderá utilizar serviços anteriores ou da mesma região e, ainda, o percentual previsto para obras (75% da estimativa da administração) conforme previsão do art.59,§4ª. Ainda que seja uma mera analogia não pode ser ignorada pela administração.

O terceiro passo é possibilitar ao licitante provar a exequibilidade. Nesta hipótese poderá demonstrar uma variável imprevisível na cotação feita pela administração. Exemplo clássico seria o fornecedor corriqueiro e em grande escala daquele serviço que adquire insumos abaixo dos preços dos concorrentes. No caso de shows musicais deve haver valor compatível (apesar de não vinculante) com a tabela de valores do sindicato dos músicos além da depreciação/valor do aluguel dos equipamentos de som.

Sem o detalhamento analítico de valores dos “cachês” e do aluguel/depreciação a demonstração de exequibilidade não merece ser recebida como algo sério.

O quarto passo é analisar as especificidades do contrato de fornecimento. Na hipótese do presente texto, tabelas utilizadas no mercado servem como parâmetro suplementar. A tabela do Sindicato dos músicos, por exemplo, estabelece a diária de cada músico em R$ 1.800,00 reais por show no caso de trabalhos eventuais.

Mesmo não sendo uma tabela obrigatória tem alguma pertinência como parâmetro2.

Caso haja proposta de uma banda para o carnaval com 6 apresentações e 15 músicos a proposta de R$ 30.000,00 seria inexequível. Vejamos.

R$ 30.000,00 / (15 x6) = R$ 333,33 de diária por músico.

Esse valor representa 18,51 % do valor referência do sindicato dos músicos, o que é forte indicativo de inexequibilidade já que não inclui o valor aluguel/depreciação do equipamento de som.

Em síntese: o preço inexequível deve, obrigatoriamente ser declarado pelo administrador público utilizando como parâmetros: a estimativa de preços feito pelo Poder Público, o percentual de 75%, preços anteriores e a necessária possibilidade de comprovação da exequibilidade pelos licitantes.

No caso de shows musicais, outro parâmetro suplementar é a tabela de valores do sindicato dos músicos. A omissão do licitante em demonstrar analiticamente valores de cachês e de aluguel/depreciação de equipamentos de som é fortíssimo indício de inexequibilidade.

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1 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/398490/nllc-preco-substancialmente-menor-e-ciclo-de-vida

Disponível em: https://www.sindmusi.org.br/site/texto.asp?iidSecaoPai=11&iidSecaoSelec=24

Laércio José Loureiro dos Santos
Laércio José Loureiro dos Santos, é mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Nova Lei de Licitações", 2ª Ed. Dialética, 2.023.

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