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O que falhou no Direito Internacional em dois anos da Guerra Russo-Ucraniana?

A guerra russo-ucraniana iniciou em 2014 com a anexação da Crimeia pela Rússia. Os confrontos persistem, e em 2022, ataques russos levaram a sanções econômicas internacionais, desafiando o direito internacional.

26/1/2024

A guerra russo-ucraniana começou em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia da Ucrânia e apoiou separatistas pró-russos em duas regiões no leste da Ucrânia, Donetsk e Luhansk, que declararam independência. A Ucrânia respondeu com uma operação militar contra os separatistas, levando a um conflito prolongado. Com a situação permanecendo instável, anos após o início da guerra, em fevereiro de 2022 ocorreram os ataques russos ao território ucraniano de maior potência. Desde então, foram desencadeadas sanções econômicas contra a Rússia por parte de vários países e organizações internacionais.

É importante ressaltar que a Federação Russa nunca aparece sem uma fundamentação jurídica para essa guerra de anexação. Portanto, põe à prova o direito internacional tanto na resposta à sua pretensão quanto na resposta às consequências dos meios utilizados.

Para os críticos do direito internacional, é apontada como falha primária a sua própria fragilidade. Isso pelos aspectos clássicos de alegação de ausência de juiz, legislador e polícia ou coercibilidade. No entanto, já se adianta a defesa de que essas afirmações são equivocadas, do ponto de vista de uma busca no direito internacional características do direito interno.

Quanto ao juiz: no âmbito da comunidade internacional, existe sim juiz. Há uma série de tribunais internacionais, legitimados pela voluntariedade dos Estados de a eles se submeterem. Quando ao legislador: não só a legislação é fonte de direito. Mas, prendendo-se a ela, não se pode olvidar que os tratados internacionais são recepcionados nos ordenamentos internas como normas legais e, assim, criam vinculação entre suas partes. Quanto a coercibilidade: sequer é característica do direito interno. Há normas internas que são desprovidas de coercibilidade. Assim, já é afastado de todo o argumento de imprescindibilidade dessa característica.

Neste aspecto, um dos mecanismos que o direito internacional dispõe para intervir na situação de conflito são as sanções, que são adotas pelos países ou organizações internacionais. Tais medidas têm o objetivo de pressionar outro país a agir de acordo com as normas internacionais ou de puni-lo por violações dessas normas. As sanções podem incluir restrições comerciais, financeiras, diplomáticas e políticas, como a proibição de importar ou exportar determinados produtos, a suspensão de acordos comerciais, a congelamento de bens, a restrição de viagens e outras medidas que possam causar danos econômicos ou políticos ao país alvo. Contudo, não passa despercebido na condenação à invasão que pouquíssimos países são contra (talvez porque são eternos aliados), notadamente a Coreia do Norte, e poucos países abstiveram-se (talvez porque dependam economicamente da Rússia).

À título de exemplo, em 25 de fevereiro de 2023, o Conselho da Europa adotou o décimo pacote de restrições impostas à Rússia. Nele, proíbe-se a exportação de tecnologias críticas e produtos industriais, a disponibilização de capacidade de armazenamento de gás aos russos, além de suspender algumas licenças de radiodifusão, limitar o desempenho de cidadãos russos nos órgãos de direção da UE, introduzir novas obrigações relacionadas com o congelamento de bens. De igual modo restritivo, as imposições recaem nominalmente, não só de forma abstrata, como é o caso de sanções a 87 pessoas e 34 entidades, incluindo principais decisores, chefias militares, comandantes militares do Grupo Wagner e fabricantes de drones.

No sentido de impor restrições à Rússia, a maioria dos Estados acompanham as decisões. Embora seja assentado que as sanções devem ser acompanhadas por mecanismos de monitoramento para avaliar seu impacto e para evitar que causem danos excessivos aos civis ou às populações mais vulneráveis, não se consegue neste momento precisar se essas medidas atingem a economia russa a ponto de causar-lhe o efeito desejado. Especula-se que o Banco Central russo mitiga o conhecimento do impacto das sanções impostas, além da ajuda da China, que pode estar a amortecer os abalos na economia e energia da Rússia.

Pontua-se que outro causador desse desconhecimento é o contraponto de auxílio que a Federação Russa recebe. Com outros aliados para o fornecimento de armas e drones, como o Irã, nos últimos anos, a Rússia tem tentado aumentar sua influência sobre seus vizinhos e criar Estados satélites, ou seja, países que são politicamente e economicamente dependentes da Rússia. Isso inclui países como Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Armênia e Tajiquistão, que cedem em favor da potência.

O que se sabe é que os primeiros pacotes de sanções atingiram negativamente não a Rússia, mas os países dependentes da sua energia, como Bulgária, Hungria e Eslováquia. O que leva à preocupação de um efeito boomerang contra os países que aplicam as restrições.

Como já observado, as sanções devem ser aplicadas de forma a não ter um impacto desproporcional sobre os civis e as populações vulneráveis. No entanto, num contexto de guerra e crise humanitária, essas medidas afetam negativamente o acesso a alimentos, remédios, água, energia e outros serviços básicos. E agravam ainda mais a situação humanitária, resultando em escassez, aumento dos preços dos alimentos e remédios, falta de acesso a cuidados médicos e outros impactos negativos na saúde e bem-estar da população. Em lógica contrária ao esperado, as sanções podem ter um impacto limitado na capacidade do governo de continuar a guerra ou a violação dos direitos humanos. Em alguns casos, podem fortalecer ainda mais o governo ou grupo armado, ao permitir que eles controlem os recursos que escasseiam e monopolizem o mercado informal.

Ausentes os dados sobre o impacto das restrições na economia e no governo russo, tem-se claro o impacto na sociedade civil, que não é poupada, como a quem não são despendidos direitos humanos. A reação pós conflito ou na iminência do conflito é a preocupação dos organismos internacionais de salvaguarda desses direitos. Notadamente, é de ressaltar a atuação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que, embora seja alvo de críticas por não “fazer o impossível” e acabar por assumir alguma sorte de desprestígio em nome da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança, não se pode negar a sua importância.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados coordena, a nível regional e nacional, a assistência financeira direta, o fornecimento de bens, o fortalecimento dos sistemas nacionais de proteção com formação e apoio técnico e os serviços especializados, como o Blue Dots, que são espaços seguros e de apoio imediato para todas as pessoas, especialmente crianças e mulheres, de todas as nacionalidades, que fogem da Ucrânia.

Assim, visto que o direito internacional não falha por si só, mas pelos seus mecanismos de resposta, que são executados pelos Estados e organismos internacionais que cooperam, a pergunta seguinte é “o que esperar dos próximos tempos?”. Não como resposta única, mas como pontos a serem considerados, levanto, sobretudo, a óbvia ajuda humanitária dentro da Ucrânia; o retorno que será marcado pela hostilidade, insegurança e destruição; a conversão do Regime de Proteção Temporária em uma solução mais estável, talvez à Proposta de Crisis Regulation; e o desenvolvimento da noção de “responsabilidade de proteger”.

Além do mais, na pauta da adesão da Ucrânia à UE, que ainda está em processo, após pedido do presidente ucraniano em fevereiro de 2022, trago a consideração pontual de que os recursos financeiros da UE estarão escassos, já marcados pela situação do COVID, crise energética e inflação. Portanto, a ajuda à Ucrânia não estará apenas no âmbito europeu. Dependerá da cooperação de outros países e entidades internacionais que hoje lutam em defesa da paz e da manutenção dos direitos humanos.

Davi Ferreira Avelino Santana
Graduando em Direito na Universidade Católica do Salvador com intercâmbio na Universidade do Porto e extensão na Pontificia Università Lateranense di Roma

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