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Contratação com base em sistemas de inteligência artificial

O clássico caminho de celebração de contratos baseia-se na autonomia privada. Se, no futuro, a inteligência artificial for reconhecida como sujeito de direito, estabelecer sua responsabilidade por danos a terceiros será logicamente simples.

25/1/2024

INTRODUÇÃO

O caminho clássico de celebração de contratos, como se sabe, está fundado no exercício da autonomia privada, sendo constitucionalmente permitido que pessoas naturais ou jurídicas celebrem segundo modelos típicos ou inominados, de forma que as partes atinjam os objetivos econômicos e jurídicos almejados. Pessoa e vontade são, portanto, elementos essenciais dos contratos e será necessário ao direito eventualmente reconhecer outros tipos de sujeitos e outras formas de manifestação de vontade.

Ao fim e ao cabo, se uma inteligência artificial puder ser considerada em algum momento do futuro um sujeito de direito, tendo ela um patrimônio, será um processo logicamente simples estabelecer a sua responsabilidade por prejuízos causados a terceiro.

Desta forma, falaremos do marco da IA, sobretudo para a UE, que continua como líder global em estabelecer os padrões éticos e regulatórios para desenvolvimento e uso da IA. É o chamado Efeito Bruxelas ou a capacidade regulatória da UE quanto a concretização dos direitos, além de suas fronteiras, influenciando outros mundos.

É interessante frisar que o Parlamento Europeu reconhece que a IA, embora seja vista como “ameaça imprevisível”, pode ser uma ferramenta poderosa e fator de mudanças relevantes, oferecendo produtos e serviços inovadores, que trarão benefício à sociedade, especialmente nas áreas da saúde, sustentabilidade, segurança e competitividade.

Não tem mais como pensar em um mundo sem internet, inteligência artificial e robôs, pois estão em tudo, e o direito precisa acompanhar para solucionar os problemas que já chegam aos Tribunais de todo mundo. A informática e a internet estão em praticamente tudo: nas escolas, na medicina, nas instituições financeiras e bancárias que utilizam seus contratos eletrônicos e toda acessibilidade dos seus clientes pelos Apps; comunicações, segurança pública; autocarros; semáforos; e principalmente nos smartphones.

Portanto, essa tecnologia já é realidade e nesse contexto, é de especial interesse o uso da inteligência artificial na formação dos contratos.

Partindo desse paradigma, o presente estudo visa traçar algumas breves diretrizes acerca da necessidade de uma legislação própria para os contratos a base da IA, assim como os instrumentos legislativos mais apropriados até o presente momento, que são as normas gerais dos contratos conforme o Código Civil.

Para tanto, será estudado com relevância e importância as declarações e os vícios de consentimento, bem como os efeitos do princípio da boa-fé, diante das situações advindas do uso das novas tecnologias na formação dos contratos.

Quanto à gestão de negócios, não seria esse instituto idôneo para explicar tais sistemas, em princípio, porque ela surgiria de uma atuação não autorizada do beneficiário, que é o dono do negócio. Pelo que se sabe, não há sistemas que saiam por aí para realizar negócios em tais condições. Isto significa dizer que o direito deverá debruçar-se sobre o fenômeno das tecnologias inteligentes para o fim de agasalhá-las em seu seio.

Para alcançarmos os objetivos de forma sucinta dos temas, discorremos inicialmente de forma geral o conceito de inteligência artificial e o ordenamento jurídico aplicado, a partir da legislação em vigor acerca dos contratos e as cláusulas gerais contratuais existente, com a junção de estudos e normas da era tecnológica e digital, uma vez que não se sabe totalmente do que a Inteligência Artificial é capaz, por isso, lidar ou regulamentar um campo ainda nebuloso se torna uma tarefa desafiadora para os legisladores e operadores do Direito.

1. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A Inteligência Artificial tem vindo a ser cada vez mais usada em áreas como o entretenimento (personalização de conteúdos), o comércio on-line (previsão de gastos dos consumidores), os eletrodomésticos (programação inteligente) e os equipamentos eletrônicos (recurso aos assistentes virtuais como a Siri ou a Alexa, entre outros).

Há muitos anos a Inteligência Artificial vem sendo desenvolvida, sendo o primeiro trabalho reconhecido, realizado e desenvolvido por Warren  McCulloch e Walter Pitts, em 1943. Segundo Russel e Norvig (2004), basearam-se em três fontes: “ o conhecimento da fisiologia básica e a função dos neurónios do cérebro, uma análise formal da lógica proposicional criada por Russell e Whitehead  e a teoria da computação de Turing” ( Gomes, 2010, p. 236). Os autores, McCulloch e Pitts apresentaram um modelo de neurónios artificiais, que cada um era caracterizado por “ligado” ou “desligado”, e, assim o estado cada neurónio era analisado como equivalente em termos concretos a uma proposição que definia o seu estímulo adequado.

No entanto, Alan Turing foi o primeiro autor a construir e apresentar uma visão completa sobre a IA, no seu artigo “Computing Machinery and Intelligency”. O autor mostrou o Teste de Turing, onde apresentou um teste baseado na impossibilidade de distinguir entre entidades inegavelmente inteligentes, os seres humanos. O computador só conseguirá passar pelo teste se um interrogador humano, depois de apresentar algumas perguntas por escrito, não conseguir perceber se as respostas escritas vêm de uma pessoa ou não (Gomes, 2010).

Em 1956 foi criado o termo Inteligência Artificial (AI), e com o crescente uso tornou-se mais acessível e popularizando, tendo dados disponíveis como os algoritmos avançados, e melhorias no poder e no armazenamento computacionais. Entretanto, as primeiras pesquisas de IA nos anos 1950 exploraram temas como a resolução de problemas e métodos simbólicos. Na década de 1960, o Departamento de Defesa dos EUA se interessou por este tipo de tecnologia e começou a treinar computadores para imitar o raciocínio humano básico. Por exemplo, a Defense Advanced Research Projects Agency - DARPA, completou um projeto de mapeamento de ruas nos anos 1970. E a DARPA criou assistentes pessoais inteligentes em 2003, muito tempo antes de Siri, Alexa ou Cortana serem nomes comuns do nosso cotidiano.

Meados de 1969, a Universidade de Stanford incrementou o programa DENDRAL, que servia para desenvolver de forma eficiente soluções capazes de descobrir as estruturas moleculares orgânicas a partir da espectrometria de massa das ligações químicas presentes numa molécula desconhecida. Logo em seguida, Edward Feigenbaum (ex-aluno de Herbert Simon), Bruce Buchanan (filósofo que se converteu em cientista da computação) e Joshua Lederberg (geneticista premiado com o Nobel), formam uma equipe para resolver o problema e o DENDRAL foi capaz de apresentar soluções, graças ao seu modo automatizado para tomar decisões.

Eleilza Souza
Advogada Brasil e Portugal. Professora, Autora e Coautora de livros e artigos jurídicos. Mestranda em Direito Civil- Universidade de Lisboa-Portugal. Especialista em Direito da Medicina- UCOIMBRA.

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