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O novo marco legal dos defensivos químicos

Publicada a lei 14.785/23, novo marco regulatório para defensivos químicos. Substitui a lei 7.802/89, trazendo melhorias como análise de riscos e harmonização com padrões internacionais.

18/1/2024

No apagar das luzes de 2023, foi publicada na imprensa oficial a lei 14.785/23, que representa o novo marco regulatório dos defensivos químicos e produtos de controle ambiental. A nova lei visa regulamentar a pesquisa, experimentação, produção, embalagem, rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, utilização, importação, exportação, destino dos resíduos e das embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e fiscalização destes produtos em substituição à lei 7.802/89, agora revogada. 

Resultado de décadas de discussões no Congresso Nacional, a nova lei traz dispositivos que representam melhorias ao sistema, como a obrigatoriedade da utilização da análise dos riscos no processo de concessão de registro dos produtos e a exigência a partir do texto legal de harmonização com padrões internacionalmente estabelecidos – o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos - GHS, o Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias - SPS e o Codex Alimentarius. 

Embora seja possível argumentar que a análise de riscos já pudesse ser adotada no país pelos órgãos reguladores – como, inclusive, já feito pela ANVISA e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA – pois se trata de critério de natureza técnica a ser adotada segundo a discricionariedade do corpo técnico competente, sua inserção na lei certamente traz segurança jurídica a todos os usuários do sistema.  

Também devem ser considerados avanços: a implementação do Sistema Unificado de Informação, Petição e Avaliação Eletrônica - SISPA, para melhor fluxo processual das petições e comunicações, e do Sistema Unificado de Cadastro e de Utilização de Agrotóxicos e de Produtos de Controle Ambiental Informatizado, de modo a facilitar a atividade fiscalizatória; a adoção de prazos legalmente estabelecidos e considerados razoáveis para a avaliação e reanálise dos produtos; e uma sanção criminal mais rigorosa para os casos de “contrabando”. 

Um outro ponto positivo consiste na competência conferida ao Ministério da Agricultura e Pecuária – MAPA, como órgão registrante dos defensivos agrícolas, para coordenar o processo de registro. Ele passa a ser competente para gerenciar os procedimentos relacionados à concessão do registro dos produtos, um ato administrativo complexo, já dentro dos princípios de eficiência, legalidade e transparência, preconizados pelas disposições sobre decisões coordenadas da Lei 9.784/1999, conforme alterada pela lei 14.210/21. Críticas feitas a este papel protagonista do MAPA ignoram que o órgão continuará a deferir às análises de risco à saúde e ao meio ambiente realizadas por ANVISA e IBAMA. Nenhum produto será registrado sem a aquiescência destes.  

Infelizmente, estas críticas foram mal esclarecidas ao longo do processo legislativo e culminaram na sanção presidencial ao dispositivo que conferia também ao MAPA o papel de coordenador dos processos de reanálise. Aqui, todavia, é preciso ponderar que o verbo utilizado pelo legislador ao tratar deste procedimento de que “o órgão federal responsável pelo setor da agricultura é o coordenador do processo de reanálise dos agrotóxicos e poderá solicitar informações aos órgãos da saúde e do meio ambiente para complementar sua análise” certamente influenciou esta decisão. Ao permitir a interpretação de que se trata de uma faculdade do MAPA de requerer ou não a participação de ANVISA e IBAMA no processo decisório, desconsiderando questões de cunho ambiental ou de saúde humana para permitir a continuidade de um defensivo agrícola no mercado, o texto final da propositura legislativa municiou os críticos da nova lei de razões que justificaram o veto.  

Este dispositivo poderia ter uma “interpretação conforme a Constituição Federal” diante da própria sistemática do texto legal que trata da necessidade de análise de risco nos processos de reanálise. Uma avaliação de risco que, por sua vez, é de competência dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde e do meio ambiente. Todavia, ele foi vetado deixando uma lacuna no sistema regulatório. 

Outro ponto importante da propositura legislativa que também foi objeto de veto presidencial é a previsão da Taxa de Avaliação e de Registro. Ela visava à cobrança de uma única taxa para subsidiar as atividades administrativas decorrentes do novo sistema regulatório (em substituição aos valores específicos cobrados por ANVISA e IBAMA, sendo que o MAPA não cobrava nenhuma taxa para realizar a avaliação da eficácia agronômica dos defensivos agrícolas ou conceder seus registros). A referida taxa deveria ser recolhida ao Fundo Federal Agropecuário e seus recursos destinados exclusivamente à fiscalização e ao fomento do desenvolvimento de atividades fitossanitárias e à promoção da inovação tecnológica do setor agrícola em sanidade vegetal, seguramente, revertendo em prol do desenvolvimento de toda a agricultura nacional. Trata-se de um revés para este setor tão importante para a economia brasileira. 

A publicação da lei 14.785/23, certamente, não representa o último episódio relacionado ao novo marco regulatório dos defensivos agrícolas. Muitas discussões ainda estão por vir com sua regulamentação ou mesmo com a possibilidade de derrubada dos vetos presidenciais pelo Congresso Nacional e ações perante o Poder Judiciário a respeito da constitucionalidade do novo texto legal. Espera-se apenas que elas sejam acompanhadas de razoabilidade em prol de um sistema regulatório eficiente e que resguarde a proteção à saúde e ao meio ambiente. 

Viviane Kunisawa
Sócia da Daniel Advogados na área de Direito Regulatório de Life Sciences e Agronegócio.

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