O novo ano já começou, mas os julgamentos nas Cortes Superiores só serão retomados a partir de fevereiro. Enquanto os magistrados gozam condignas férias, é tempo de rememorar os principais temas julgados em 2023. Aliás, seguindo a tradição dos dois anos anteriores, o STF e o STJ protagonizaram importantes e polêmicos julgamentos em matéria tributária ano passado. De tédio, nenhum tributarista pode reclamar.
Fevereiro já começou acalorado com a deliberação dos polêmicos Temas 881 e 885 do STF. Em julgamento celebrado pela Fazenda, ficou estabelecido que as decisões da Corte em controle abstrato de constitucionalidade ou em RE com repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos futuros da coisa julgada que delas divergir. Por maioria, ficou definido, ainda, que a cessação automática deverá respeitar as anterioridades constitucionais.
A discussão sobre o tema voltou em novembro, no julgamento dos embargos declaratórios dos contribuintes com pedido de modulação dos efeitos da decisão. As embargantes, que possuem decisão transitada em julgado permitindo o não pagamento da CSLL (tributo discutido no caso concreto) desde 2007, quando o STF reconheceu a constitucionalidade da contribuição na ADIn 15, pretendem não ser obrigadas a fazer os pagamentos retroativos. Após cômputo de seis votos rejeitando o pedido, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Min. Dias Toffoli.
Em março, foi a vez dos contribuintes comemorarem. No julgamento do Tema 736 do STF, foi declarada inconstitucional a cobrança da multa isolada de 50% diante da mera negativa de homologação da compensação tributária, por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar a incidência automática da penalidade pecuniária.
Os holofotes se viraram para o STJ em abril. Com uma pauta tributária cheia1, merece destaque o Tema 1.182. Em julgamento conturbado, a 1ª Seção decidiu que os benefícios fiscais de ICMS compõem a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, excetuadas as situações nas quais os contribuintes cumpriram os requisitos do artigo 10 da LC 160/17 e do artigo 30 da lei 12.973/14. O julgamento foi muito festejado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que classificou como "assalto aos cofres públicos" alguns benefícios fiscais.
Ainda em abril, voltou a pauta do STF a ADC 49. No julgamento dos embargos de declaração, ficou estabelecido que produzirá efeitos a partir de 2024 a declaração de inconstitucionalidade da cobrança do ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias do mesmo titular, ressalvados os processos (judiciais e administrativos) pendentes até a data da publicação da ata do julgamento de mérito. Além disso, ficou definido que os contribuintes terão o direito de manter/transferir seus créditos para outros estados a partir do ano que vem, cabendo aos estados regular o tema.
Em maio, foi referendada no Plenário do STF a liminar concedida pelo Min. Lewandowski na ADC 84. Na Ação, o Presidente Lula pretende ver declarada a constitucionalidade do decreto 11.374/23, editado no primeiro dia de governo para manter as alíquotas do PIS e da Cofins nos patamares que vinham sendo praticados desde 2015. Isso porque, no apagar das luzes, o governo Bolsonaro promulgou o Decreto n. 11.322/2022, que reduziu pela metade tais alíquotas.
Também em maio, o STJ protagonizou mais uma derrota dos contribuintes. Afastando a aplicação do racional do Tema 69/STF (conhecido como tese do século), a 1ª Seção, por maioria, decidiu no Tema 1.008 que o ICMS integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados no regime do lucro presumido.
Para fechar o primeiro semestre, foi finalizado em junho no STF uma discussão que se arrastava há 15 anos. No Tema 372, os ministros decidiram, por maioria, que as receitas brutas operacionais decorrentes da atividade empresarial típica das instituições financeiras integram a base de cálculo do PIS e da Cofins. Para o colegiado, a referência que a lei 9.718/98 (redação dada pela lei 12.973/14) faz ao artigo 12 do decreto-lei 1.598/87 (que explicita o que compreende a receita bruta) apenas confirma que o conceito de faturamento se equipara ao de receita bruta operacional, admitidas as exclusões e deduções legais.
O segundo semestre começou lento. Em compensação, o mês de setembro foi marcado pela análise de tema bastante polêmico e muito conhecido dos tributaristas que frequentam o CARF: ágio interno. Foi a primeira vez que uma turma do STJ analisou a matéria.
No julgamento do REsp 2.026.473/SC, a 1ª Turma validou a amortização de ágio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL em caso que envolvia o uso da chamada “empresa veículo” e ágio formado entre partes relacionadas. A decisão não foi proferida sob o rito dos repetitivos, mas os contribuintes puderam celebrar, ainda que comedidamente.
Em outubro, o STF reconheceu na ADI 5635 a constitucionalidade do Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal - FEEF e do Fundo Orçamentário Temporário - FOT, instituídos pelo Rio de Janeiro. A fruição dos benefícios fiscais de ICMS no estado é condicionada aos depósitos nos respectivos fundos. Capitaneado pelo Min. Roberto Barroso, o Tribunal entendeu que não há criação de tributo por meio dos fundos, mas sim simples redução transitória de benefícios fiscais de ICMS em prol do equilíbrio fiscal do estado.
Novembro trouxe um dos julgamentos mais aguardados do ano: o marco para cobrança do diferencial de alíquota - DIFAL de ICMS. A questão foi debatida nas ADIs 7066, 7070 e 7078. Na ocasião, prevaleceu o voto do Min. Alexandre de Moraes, validando o artigo 3º da LC 190/22, no sentido de que o DIFAL de ICMS observará a anterioridade nonagesimal, mas não se sujeitará à anterioridade anual.
O ano foi encerrado tal qual começou, pois em dezembro diversos temas relevantes foram analisados no STJ e STF.
A 1ª Seção do STJ, na última sessão de repetitivos do ano, julgou o Tema 1.125. Dessa vez, seguindo o racional do Tema 69/STF (tese do século), decidiu-se que o ICMS Substituição Tributária - ST não integra as bases de cálculo do PIS e da Cofins. Os contribuintes puderam comemorar, agora, efusivamente.
Já o STF, julgando o último leading case do ano, decidiu favoravelmente aos contribuintes no Tema 504 para estabelecer que os créditos presumidos de IPI não compõem a base de cálculo do PIS e da Cofins.
Com o término do ano judiciário foi possível fazer um balanço. A verdade é que vitórias e derrotas foram distribuídas para os dois lados da mesa (ainda que de forma não exatamente equânime). 2023 foi marcado por brilhantes atuações de advogados públicos e privados. Os ministros das Cortes Superiores, assim como todo o jurisdicionado, puderam assistir sustentações orais combativas e eloquentes.
Mas outra característica também foi marcante no ciclo que se encerrou. A pretexto de defender os cofres públicos, alguns agentes do governo deram declarações um tanto polêmicas sobre julgamentos e julgadores. Ainda no afã de proteger o dinheiro público, despachos foram realizados não por patronos, mas por agentes políticos, como ministros de estado, governadores e prefeitos. Faz parte do jogo.
O que será que 2024 nos reserva nas mais altas cortes do país?
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1 Além do julgamento do Tema 1.182/STJ, a Corte Superior também julgou no mês de abril sobre a readequação da tese sobre a repetição de indébito, aplicando o precedente do STF no Tema 962 da Repercussão Geral, mas mantendo a cobrança de IRPJ e CSLL sobre valores recebidos a título de juros (Selic) no levantamento de depósitos judiciais. As discussões foram travadas nos Temas 504 e 505/STJ, afetados sob o rito dos recursos repetitivos, em que fixaram as seguintes teses:
Tema 504/STJ: “Os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais possuem natureza remuneratória e não escapam à tributação do IRPJ e pela CSLL”.
Tema 505/STJ: “Os juros Selic incidentes na repetição do indébito tributário se encontram fora da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, havendo que ser observada a modulação prevista no Tema 962 da repercussão geral do STF”.
Ainda no mês de abril, os ministros do STJ sedimentaram a jurisprudência consolidada do Tribunal a respeito da contribuição previdenciária patronal sobre o auxílio-alimentação pago em dinheiro, fixando a tese no Tema 1.164/STJ: “Incide a contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o auxílio-alimentação pago em pecúnia”.