Em 9/11/23, por maioria, a Corte Especial do STJ proferiu decisão no julgamento do Tema Repetitivo 1.059, cuja controvérsia trata sobre a majoração dos honorários sucumbenciais em grau recursal, questão delimitada como: “a (im)possibilidade da majoração, em grau recursal, da verba honorária estabelecida na instância recorrida, quando o recurso for provido total ou parcialmente, ainda que em relação apenas aos consectários da condenação”.
Devido à relevância da matéria, que envolve verba de natureza alimentar, e aos diversos recursos relacionados sobre o tema, o julgamento foi realizado sob o rito dos recursos repetitivos, de acordo com o art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil.
Foram selecionados três recursos representativos da controvérsia (REsp 1.864.633, 1.865.223 e 1.865.553), interpostos pelo INSS contra acórdãos do TRF-4 nos quais se decidiu pela majoração dos honorários devidos pela autarquia em ações relacionadas à concessão de aposentadoria, apesar de a decisão recorrida ter sido reformada parcialmente.
O STJ1 e os demais Tribunais do país2, desde a entrada em vigor do CPC de 2015, com a inovação trazida no art. 85, §11º3, vinham aplicando o entendimento no sentido de que os honorários sucumbenciais deveriam ser majorados somente na presença de três requisitos cumulativos: (i) publicação da decisão recorrida após a entrada em vigor do CPC, que ocorreu em 13.6.2016; (ii) recurso não conhecido ou integralmente desprovido, seja por decisão monocrática ou colegiada; e (iii) fixação de honorários advocatícios na origem.
Contudo, os julgados divergiam nos casos de provimento parcial do recurso, nos quais a parte é, ao mesmo tempo, vencedora e vencida.
À época da análise dos recursos especiais interpostos pelo INSS, em março de 2020, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator originário, destacou que existiam pelo menos 233 processos em tramitação no STJ, nos quais a autarquia era parte e que versavam sobre a matéria.
Com o objetivo de evitar futuras divergências entre as três seções do STJ, a 1ª Seção deliberou pela competência da Corte Especial para julgar o repetitivo, uma vez que o tema é comum às turmas do STJ.
A ampliação da controvérsia jurídica, inicialmente restrita ao âmbito das ações previdenciárias, abarcou um número ainda maior de processos, reforçando a necessidade de garantir a uniformidade nas interpretações pelos tribunais, além de conferir segurança jurídica e tratamento isonômico aos judicantes.
Ao concluir o julgamento dos recursos afetados como representativos de controvérsia, a Corte Especial do STJ definiu que a majoração dos honorários sucumbenciais prevista no art. 85, §11º, do CPC, somente é aplicável nos casos de decisão pelo desprovimento integral ou pelo não conhecimento do recurso.
Nesse sentido, a tese do Tema 1.059 foi fixada nos seguintes termos: “A majoração dos honorários de sucumbência prevista no artigo 85, parágrafo 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o artigo 85, parágrafo 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação”.
Na avaliação do relator, Min. Paulo Sérgio Domingues, acompanhado pela maioria dos Ministros da Corte Especial, o resultado infrutífero do recurso interposto é pressuposto da majoração da verba honorária sucumbencial recursal, tal como estabelece o art. 85, §11º, do Código de Processo Civil. Em outras palavras, é necessário que o julgamento do recurso em nada altere o resultado da conclusão alcançada na instância de origem.
Seguindo essa linha de raciocínio, a maioria dos Ministros se apoiou na premissa de que a regra legal do art. 85, §11º, do CPC, existe para penalizar o recorrente que se vale de impugnação infrutífera, estendendo a duração do processo sem ter subsídio jurídico para tanto. Desse modo, fugiria ao escopo da norma aplicar a sanção em hipóteses nas quais o recurso tenha sido, em alguma medida, proveitoso para a parte que o interpôs.
Sob essa óptica de coibir a interposição de recursos contraproducentes, o precedente se coaduna com a compreensão adotada pela Corte nos últimos anos, a exemplo da decisão proferida no AgInt no REsp 1.908.125/CE4, na qual se concluiu que a incidência dos honorários recursais independe do efetivo trabalho adicional do advogado da parte recorrida, sendo este considerado como critério de quantificação – e não de aplicação.
Em síntese, a Corte Especial, por maioria, considerou que o provimento do recurso, ainda que parcial e relativo a um capítulo secundário da impugnação, serve a afastar o art. 85, § 11º, do CPC, evitando, portanto, a incidência dos honorários recursais, decisão que tem eficácia vinculante.
O Conselho Federal da OAB atuou no caso como amicus curiae, manifestando-se no sentido de que não se pode tratar de forma não isonômica o advogado da parte recorrente e o da parte recorrida. Partindo dessa premissa, concluiu que deveria haver majoração de honorários recursais a favor dos patronos da parte que venceu em segunda instância, independente do polo em que figurou na origem.
O raciocínio jurídico desenvolvido pela OAB foi, em larga medida, considerado no voto divergente, apresentado pelo Ministro Humberto Martins.
Ao instaurar a divergência de entendimento, o Ministro realçou que alterou seu convencimento, já que, antes, acompanhava a orientação da maioria da Corte. Dessa forma, apresentou posição em que propôs que se considerasse, a partir do julgamento, a majoração pelo trabalho complementar executado pelo advogado, seguindo, a seu ver, a escolha legislativa – na medida em que a majoração dos honorários prevista no art. 85, §11º, do CPC, pressuporia o trabalho adicional realizado em grau recursal, nos termos do dispositivo legal.
Ressaltou, ainda, que deveria ser observado o teto de 20%, e que a orientação teria aplicabilidade nos casos em que o recurso for inadmitido; admitido e improvido; admitido e totalmente provido; ou admitido e parcialmente provido.
Em linha com esses fundamentos, o Min. Humberto Martins, compreendeu que a majoração dos honorários recursais não tem natureza jurídica de punição ou de sanção, mas sim de retribuição pelo trabalho adicional realizado pelos advogados.
Em contraponto, dentre as razões do voto-vencedor, outra conclusão que se pôs foi a de que a majoração dos honorários no caso de reconhecimento do êxito recursal conduziria os tribunais, inevitavelmente, a um caminho de insegurança jurídica. Isso porque a fixação da tese abriria margem para infindáveis discussões acerca do ponto a partir do qual a “modificação do resultado do julgamento” decorrente do provimento parcial do recurso imporia ao tribunal majorar os honorários sucumbenciais previamente fixados.
O acórdão do julgamento dos três recursos que compuseram o Tema Repetitivo 1.059 do STJ foi publicado no último dia 21/12/23. Os Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis Júnior votaram com o Ministro Relator, Paulo Sérgio Domingues, ficando vencido o Ministro Humberto Martins.
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1 STJ, AgInt no AREsp 2.277.234/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 21.8.2023; AgInt no REsp 1.675.638/RS, 4ª Turma, Rel. min. Maria Isabel Gallotti, j. em 16.8.2021.
2 TJMS, Apelação n. 0817184-22.2020.8.12.0002, 3ª Câmara Cível, j. em 19.07.2021; TJSP, Apelação n. 1003832-40.2019.8.26.0428, 38ª Câmara de Direito Privado, j. em 17.9.2020; TJRJ, Apelação n. 0003381-22.2016.8.19.0011, 6ª Câmara Cível, j. em 9.12.2022.
3 Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
4 “PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO § 11 DO ART. 85 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MAJORAÇÃO. REQUISITOS. 1. Os critérios de cabimento dos honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC/2015, já foram tema de discussão na Terceira Turma, na sessão de 4 de abril de 2017, no julgamento dos EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ, o que levou à uniformização do tema no âmbito daquele órgão julgador. 2. Tais critérios foram reavaliados pela Segunda Seção, no julgamento do AgInt nos Embargos de Divergência em REsp 1.539.725-DF, os quais passam a ser adotados como entendimento desta egrégia Corte Especial. 3. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso. 4. Da majoração dos honorários sucumbenciais promovida com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015 não poderá resultar extrapolação dos limites previstos nos §§ 2º e 3º do referido artigo. 5. É dispensada a configuração do trabalho adicional do advogado para a majoração dos honorários na instância recursal, que será considerado, no entanto, para quantificação de tal verba. 6. In casu, a majoração da verba decorre do não provimento do Recurso Especial, tendo sido considerado como critério de quantificação o trabalho adicional realizado pelo advogado da parte recorrida em grau recursal. 7. Agravo Interno não provido” (AgInt no REsp 1.908.125/CE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 31.5.2021).