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A interpretação do direito sob a perspectiva do pensamento sistêmico

A perspectiva sistêmica, antiga, destaca que "o todo é maior que a soma das partes." Aristóteles a adotava. Isso implica observar o comportamento das partes considerando o todo, revelando que nossas ações fazem parte de um sistema complexo, incluindo interações sociais e instituições jurídicas.

11/1/2024

A abordagem da vida sob a perspectiva sistêmica não é uma concepção nova, Aristóteles já realizada o referido tipo de abordagem quando afirmava que “o todo é maior do que a soma das partes”, o que tem como uma de suas interpretações a necessidade de observação do comportamento das partes levando-se em consideração o todo, tendo em vista que tais comportamentos possuem uma interligação.

Essa afirmação nos permite vislumbrar a vida e todos os atos que praticamos como um grande sistema formado por meio de vontades e interações entre as partes, tanto na natureza como no nosso meio social, no qual estão englobadas as instituições jurídicas.

Nesse sentido, Meadows1 traz uma excelente analogia entre os sistemas e a relação entre a árvore e o fruto, tendo em vista que para se entender o todo é necessária que todas as partes, internas e externas, da árvore sejam estudadas de forma conjunta, analisando suas interconexões, pois ao se estudar separadamente cada um dos seus componentes se perde a perspectiva do todo.

Humberto Kasper2 conceituou sistema como “um conjunto de entidades ou elementos unidos por alguma forma de interação ou interdependência regular que forma um todo integral.”

Os sistemas possuem como uma das suas características marcantes a sobrevivência, de modo que se criam e recriam continuamente, adaptando-se às condições do contexto nos quais se encontram inseridos, nos termos trazidos pela teoria da autopoiese de Humberto Maturana e Francisco Varela.

A partir dos conceitos de sistema, estudiosos desenvolveram o conceito de pensamento sistêmico, o qual segundo Aurélio Andrade3 pode ser conceituado como “um processo cognitivo orientado por pressupostos e características sistêmicas. Resulta de uma maneira de cogitar e modelar a complexidade do mundo que privilegia o todo, os relacionamentos, a visão de rede, a lógica de causa e efeito distantes, o pensamento do “e”, a abordagem consensual, a atitude contemplativa e de perplexidade diante da incerteza.”4

Já Peter Seng em seu livro “A quinta disciplina” defende que o pensamento sistêmico “é a quinta disciplina, aquela que integra as outras, fundindo-se em um corpo coerente de teoria e prática. Impede-se de serem truques separados ou a mais recente modismo para mudança organizacional.”5

O pensamento sistêmico trabalha com as noções de causalidade circular retroativa, a qual trata da “retroalimentação, em que parte do efeito ou resultado do comportamento do sistema volta à sua entrada e influi no comportamento seguinte” e a de causalidade circular recursiva, que “envolve a perspectiva de que algo pode ser produtor e produto, tal como ocorre no processo de reprodução, em que os indivíduos são produzidos e se tornam produtores em um processo que tende a continuar.6

Nesse sentido, Taís Schilling Ferraz7 defende que o pensamento sistêmico é contextual, pois coloca cada parte no contexto de uma totalidade de forma a permitir enxergar conexões, padrões e relações, razão pela qual se mostra eficaz para a solução de problema complexos.

Trazido esse breve resumo das linhas gerais do pensamento sistêmico, passa-se a uma rápida análise a necessidade da interpretação do direito sob tal perspectiva.

O direito pode ser considerado, como muitas outras áreas de pensamento e estudo, como um sistema, pois possui conexões entre si e com outros ramos do saber que influenciam nas decisões a serem tomadas e nos resultados almejados, razão pela qual deve ser interpretado à luz do pensamento sistêmico.

A afirmação trazida no parágrafo anterior traz várias consequências, entre as quais podemos citar a necessidade de uma interpretação intersetorial do direito, o qual não deve ser considerado como uma caixa hermética que não dialoga com outras áreas, quer sejam outros ramos do próprio direito, quer sejam de outras áreas de conhecimento.

Nesse sentido, quando um julgador, tanto na seara administrativa, como na seara judicial, deve observar a interação com demais ramos do direito, a exemplo de uma decisão administrativa que traz implicações na seara de família como a concessão ou negativa de um benefício previdenciário a companheira de um servidor público falecido. De igual modo, decisões tomadas nas varas de família podem ter repercussão no direito tributário ou imobiliário.

Ressalta-se que não se trata de uma análise meramente consequencialista, nos moldes defendidos pela análise econômica do direito, mas sim de uma análise do direito como parte de um sistema maior que reage a decisões, às vezes de forma positiva, outras de forma negativa.

Dessa forma, diante da sucinta análise realizada é possível concluir que, sendo o direito um sistema, deve ser interpretado sob a perspectiva do pensamento sistêmico, analisando suas características, modo de atuação, respostas do sistema às condutas praticadas pelos seus intérpretes para que suas decisões traduzam os objetivos almejados pelas normas de efetivação da justiça.

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1 MEADOWS, Donella H., Trinking in Systemas: A Primer. Vermont. Chelsea Green Publishing, 2008.ebook.

2 FERRAZ, Taís Sgchilling. Um olhar sistêmico sobre a violência no Brasil. Londrina/PR. Editora Toth. 2022. p. 169.

3 ANDRADE, Aurélio L., O curso do pensamento sistêmico. São Paulo. Digital Publish & Print, 2017.

4 FERRAZ, Taís Schilling. Um olhar sistêmico sobre a violência no Brasil. Londrina/PR. Editora Toth. 2022. p. 169.

5 SENGE, Peter M., A quinta disciplina. Rio de Janeiro. Best Seller. 2023.

6 FERRAZ, Taís Schilling. Op. Cit.

7 FERRAZ, Taís Schilling. Op. Cit. p. 173

Acácia Regina Soares de Sá
Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT. Integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura - ENFAM.

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