A MP 1.202/23 ainda está sendo digerida pela comunidade jurídica. Fato é que, com as alterações feitas por esta medida provisória, diversos contribuintes serão afetados.
Em outros artigos, já foi comentado a tentativa de relativização dos efeitos da “tese do século” pelo Fisco. Inclusive, recentemente houve grande debate sobre a limitação temporal para a utilização do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado habilitado na Receita Federal do Brasil, trazida pela IN 2.055 e pela Solução de Consulta Cosit 382/14.
A citada medida provisória, em seu art. 4°, altera o art. 74 e insere o art. 74-A na lei 9.430/96, para limitar a compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado.
Este dispositivo foi regulado pela Portaria Normativa do Ministério da Fazenda 14/24. Tal portaria limita a utilização de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado para compensação de débitos próprios de sujeito passivo, relativos a tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil.
Basicamente há um escalonamento de valores e prazos mínimos para a utilização do crédito. Veja-se:
“§ 1º Quando se tratar de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, o valor mensal a ser compensado fica limitado ao valor do crédito atualizado até a data da primeira declaração de compensação dividido pela quantidade de meses conforme os incisos abaixo:
- créditos cujo valor total seja de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) a R$ 99.999.999,99 (noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos) deverão ser compensados no prazo mínimo de doze meses;
- créditos cujo valor total seja de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) a R$ 199.999.999,99 (cento e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos) deverão ser compensados no prazo mínimo de vinte meses;
- créditos cujo valor total seja de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais) e inferior a R$ 299.999.999,99 (duzentos e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos) deverão ser compensados no prazo mínimo de trinta meses;
- créditos cujo valor total seja de R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) e inferior a R$ 399.999.999,99 (trezentos e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos) deverão ser compensados no prazo mínimo de quarenta meses;
- créditos cujo valor total seja de R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) a R$ 499.999.999,99 (quatrocentos e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos) deverão ser compensados no prazo mínimo de cinquenta meses; e
- créditos cujo valor total seja igual ou superior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) deverão ser compensados no prazo mínimo de sessenta meses.”
A compensação, em sua essência, é um modo de extinção de obrigações tributárias, já que, no caso, o sujeito passivo e o Fisco são, ao mesmo tempo, credores e devedores um do outro. Portanto, a obrigação se extingue na medida em que se compensam.
Esta modalidade de extinção do crédito tributário está prevista no art. 156, inciso II do CTN. Veja-se:
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(...)
II - a compensação;”
Embora essa limitação seja prejudicial, ao limitar valor e o prazo mínimo de utilização do crédito, ela põe fim à discussão sobre o limite de cinco anos para utilizar o crédito habilitado.
Conforme exposto acima, a Receita Federal tinha entendimento de que, ao habilitar o crédito, ele deve ser exaurido em cinco anos, caso não fosse, o contribuinte não poderia restituir o saldo.
Alguns contribuintes não conseguem utilizar o crédito habilitado em cinco anos, seja por questões econômicas, seja por questões fiscais. Isso acarretava em perda, no entendimento da Receita Federal, de parte do crédito habilitado.
A alteração promovida pela MP 1.202/23, combinado com a sua regulamentação pela Portaria Normativa do Ministério da Fazenda 14/24, revogou o limite temporal de cinco anos para a utilização do crédito, pois a citada portaria estabelece prazo mínimo para a utilização do crédito, escalonado pelo valor apurado e habilitado, mas não estabelece prazo máximo para a sua utilização. Atente-se para o trecho destacado abaixo:
“VI - créditos cujo valor total seja igual ou superior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) deverão ser compensados no prazo mínimo de sessenta meses.”
Tal previsão revoga tacitamente o entendimento da Receita Federal, por ser oposta ao entendimento anterior, pois, se há previsão de utilização de crédito em prazo mínimo de sessenta meses, obviamente este prazo pode ser superior a sessenta meses, pois o contribuinte deverá gastar pelo menos sessenta meses para tal utilização. Note que todos os incisos estabelecem prazo mínimo, mas não estabelecem prazo máximo, e nem poderiam fazê-lo, por violação ao art. 168 do CTN.