Após o Tema 69 da repercussão geral - a “tese do século” da área tributária - o Poder Judiciário viu nascer diversas teses tributárias decorrentes das razões de decidir do RE 574.706.
A mais recente afetação do STJ, para julgar recurso especial pelo rito dos recursos repetitivos, foi a exclusão do PIS e da Cofins da base de cálculo do ICMS.
A Primeira Seção do STJ afetou os Resps 2.091.202/SP, 2.091.203/SP, 2.091.204/SP e 2.091.205/SP, para firmar o entendimento da Corte sobre a matéria.
A exclusão do Programa de Integração Social - PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins da base de cálculo do ICMS é um tema complexo e de grande relevância para o sistema tributário brasileiro.
O art. 13 da lei Complementar 87/96, dispõe sobre a base de cálculo do ICMS. Quando se trata de venda de mercadorias, a base de cálculo é o valor da operação, somando-se a ele os valores do próprio ICMS, seguros, frete e demais importâncias pagas, conforme se extrai do citado dispositivo.
Os contribuintes defendem que “somente podem ser incluídos na base de cálculo do imposto os valores que efetivamente estejam relacionados à “operação de venda” descrita na Constituição Federal.”
Ao sustentar esta afirmação, a tese dos contribuintes é de que se deve interpretar o termo “operação” no sentido estrito em relação ao ato que provoca a circulação da mercadoria. Adotando este conceito e convergindo para as razões de decidir do Tema 69 do STF, em que se definiu que os valores de ICMS são importâncias transitórias na contabilidade da empresa, constituindo receita dos Estados, os contribuintes concluem que não há respaldo jurídico para o PIS e a Cofins integrarem a base de cálculo do ICMS, tendo em vista a natureza diversa de mercancia, ou seja, não integram o conceito de “operação” adotado pela Constituição e pela lei Kandir.
Com isso, o ICMS acabaria por se tornar um imposto sobre contribuições sociais e não sobre operações relativas à circulação de mercadorias, desvirtuando o seu arquétipo constitucional. Ou seja, tal tributação acabaria
por violar o princípio da legalidade, tendo em vista a previsão do art. 13 da lei Kandir, o princípio da capacidade contributiva e violaria as razões de decidir do Tema 69 da repercussão geral.
Por outro lado, o Fisco Estadual defende que “a legislação tributária estabelece que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação. Como os valores referentes ao PIS e à COFINS representam repasses econômicos que integram o valor da operação, inquestionável sejam incluídos na base de cálculo do imposto, tal qual já consolidado na jurisprudência”, alegam ainda que a Constituição, em nenhum momento, determina que o valor tributável corresponde ao valor da mercadoria ou do serviço.
As razões adotadas pelo Estado se iniciam corretas, sustentando que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação, não ficando restrito ao valor da mercadoria. Não se pode reduzir o conceito de “operações” desvirtuando a base de cálculo para valor da mercadoria. Para Paulo de Barros Carvalho, “Operações, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios hábeis para provocar a circulação de mercadorias. Adquire, neste momento, a acepção de toda e qualquer atividade regulada pelo Direito, e que tenha a virtude de realizar aquele evento. [...] soa estranho por isso mesmo que muitos continuem a negar ao vocábulo "operações" a largueza semântica peculiar das "operações jurídicas" para entendê-lo como qualquer ato material que anime a circulação de mercadorias”. Geraldo Ataliba e Giardino ensinam que “Operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica: são atos juridicamente relevantes: circulação e mercadoria são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações”. Ou seja, valor da operação não é o mesmo que valor da mercadoria. Isto se pode extrair da própria Constituição, com o nome do imposto. Veja-se:
“II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” (no original não há destaque)
Note que o imposto é sobre operações relativas à circulação de mercadorias.
Todavia, a fundamentação da Fazenda de São Paulo, extraída de um processo pendente de julgamento, não é coerente, nem com o início da sua própria fundamentação, nem com a jurisprudência do STF no Tema 69. A Fazenda estadual defende que os valores de PIS e Cofins são repasses econômicos, por isso, integram o valor da operação.
Com essa fundamentação a Fazenda adota argumento metajurídico, ao concluir que, pelas contribuições terem reflexos econômicos na cadeia de circulação das mercadorias, elas devem integrar a base de cálculo do ICMS.
Alfredo Augusto Becker afirmava que “a doutrina da interpretação do Direito Tributário, segundo a realidade econômica, é filha do maior equívoco que tem impedido o Direito Tributário evoluir como ciência jurídica. Esta doutrina, inconscientemente, nega a utilidade do direito, porquanto destrói precisamente o que há de jurídico dentro do Direito tributário”. Geraldo Ataliba também defendia a separação dos estudos do direito tributário e dos argumentos metajurídicos, econômicos e financeiros.
Conforme afirmado acima, a incoerência da Fazenda de se valer de fundamentos metajurídicos, que ofende a doutrina tributária clássica, ainda vai em completa divergência com a jurisprudência do STF no Tema 69, pois, se as operações relativas à circulação de mercadoria têm resquícios do PIS e da Cofins, tendo em vista os “repasses econômicos” e essas contribuições pertencem à União, elas apenas transitam na contabilidade das empresas que integram as operações de circulação de mercadoria, não devendo o ICMS ter a sua base de cálculo composta pelas contribuições.
Portanto, com os fundamentos apresentados pela Fazenda Estadual, e adotando a compreensão do STF no Tema 69, entendemos que o PIS e a Cofins não deveriam integrar a base de cálculo do ICMS.
Conforme citado acima, o STJ irá se debruçar sobre a questão e estará vinculado às razões de decidir do STF no Tema 69, pois as balizas estabelecidas pela Corte Constitucional vinculam todas as decisões futuras sobre matérias análogas, como é o caso.