Um aspecto a se desmistificar é a separação entre Direito e Moral em Kelsen. Em verdade, Kelsen disse que a Moral e o Direito funcionam de formas distintas, pois distintos são os sistemas de sanção. Ao lado das normas jurídicas, há normas sociais que regulam a conduta dos homens entre si. Essas normas sociais compreendem a Moral1:
O Direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando-como já mostramos-se concebe como uma ordem de coação, isto é, como uma ordem normativa que procura obter uma determinada conduta humana ligando à conduta oposta um ato de coerção socialmente organizado, enquanto a moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo, visto que as suas sanções apenas consistem na aprovação da conduta conforme às normas e na desaprovação da conduta contrária às normas, nela não entrado sequer em linha de conta, portanto, o emprego da força física2. (grifos nossos)
Observe que ele fala em ordens, em estruturas. Moral e Direito são ordens distintas. Numa perspectiva psicossociológica, a função de qualquer ordem social é obter uma determinada conduta daquele indivíduo subordinado a esta ordem. Essas ordens buscam estabelecer um tipo ideal, não um tipo médio (erro muito comum entre juristas)3. O que diferencia uma ordem de outra é, essencialmente, não o fato de uma estabelecer sanções e a outra não, mas a espécie de sanção que estatuem4.
Na Moral, eu posso ter a desaprovação do guia moral ou da comunidade, mas, no Direito, essa desaprovação leva a uma sanção, seja ela pecuniária, seja com a prisão ou a morte. A sanção, no Direito, não é mais controlada pela sociedade, mas por órgãos encarregados de aplicá-la, com o amparo da lei e usando os meios repressivos existentes para forçar o indivíduo a se conduzir de determinada forma. No Direito, é utilizada a força física, e de forma monopolista.
Em uma tribo indígena, por exemplo, pode existir uma ordem jurídica descentralizada sem a constituição de um Estado, e, nesse caso, a ordem jurídica e a Moral se confundem5.
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1 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª.ed.São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.67
2 KELSEN, ref. 1, p.71
3 KELSEN, ref. 1, p.25-26
4 KELSEN, ref. 1, p.30
5 KELSEN, ref. 1, p. 71