No berço da filosofia ocidental estruturava-se o conceito da metafísica por meio dos escritos de Aristóteles (384-322 a.C.), acondicionados em 14 livros que tratam da filosofia do ser em geral. Seu objetivo? Apresentar as relações científicas que explicam o mundo de forma racional. Em seu pequeno tratado de Lógica chamado Categorias, Aristóteles apresenta o conceito de substância, que explica o elo que liga formas conceituais metafísicas aos objetos do mundo.
Após essa breve introdução filosófica, fica a pergunta: O que isso tem a ver com as compras públicas? Explico!
Já era notório desde o século IV a.C. que vivemos em um mundo de constante transformação. As transformações geram efeitos; por sua vez, todo efeito tem uma causa. Nasce aí o princípio de causa e efeito – um dos principais para a metafísica de Aristóteles. Sob esse princípio, temos quatro causas básicas:
- Causa material: trata-se da matéria que compõe um ser ou objeto.
- Causa formal: é a forma física e conceitual que um determinado ser ou objeto possui.
- Causa eficiente: conceitua-se no que dá origem ao ser ou objeto, ou seja, o que foi responsável pela sua criação.
- Causa final: diz respeito à finalidade do objeto ou ser.
Facilmente podemos aplicar as conceituações de Aristóteles ao planejamento das contratações públicas. A lei 14.133/21 traz incisivamente a visão ampla de planejamento: estudo técnico preliminar, matriz de risco e o controle interno da contratação podem se apresentar, em alguns casos, como novas ferramentas de gestão, porém, são, e sempre foram, procedimentos básicos para o bom andamento das contratações públicas, mas agora apresentam-se expressamente previstos em lei.
Nesse contexto, o legislador da Nova lei de Licitações trouxe sob o art. 18 um passo a passo inicial para contratações eficientes. Os incisos do caput apresentam um rol exemplificativo de definições necessárias para a formalização dos processos licitatórios. Em especial, os incisos I e II do caput do referido artigo destacam a descrição da necessidade e a definição do objeto. Talvez propositalmente, os dois incisos que encabeçam o rol são os alicerces da contratação, pois definem a substância da necessidade da Administração (lembre-se do tratado de Categorias de Aristóteles).
Avançando um pouco na leitura do mesmo artigo legal, temos o § 1º que apresenta os elementos que compõem o estudo técnico preliminar, já previsto no inciso I do caput. Este instrumento dará base para a elaboração de outros igualmente essenciais para a formalização eficiente da contratação: termo de referência, anteprojeto, projeto básico e edital. Em suma, para obter sucesso nas contratações públicas, há de se ater ao processo como um todo, por meio de uma visão aérea e sintética. Todas as contratações seguirão a mesma receita, com algumas alterações – mas a receita não muda! É essa a ideia comparativa que aqui fazemos: as quatro causas de Aristóteles aplicadas aos procedimentos de contratações públicas.
Assim, usando suas quatro causas, como Aristóteles contrataria o fornecimento de uma cadeira? Primeiramente ele definiria a cadeira em seus aspectos causais:
1. Causa material: Do que a cadeira é feita?
Ou seja, é necessário que se defina a matéria em que se consiste a cadeira. Madeira? MDF? Aço inoxidável? Polipropileno?
2. Causa formal: Qual o formato da cadeira?
Defina a forma física da cadeira. Fixa? Móvel? Com rodas ou sem rodas? Assento quadrado ou redondo? Isso pode ser materializado em um esboço. No contexto das contratações públicas, usamos termos de referências ou projetos.
3. Causa eficiente: Quem produz a cadeira?
Há de se definir quem está qualificado para construir/produzir/executar o objeto. No caso da cadeira, contratar-se-á aquele que é especialista em produzir móveis. Este aspecto está intimamente ligado à causa material, pois o artífice de móveis de madeira não produz cadeiras de polipropileno; assim como a indústria talvez não tenha em seu portfólio a comercialização de cadeiras de madeira. É preciso direcionar a contratação àquele grupo de especialistas que possua capacidade correspondente à necessidade da Administração.
4. Causa final: Para que serve a cadeira?
Essa talvez seja a causa norteadora. A partir da finalidade, definimos os demais parâmetros. A cadeira utilizada em um auditório público não é a mesma utilizada no escritório, que por sua vez, não é a mesma utilizada no refeitório da escola. A finalidade do objeto deve ser primariamente definida para os efeitos objetivos da contratação.
A explanação aqui emergida busca resgatar uma ideia básica em meio a tantas inovações impostas sobre os procedimentos das contratações públicas: deve-se observar o processo de contratação como um todo. Aludindo à definição de Aristóteles, toda causa tem um efeito, e para que esse efeito seja eficaz, deve este estar sustentado solidamente. Dito de forma simplista, não se atinge o sucesso na compra de uma cadeira solicitando em um documento apenas “cadeira”; nem menos encaminhando a informação “… para uso da secretária”. O requisitante, o comprador, o ordenador da despesa e o fornecedor dependem de informações precisas para desempenhar a sua função na ordem dos fatos. Enfim, antes que se passe às formalidades legais obrigatórias que garantem a eficiência das contratações – como o estudo técnico preliminar, o termo de referência e os projetos – o requisitante da demanda precípua deve visualizar a necessidade como um conjunto interligado. Aristóteles, em sua metafísica, nos apresenta esse conceito de forma sintética e a sua aplicação análoga sedimenta um raciocínio básico e essencial para os gestores públicos.