A curiosidade
Há os que dizem muito com poucas palavras, e quem diga pouco com muitas palavras. Fraseado pitagórico, que destaca a virtude da mensagem (pelo dizer) objetivamente transmitida (pela palavra). Mas não sejamos tão exatos assim: sempre pode haver alguém a dizer muito com muitas palavras, ou pouco com poucas.
O ilustre «Direito do entretenimento» e seus irmãos estrangeiros Entertainment law, Droit du divertissement, Derecho del entretenimento, Diritto dello spettacolo etc., passam exatamente por esta plêiade linguística conflituosa, a depender de quem o tente explicar. É um ramo? É uma disciplina? É uma prática? É um setor? É tudo e mais um pouco?
Ramos e disciplinas
São considerados como «ramos do direito», à primeira vista e entendimento, os constructos do direito público e do direito privado. Divisão antológica, que observou dogmáticas fragmentações e unificações, desacoplamentos e acoplamentos, diástoles e sístoles filhas do tempo, do lugar, da pessoa humana em si reputada, e das sociedades (das pessoas humanas reputadas em coletivo relacional). Nas lições do histórico professor de Munique, Karl Larenz, percebe-se que «em última análise, tanto o direito público quanto o direito privado não se limitam a promover e proteger certos interesses, sejam eles do público em geral ou do indivíduo, mas tendem a um equilíbrio adequado de interesses, ou seja, ao direito e à justiça»1.
Em abordagens suscintas e precisas, leia-se por «ramos do direito» algumas definições de quem muito diz, com poucas palavras: (I) «Filos. Tomando-se o direito, em seu contexto único e universal, como uma árvore, diz-se de cada um dos ramos que partem do tronco e, por sua vez, esgalham sempre em prolongamento, à medida que as novas disciplinas jurídicas tornam-se autônomas.»2; (II) «Filos. Autonomia. Diz-se da independência que desfrutam os campos jurídicos, determinada pela conjunção de três fatores: legislação própria; ensinamento autônomo; fato técnico que, embora com funções assemelhadas às de outros setores, autorizam ou demandam tratamento específico, ao menos parcialmente.»3; (III) «Teoria geral do direito. a) parte especial de uma ciência jurídica; b) gênero de atividades.»4; (IV) «[...] essa classificação dos ramos do direito não apresenta caráter rigorosamente lógico, mas sobretudo prático e histórico.»5; (V) «[...] é comum dizer-se o Direito Civil é um ramo do Direito Privado, ou o Direito Penal é um ramo do Direito Público, especializando, assim, as várias divisões do Direito.»6; (VI) «Os “ramos do Direito” são conjuntos de normas e institutos jurídicos, assemelhados por critérios próprios, que apresentam aspectos homogêneos, de modo a tornar necessário o seu tratamento conjunto e diferenciado em face das demais normas. O conceito de “ramo do Direito” reflete um processo de especialização no estudo e na aplicação do Direito.»7
A ideia de «disciplina jurídica», por sua vez, está associada a uma «dimensão didática»8, de ensino e pesquisa, com raízes nos «pressupostos e opções metodológicos»9; no «reflexo de opções referentes à identificação de certas áreas temáticas e ao seu aprofundamento, desejavelmente criativo, bem como de opções orientadas para a construção de certos processos metodológicos de análise [...]»10. Neste percurso, «disciplina no sentido científico, e disciplina no sentido curricular»11 são diferenciáveis.
Práticas e setores
As «práticas jurídicas» no pertinente aos contextos negociais-transacionais e contenciosos – contextos nos quais o Entretenimento está situado – requerem proatividade para «além dos importantes aspectos técnicos de redação de contratos e outros documentos [rectius, instrumentos jurídicos – observação nossa]; com uma mudança de ponto de vista e abordagem abrangente»12.
A fidúcia13, os acordos, os deals, marcam uma presença característica de business muito forte aqui: «por vezes, as questões comerciais e as questões jurídicas estão de tal forma interligadas que as partes trazem os seus advogados para a negociação para ajudar a resolver as questões comerciais»14. E, para bem compreender os «setores» de uma indústria pujante15, se faz imperativo conhecer seus desenvolvimentos concretos e atuantes:
«A palavra entretenimento tem uma raiz latina que significa ‘prender a atenção de’ ou ‘divertir agradavelmente’. Ao longo dos anos, passou a referir-se a um produto construído, concebido para estimular um público de massas de uma forma agradável em troca de dinheiro. O entretenimento pode ser uma experiência ao vivo ou mediada que foi intencionalmente criada, capitalizada, promovida, mantida e evoluída. Por outras palavras, o entretenimento é criado propositadamente por alguém para alguém. O entretenimento é facilmente localizável, acessível e consumível [discordamos em parte desta afirmação – observação nossa]. E, claro, o entretenimento é também atrativo, estimulante, sensorial, emocional, social e moral para um público de massas e é um negócio com componentes específicos, como explicado aqui. O entretenimento pode existir como um produto, serviço ou experiência. Os produtos de entretenimento podem ser bilhetes para espectáculos e eventos ao vivo; ou podem ser programas e filmes mediados que recebemos por via física ou eletrônica. A televisão e o cinema são setores completamente dedicados à criação de entretenimento como produto. As viagens e a hotelaria fazem com que o entretenimento seja agradável para os seus consumidores e audiências. O que torna o entretenimento diferente dos produtos e serviços é o seu componente experiencial. Ao contrário dos produtos e serviços, as experiências são perecíveis - duram apenas o tempo em que estamos a participar ou a assistir - e intangíveis - são do momento e o seu conteúdo está em constante mudança. Tal como a fruta, as experiências são sensíveis ao tempo e diminuem de importância à medida que o tempo passa. Ao contrário dos souvenirs que compramos como recordações, as experiências não podem ser levadas para casa - sobrevivem na nossa memória e não nos nossos sacos de compras. Podemos comprar um livro, mas a experiência da leitura é, no entanto, mental. E embora a capa e o grafismo possam seduzir-nos a comprar o livro, o prazer experiencial desse livro reside no seu consumo verbal. [...]. O valor de uma experiência baseia-se na vontade do público de pagar por ela. Quando foi a última vez que pagou por uma experiência? Valeu o preço?»16
Nossa mutável posição: «Direito do entretenimento» é uma disciplina não-autônoma sobre práticas (jurídicas, econômicas, sociais, de mercado etc.) voltadas aos setores de mercado atinentes
Compartilhamos das prudentes ponderações introdutórias expostas pelos advogados norte-americanos William Henslee17, Xavier Frascogna Jr.18 e Jordan Gonzales19 em obras sobre Entertainment Law. Os três enfatizam, cada qual a seu modo, que: (i) há a associação de expertises de disciplinas jurídicas consideradas clássicas ou tradicionais, para atender necessidades dos mercados/da indústria de entretenimento (ii) com a necessidade imperativa de se conhecer e estar frequentemente à par das dinâmicas sociais e negociais de tais mercados, para além do próprio direito; (iii) eis que a disciplina do Direito do Entretenimento não se reduz, e não deve ser reduzida a uma vertente específica (propriedade intelectual, por exemplo).
A título de curiosidade, a perspectiva italiana de quem escreve sobre o Diritto dello spettacolo reflete e muito a funcionalização publicística, de cariz constitucional, da arte e dos bens culturais, por razões da dogmática própria daquele país.20
Ao fim e ao cabo, muitos dos cognomes utilizados para traçar o “objeto” de um “direito” (Direito das telecomunicações, Direito da comunicação social21, Direito da moda, Direito da arte, Direito digital etc.) são esforços de compreensão pré-sistemática, parcimoniosa, mas não de uma verdadeira autonomia; e não há demérito absolutamente nenhum nisto.
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1 Karl Larenz. Allgemeiner Teil des deutschen Bürgerlichen Rechts: Ein Lehrbuch. Munique: C. H. Beck, 1983. p. 2 [tradução livre]
2 José Maria Othon Sidou. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2016. [grifamos]
3 José Maria Othon Sidou. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2016. [grifamos]
4 Maria Helena Diniz. Dicionário jurídico universitário. São Paulo: Saraiva, 2021. [grifamos]
5 André Franco Montoro. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. [ebook] [grifamos]
6 Oscar Joseph de Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2007. [grifamos] [atualizado por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho]
7 Marçal Justen Filho. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2022. [ebook] [grifamos]
8 Luis Domingos Silva Morais. Direito da concorrência: perpsectivas do seu ensino (Relatório submetido ao escrutínio do Concurso de Agregação). Coimbra: Almedina, 2009. p. 18 e nota de rodapé 9 do livro [grifamos]
9 Luis Domingos Silva Morais. Direito da concorrência: perpsectivas do seu ensino (Relatório submetido ao escrutínio do Concurso de Agregação). Coimbra: Almedina, 2009. p. 18 [grifamos]
10 Luis Domingos Silva Morais. Direito da concorrência: perpsectivas do seu ensino (Relatório submetido ao escrutínio do Concurso de Agregação). Coimbra: Almedina, 2009. p. 19 [grifamos]
11 Cfr. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos (Relatório submetido ao escrutínio do Concurso de Agregação). Coimbra: Almedina, 2016. p. 22 [grifamos]
12 Cfr. Julie Ryan. Transactional Lawyering: An Experiential Approach to Communication and Problem-Solving. Carolina do Norte: Carolina Academic Press, 2019. [ebook] [tradução livre] [do prefácio]
13 Vide, por exemplo, a figura dos agentes, empresários etc.: (I) «Embora nem sempre pensemos nisso, utilizamos de fato a representação em muitas partes da nossa vida. Por vezes, precisamos de encontrar trabalho, pelo que contratamos uma agência de emprego. Outras vezes, precisamos de comprar ou vender alguma coisa - uma casa, apólices de seguro, um carro - e contratamos um representante que compreende esse mercado específico. Quando precisamos de alguém que represente os nossos interesses legais, contratamos um advogado. Estas mesmas situações - e muitas outras - surgem na indústria do entretenimento. Alguns assuntos são da competência dos agentes, outros são da competência de outros tipos de representação, como publicists ou managers, mas compreender quando e por que precisamos de representação é muitas vezes útil para identificar o tipo de representação de que precisamos - e como utilizá-la.» (Gervich Chad. How to Manage Your Agent: A Writer's Guide to Hollywood Representation. Nova Iorque: Taylor & Francis Routledge Focal Press, 2013. [ebook] [tradução livre]); (II) «Os agentes e os gestores são responsáveis pela ligação entre os artistas e o rendimento da carreira, e ambos ganham uma percentagem da atividade económica que geram para os artistas e para eles próprios. A percentagem que um agente de artistas ganha normalmente é de 10 a 25 por cento dos rendimentos de um artista, sendo a média de 15 por cento. No entanto, se nenhum artista sob contrato com o manager estiver a ganhar o suficiente para cobrir as suas próprias despesas, a realidade de quando o dinheiro comissionável flui como rendimento para o artista pode ser um choque para os novos managers se não estiverem preparados para isso. Os royalties de gravação provenientes de grandes gravadoras podem demorar dois anos ou mais a partir da data de lançamento, assumindo que o álbum ganha o suficiente com os royalties do artista para pagar os adiantamentos pagos pela gravadora ao artista. A venda de bilhetes para espectáculos pode ser mínima ou inexistente no início, mas pode muitas vezes tornar-se a fonte de rendimento regular mais rápida para bandas e artistas autogeridos, bem como para aqueles que dispõem de um empresário pessoal. Os rendimentos provenientes de direitos de edição podem ser impressionantes, mas o seu desenvolvimento é lento se o artista for novo na composição de canções. Assim, um novo manager deve estar preparado para financiar o seu próprio negócio de gestão durante três a cinco anos.» (Paul Allen. Artist Management for the Music Business. Nova Iorque: Taylor & Francis Routledge Focal Press, 2022. [ebook] [tradução livre])
14 Richard Neumann Jr. Transactional Lawyering Skills: Client Interviewing, Counseling, and Negotiation. Maryland: Wolters Kluwer Aspen, 2012. [ebook] [tradução livre]
15 Cfr. Otávio Henrique Baumgarten Arrabal. Mercados de mídia e entretenimento e o direito concorrencial. Migalhas, 2022.
16 Shay Sayre/Cynthia King. Entertainment and Society: Influences, Impacts, and Innovations. Nova Iorque: Taylor & Francis Routledge, 2010. [ebook]
17 «Os especialistas em Direito do Entretenimento desenvolvem normalmente uma especialização numa ou mais das áreas substantivas do Direito que se combinam para formar o corpo do Direito do Entretenimento, tais como direitos de autor, contratos, marcas, trabalhista (incluindo leis sobre trabalho infantojuvenil), compensação do trabalhador, tributos, organizações empresariais, antitrust, direito administrativo, falências, direito da família, imigração ou direito penal. [...]. Já não é exato afirmar que o direito do entretenimento não existe, porque o direito do entretenimento é simplesmente o amálgama de várias áreas díspares do direito substantivo e dos negócios. Não obstante, é uma área do Direito extremamente popular entre os estudantes e um objetivo de carreira para os profissionais. [...]. Existem numerosos cursos de pós-graduação em propriedade intelectual e direito do entretenimento. Os cursos de direito da propriedade intelectual são normalmente incluídos nos currículos de direito do entretenimento e os cursos de direito do entretenimento são normalmente incluídos nos currículos de direito da propriedade intelectual. Uma vez que o direito do entretenimento é o exercício de várias áreas de especialidade do direito na indústria do entretenimento, a experiência numa área substantiva do direito relacionada é frequentemente a melhor forma de obter o primeiro trabalho que pode ser desenvolvido numa prática.» (William Henslee. Entertainment careers for lawyers. Chicago: American Bar Association, 2014. p. 1-7 [tradução livre])
18 «O que é o direito do entretenimento? Infelizmente, é impossível fazer uma descrição exaustiva do corpo jurídico que engloba as atividades da indústria do entretenimento na sua totalidade. Uma vez que "indústria do entretenimento" é um termo tão amplo que descreve uma variedade de modelos de negócio [...], é difícil definir o corpo legislativo utilizado para regular todas as partes em movimento. O direito do entretenimento baseia-se em várias áreas do direito, como o contrato, os direitos de autor e as marcas, os estatutos federais e estaduais e os vários costumes e práticas em vigor nas subpartes da indústria [...]. Os princípios jurídicos, regras, costumes e práticas que ajudam a formar a base do direito do entretenimento surgiram da necessidade e conveniência comerciais, bem como dos princípios da razão e da equidade fundamental [fairness and equity]. [...]. Um bom ponto de partida para uma visão geral do direito do entretenimento é identificar as suas subpartes.» (Xavier Frascogna Jr./Shawnassey Howell/Lee Hetherington. Entertainment law for the general practitioner. Chicago: American Bar Association, 2011. p. 1-5 [tradução livre])
19 «O direito do entretenimento [...] abrange os serviços jurídicos prestados ao que é geralmente designado por "indústria do entretenimento". O direito do entretenimento sobrepõe-se ao direito da propriedade intelectual [discordamos dessa afirmação em específico – observação nossa]. Sendo o principal produto da indústria do entretenimento, a propriedade intelectual é salvaguardada por direitos de autor, marcas e direitos de publicity [...]. Além disso, o direito do entretenimento envolve muitas outras áreas de prática, incluindo o direito dos contratos, a difamação, a Primeira Emenda, a privacidade, o trabalho e o emprego, os delitos, a falência, a imigração, os valores mobiliários, a agência, a publicidade, a colocação de produtos, o direito fiscal, o direito internacional, o direito dos seguros e até o direito penal. [...]. A indústria do entretenimento é regida por leis variadas, tais como leis federais e estaduais, jurisprudência e regras elaboradas por agências governamentais.» (Jordan Gonzales. § 1.02. What is entertainment law and litigation? In: Charles Harder (org.). Entertainment Law & Litigation. Nova Iorque: LexisNexis Matthew Bender, [periodicamente atualizado] [tradução livre])
20 Cfr., por exemplo: (I) «O termo spettacolo, para efeitos deste estudo, é, portanto, entendido na sua dupla natureza de fenómeno artístico: a expressão (representação) do pensamento do artista e, ao mesmo tempo, o entretenimento do público (um chamado "evento" cultural), através das artes da música, teatro, dança, cinema e televisão. Tanto no que diz respeito à manifestação de um pensamento artístico como na presença de um acontecimento artístico, o espetador desempenha um papel predominantemente passivo que consiste em assistir (de acordo com a etimologia acima referida do verbo latino spectare). No cerne do fenómeno das artes do espetáculo está a obra artística que, no ordenamento jurídico italiano, é parte integrante do património cultural imaterial, colocado à disposição da comunidade para atingir objetivos como o enriquecimento educativo e o crescimento social. As artes do espetáculo, enquanto obra artística e cultural, representam um bem que, se protegido e valorizado, enriquece a todos.» (Ettore Battelli. Spettacolo e cultura. Profili giuridico-istituzionali. In: Ettore Battelli. (org.). Diritto privato dello spettacolo: opere, contratti, tutele. Torino: Giappichelli, 2021. p. 4 [tradução livre]); (II) «Dois temas são, no entanto, conceitualmente preliminares, por isso serão tratados no primeiro capítulo. O primeiro diz respeito à noção de espetáculo; à distinção, se ainda for válida, das noções similares de entretenimento e representação, e às atividades que tradicionalmente se referem a esta noção: cinematográfica e audiovisual; teatral e prosa; musical e dança; circo e entretenimento itinerante, incluindo apresentações de artistas de rua e as diferentes formas de entretenimento popular e teatro urbano. Diz também respeito à articulação do espetáculo - caracterizado pela versatilidade de conteúdos que lhe é típica - entre as expressões da cultura e da arte, com a consequente extensão a ele dos princípios constitucionais referidos nos artigos. 9º e 33, que configuraram a arte e a cultura como valores constitucionais diferentes e conflitantes em relação aos dominantes nas sociedades atuais (lucro, mercado, consumo) e aos referidos no art. 21 que garante a liberdade de expressão do pensamento artístico e cultural, incluindo-a entre as liberdades fundamentais proclamadas e protegidas pela Constituição. Porém, o segundo tema é mais delicado, pela centralidade que ocupa em toda discussão sobre espetáculo. Esta é a questão, que entre as acima elencadas ocupa o primeiro lugar, relativa à lógica constitucional subjacente à intervenção pública para a promoção do entretenimento, que constitui também o fundamento da sua - como se acredita - continuidade de validade e necessidade no sistema atual.» (Maria Immordino/Alfredo Contieri. La disciplina giuridica dello spettacolo. Torino: Giappichelli, 2023. p. 12-13 [tradução livre]); (III) «A distinção entre espectáculos e entretenimentos públicos não é totalmente clara na doutrina. De acordo com uma primeira interpretação, com efeito, spettacoli são propriamente as ações de pessoas, ou de pessoas com animais ou outras coisas, que têm como principal objetivo o divertimento (independentemente dos fins acessórios), a que o público assiste passivamente, e cuja realização é apreendida através do órgão da visão, ou da visão e da audição em conjunto. Trattenimenti são reuniões, realizadas para fins de divertimento (independentemente dos fins acessórios), nas quais têm lugar acontecimentos ou ações em que os membros do público (todos ou alguns deles) participam ativamente. Outra tese sublinha vários elementos de diferenciação: o trattenimiento pubblico é um gênero do qual o spettacolo é uma espécie [...]. Spettacolo no sentido técnico é um trabalho da mente traduzido em ação visual (teatro, cinema, televisão) [...]. Trattenimento pubblico, que não é um spettacolo, é um evento no qual os destinatários do mesmo podem participar e podem não participar como atores, mas que, em qualquer caso, não consiste na execução de uma obra da mente, mas sim na execução de atividades de vários tipos com o objetivo de divertir e, em qualquer caso, servir a curiosidade, interesses científicos ou distração de um número indeterminado de pessoas. Esta segunda definição parece responder à lógica do artigo 21.º da Constituição, que garante no n.º 1 a "livre manifestação do pensamento pela palavra, pela escrita e por qualquer outro meio de difusão"; e nos números seguintes fala da imprensa (com uma série de garantias e o limite da moralidade), bem como dos espetáculos e de todas as outras manifestações (apenas para autorizar a sua repressão sob o pretexto da moralidade). Nesta perspectiva, o espetáculo é uma manifestação do pensamento, embora secundária e não "merecedora" das garantias que a Constituição atribui, pelo contrário, à imprensa.» (Gianni Long. Spettacoli e trattenimenti pubblici. In: Francesco Santoro Passarelli (dir.). Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè Francis Lefebvre, 1990. p. 421 [Tomo XLIII])
21 Veja-se, por exemplo, uma perspectiva alemã e uma francesa no que diz respeito a tal Direito da Comunicação Social/Direito dos Media/Direito da Mídia como disciplina/campo/domínio/ramo: (I) «O termo "direito dos meios de comunicação social/direito da mídia/direito dos media" [Medienrecht] é utilizado para descrever um campo jurídico [Rechtsmaterie] que ainda é relativamente novo no seu âmbito atual. [...]. Em sentido lato, o direito dos media engloba o conjunto de todas as regulamentações legais e requisitos judiciais que determinam juridicamente o trabalho e o impacto dos media. No entanto, ao contrário das áreas especializadas dos diferentes domínios jurídicos [Rechtsgebiete], como o direito policial, a criminologia ou o direito da família, o direito dos media não foi reconhecido como uma disciplina jurídica no sentido sistemático [Rechtsdisziplin im systematischen Sinne] durante muito tempo. Pelo contrário, o termo foi inicialmente utilizado como um conceito coletivo para resumir os fatos relevantes dispersos por todos os subdomínios [Teilbereiche] do direito público, civil e penal, no sentido de uma concha. [...]. No entanto, uma vez que os subelementos do quadro jurídico [Rechtsrahmens] para e em relação aos meios de comunicação social estão intimamente interligados, o direito dos meios de comunicação social pode ser considerado atualmente um domínio jurídico autônomo [eigenständigen Rechtsgebiet].» (Mark Cole/Dieter Dörr. Einleitung – Das Medienrecht als Rechtsmaterie. In: Dieter Dörr/Johannes Kreile/Mark Cole. (orgs.). Medienrecht: Recht der elektronischen Massenmedien. Frankfurt: Fachmedien Recht und Wirtschaft, 2022. p. 2-3 [tradução livre] [grifamos]); (II) «O direito dos media é ainda uma disciplina relativamente recente. No entanto, é-lhe atualmente dedicado um número crescente de obras, livros e publicações. Estes trabalhos sublinham a sua importância e o seu interesse. Asseguram o seu reconhecimento e marcam, sem dúvida, a sua existência de uma vez por todas. O seu estudo e a sua prática são agora a especialidade de advogados, magistrados, advogados de empresas, organizações profissionais e instituições públicas... É objeto de ensino (direito, ciência política, informação e comunicação, jornalismo...) e de investigação universitária. [...]. O direito da comunicação social viveu durante muito tempo, e talvez ainda hoje, do seu carácter multi, inter ou transdisciplinar (direito civil, direito penal, direito do trabalho, direito comercial, direito fiscal, direito administrativo etc. - nacional, internacional e europeu), o que é também a sua fonte de riqueza. Sendo uma disciplina "transversal", ela toma de empréstimo os vários ramos do direito (público e privado), ultrapassando as divisões universitárias tradicionais. Esta é simultaneamente uma das suas dificuldades e um dos seus atrativos! [...]. O direito dos media define-se, antes de mais, pelo seu objeto. É daí que deriva uma aparência de unidade. Quanto mais se procura dar ordem, rigor e coerência - sem os quais não pode haver disciplina jurídica! - à apresentação das normas que compõem este direito, mais nos afastamos, sem dúvida, da sua realidade atual, de que a ausência de um código é uma das manifestações mais significativas. Ao mesmo tempo, torna-se evidente a necessidade imperiosa de dotar o direito daquilo sem o qual não se pode afirmar a existência de um verdadeiro direito.» (Emmanuel Derieux. Le droit des médias. Paris: Dalloz, 2019. [ebook] [tradução livre] [grifamos])