A partir da leitura do debate suscitado por estudiosos do direito de patentes e seus praticantes, verifica-se que as reivindicações de patentes relativas a processos são construções de considerável complexidade descritiva, requerendo um grande esforço por parte do(s) inventor(es) no detalhamento e apuro redacional, consectários do requisito informacional de suficiência.
Do verbo se faz patente e, em se tratando desta seara do direito industrial em específico, “tudo [ou quase tudo – observação nossa] é decidido em torno das reivindicações”1:
Vale ressaltar que as reivindicações indicativas de produto-por-processo (product-by-process), bem pontuadas na Diretriz Brasileira de Exame de Pedidos de Patente do INPI10 inclusive, “definidas em termos do método/processo de produção do produto”11 mas que ao produto concentram a tutela, e que por esta particularidade “são tratadas também como reivindicações de produto”12, estão plenamente associadas a este contexto.
Curioso é perceber que processo e método – duas palavras polissêmicas – para efeitos de reivindicação13, sejam tratadas como sinônimas14. Consulta-se dicionários e enciclopédias de filosofia, e vê-se que processo pode ser o “procedimento, maneira de operar ou de agir; devir ou desenvolvimento”15, e método pode ser “caminho ou direção para um objetivo, um termo. [...] uma direção definível ordenada, e não fruto do mero acaso ou fortuna”16.
Por sua vez, ao consultar de dicionários da literatura de engenharia química, verifica-se que a denotação de processo consiste em “um sistema de operações integradas que transforma entradas [inputs] em saídas [outputs] de forma controlada, podendo as definições formais variarem conforme o contexto”17, bem como a de método consiste em “uma maneira definida ou sistemática de fazer algo, como realizar uma análise química”18.
A engenharia química é o ramo [branch] científico que trabalha sobremaneira com “uma combinação única de química, engenharia mecânica e física”19, caminhando pelas disciplinas da “termodinâmica, reações, segurança, operações unitárias, controle e otimização de processos, fenômenos de transporte”20, dentre muitas outras. Lidar com processos é uma constante deste ramo, afim a seus “sistemas de interesse”:
“O foco especial, da engenharia química, na engenharia de processos cultiva uma perspectiva de sistemas que torna os engenheiros químicos extremamente versáteis e capazes de lidar com um vasto espectro de problemas técnicos. Os sistemas de interesse incluem frequentemente produtos, processos para os fabricar e aplicações para os utilizar. Para além de conceber, fabricar e utilizar produtos, a engenharia química também inclui a pesquisa de novas formas de medir, analisar eficazmente e, possivelmente, redesenhar sistemas complexos que envolvam processos químicos e biológicos.”21
O engenheiro químico e advogado norte-americano especialista em patentes, Henry Heines, pontua que, respeitados os requisitos de patenteabilidade, “um processo patenteável pode consistir numa nova combinação de etapas [steps] de um processo existente, numa alteração da ordem das etapas, na adição de uma etapa a uma sequência de etapas estabelecida, na eliminação de uma etapa anteriormente considerada necessária ou na utilização de um material ou substância que seja novo para o processo”22. Não é incomum, aliás, que sejam reivindicados mais de um processo, associados entre si23, desde que prezada a “unicidade do conceito inventivo”24.
No que concerne especialmente à disciplina de engenharia de processos, o engenheiro-chefe de processos químicos na sociedade empresária ThyssenKrupp, Michael Kleiber25, enfatiza que “para o desenvolvimento de um novo processo, é preciso verificar se é possível superar as dificuldades técnicas”, trabalhando-se neste cenário, também, com as “situações jurídicas envolvendo patentes”, junto às demais exigências técnicas envolvidas.
A formação de engenheiros químicos inventores - versados em processos industriais peculiares ao seu ramo - a nível de graduação e pós-graduação, revela, dentre várias capacidades, a perspectiva das abordagens problema-solução26, o que poderia indicar uma vantagem na apuração de atividade inventiva em sede de construção, e exame, das patentes e suas reivindicações.
Isto é, considerando uma abordagem proativa na formação de engenheiros químicos, baseada no desenvolvimento de competências27 pelas quais os acadêmicos sejam instigados à necessidade de avanço das soluções para problemas concretos e abstratos, o processo criativo pode levar a solução técnica do problema investigado, suscitando uma ou mais invenções.
Cada vez mais os engenheiros químicos inventores serão confrontados com a necessária tarefa de descrever adequada e suficientemente o engendramento das soluções desenvolvidas.
1 Durán/Fonseca/Seabra. Intellectual Property in Chemistry. [ebook] [tradução livre]
2 Barbosa. Tratado da Propriedade Intelectual: volume II. p. 1271
3 Remédio Marques. Artigo 50. In: Gonçalves (org.). Código da Propriedade Industrial Anotado. p. 177
4 Barbosa/Barbosa. O Código da Propriedade Industrial comentado conforme os tribunais: volume I. p. 573
5 Müller/Pereira Jr/Antunes. Escopo das reivindicações e sua interpretação. Revista da ABPI, jul-ago 2001, p. 28
6 Pinho/Cotia/Golfeto/Luna. Product-by-process claims in Brazil: how to obtain effective claims?. Kluwer Law Blog, abr. 2023. [tradução livre]
8 Waller. Writing Chemistry Patents and Intellectual Property. [ebook] [tradução livre]
9 Simmons. What’s in a claim. In: Collier (org.). Chemical Information. p. 93 [tradução livre]
10 O INPI também mantém as Diretrizes de Exame voltadas ao domínio da técnica química.
11 Wegner. Patent Law in Biotechnology, Chemicals & Pharmaceuticals. p. 204 [tradução livre]
12 Muller/Pereira Jr/Antunes. Escopo das reivindicações e sua interpretação. Revista da ABPI, jul-ago 2001, p. 28
13 “A reivindicação de método [method claim] [...] é frequentemente usada para descrever uma série de passos para alcançar uma função.” (Ma. Fundamentals Of Patenting and Licensing for Scientists and Engineers. [ebook] [tradução livre])
14 “Para todos os efeitos, processo e método são sinônimos.” (Curso INPI/OMPI – DL320P BR, Módulo III, p. 11)
15 Abbagnano. Dicionário de Filosofia. p. 798
16 Morujão. Método. In: Logos – Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. p. 852
17 Moran’s Dictionary of Chemical Engineering practice. [ebook] [tradução livre]
18 Schaschke. A Dictionary of Chemical Engineering. [ebook] [tradução livre]
19 Hipple. Chemical Engineering for Non-chemical Engineers. [ebook] [tradução livre]
20 Hipple. Chemical Engineering for Non-chemical Engineers. [ebook] [tradução livre]
21 Nnaji. Introduction to Chemical Engineering. [ebook] [tradução livre]
22 Heines. Process Claims: Know your Infringer. Chemical Engineering Process, set. 2015. [tradução livre]
23 Cfr., por exemplo, a patente concedida BR 12 2020 006337 8 (Processo para preparar membrana de carbono possuindo desempenho de separação de gás predeterminado, processo para separar pelo menos um primeiro componente de gás e um segundo componente de gás, membrana de carbono e módulo de peneira molecular de carbono)
24 “A unidade de invenção e o conceito inventivo são noções de certa complexidade, como denotam as diretrizes mais recentes do INPI, listadas sob o art. 22. Em essência é o requisito de que, em cada patente, se proteja uma única solução técnica, ainda que para tal proposito se reúnam reivindicações de natureza diversa.” (Barbosa/Barbosa. O Código da Propriedade Industrial comentado conforme os tribunais: volume I. p. 938)
25 Kleiber. Process Engineering. [ebook] [tradução livre]
26 Cfr. Burkholder/Hwang/Wieman. Evaluating the problem-solving skills of graduating chemical engineering students. Education for Chemical Engineers, 2021.
27 Cfr. Franco et. al. A competency-based chemical engineering curriculum at the University of Campinas in Brazil. Education for Chemical Engineers, 2023.