Migalhas de Peso

TJ/RS decidiu pela não equiparação de dinheiro à amostra grátis

Com esta decisão, o TJ/RS acompanha a tendência vista em outros Tribunais estaduais e já expressamente decidida pelo STJ em 2022.

12/12/2023

A Justiça de primeiro grau e os Tribunais estaduais de todo o país vêm recebendo enorme quantidade de ações indenizatórias de correntistas alegando que receberam valores em suas contas a título de empréstimo pessoal e consignado não solicitados. Não é incomum que nestas ações os correntistas pretendam a declaração de nulidade do contrato, indenização por danos morais e que seja, a quantia recebida, equiparada à amostra grátis, prevista no art. 39, inciso III e parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor.

O acolhimento de tal tese resultaria na determinação judicial de que o valor depositado fosse creditado em definitivo na conta do consumidor, porém, ao julgar a apelação cível 5032117-62.2021.8.21.0001, o desembargador Eduardo Kraemer, da 9ª Câmara Cível do TJ/RS, que acompanhou o entendimento do primeiro grau, entendeu que “o montante creditado em conta deverá ser restituído pelo consumidor, sob pena de ensejar enriquecimento ilícito manifesto (art. 884 do Código Civil), além de violar a boa-fé nas relações – princípio incidente quer nas relações regidas pela legislação civilista, quer nas de consumo”.

O voto abriu divergência e foi acompanhado pelos Desembargadores convocados, resultando em decisão por maioria, em 23 de agosto de 2023, e fixando na ementa do Acórdão que a matéria devolvida à apreciação da 9ª Câmara envolveu, dentre outras, a “equiparação dos depósitos dos valores dos contratos em sua conta corrente a amostra grátis (CDC art. 39, III e parágrafo único)”, restando decidido que é “descabida a pretensão do consumidor quanto ao creditamento em seu favor do valor do empréstimo, sob pena de ensejar enriquecimento ilícito, além de violar a boa-fé nas relações”.

Com esta decisão, o TJ/RS acompanha a tendência vista em outros Tribunais estaduais e já expressamente decidida pelo STJ em 2022. No julgamento do AResp 2.220.591, em 21 de outubro de 2022, o Ministro Moura Ribeiro reputou como “inaceitável o argumento de que tal valor seria ou objeto de doação ou de ‘amostra grátis’ da instituição financeira a ela. Se assim o fosse estaríamos diante do caso de um banco fazendo doações a pessoas aleatórias, fato de tamanha estranheza, podendo ser dito como tentativa de diminuir a inteligência do Poder Judiciário como um todo”. Já no julgamento do AREsp 2.102.778, em 26/5/22, o Ministro Humberto Martins determinou que “tornam as partes ainda ao estado anterior em que se encontravam, de modo a caber compensação entre o valor creditado pela ré e o montante que descontou a título de parcelas no benefício previdenciário da apelada”, afastando a tese de que os valores deveriam ser definitivamente apropriados pelo correntista pela incidência do instituto da amostra grátis.

Os Tribunais estaduais, muito antes, já se posicionavam neste sentido, como no julgamento da Apelação Cível 1000057-83.2021.8.26.0157, em 0/06/2021, em que a 14ª Câmara de Direito Privado do TJSP, sob a relatoria do Desembargador Luiz Fernando Camargo de Barros, entendeu que “depósito na conta bancária do autor que não configura amostra grátis. Necessidade de devolução da quantia depositada, sob pena de enriquecimento ilícito”. Atualmente as Turmas Recursais dos Juizados Especiais se posicionam da mesma forma, como se vê do julgamento do Recurso Inominado Cível n. 413039-08.2023.8.04.0001, em que a 1ª Turma Recursal do TJAM, em 26/05/2023, sob a Relatoria do Juiz Julião Lemos Sobral Junior, que reformou a sentença de primeiro grau que havia determinado “perda do valor eventualmente depositado, em favor da Autora, como amostra grátis – art. 39, parágrafo único do CDC”, mantendo a condenação, mas não aplicando a tese de perdimento de valores para o correntista pela equiparação à amostra grátis e reduzindo a indenização por dano moral.

O posicionamento do Poder Judiciário é congruente com a natureza do empréstimo bancário, que não se trata de prática comercial destinada a angariar clientes ou divulgar a marca da instituição bancária. E, ainda para os casos em que não há contratação, poder-se-á entender, mediante provas nos autos, que se trata de eventual falha na prestação de serviços, mas jamais oferta gratuita para que dela o cliente desfrute para optar, ou não, por contratação futura.

Além disso, o direito pátrio veda o comportamento contraditório: se o correntista percebe valores cuja origem desconhece em sua conta bancária, deve, calcado na boa-fé que se espera de todas as relações jurídicas, proceder à restituição imediata do valor, nos termos do art. 884 do Código Civil.

Carolina Vieira Bitante
Advogada especialista em mercado e relações de consumo e sócia no escritório Ernesto Borges Advogados.

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