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Freios e contrapesos: O comportamento dinâmico dos Poderes da República

Embora as contenções recíprocas entre os poderes façam parte do jogo democrático, a invasão de competências, independentemente das suas motivações, não deve ser tolerada. Isso vale tanto para magistrados, por mais bem-intencionados que sejam, quanto para os representantes eleitos para as casas legislativas e para o executivo.

12/12/2023

Os três poderes da República Federativa do Brasil, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, devem ser independentes e harmônicos entre si. Esse é o princípio da separação dos poderes, consagrado no art. 2º da Constituição da República de 1988, que remonta aos tempos da Constituição de 1891, nesse aspecto de inspiração norte-americana.

A convivência harmônica e independente entre os poderes depende de contenções recíprocas, e isso ocorre por meio do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), cuja origem vem do ideal concebido pelo filósofo iluminista Montesquieu, na França revolucionária do século XVIII. Em um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, as contenções mútuas entre os poderes são realizadas mediante instrumentos previstos no ordenamento jurídico: O chefe do Executivo, por exemplo,exerce o poder de veto sobre projetos de lei do Legislativo, o Judiciário anula atos eivados de inconstitucionalidade ou ilegalidade dos demais poderes,  o Legislativo aprova leis que balizam a atuação do Executivo e do Judiciário. Tal como placas tectônicas sob a superfície da Terra, os três Poderes estão em constante movimento, sempre buscando posições que os acomodem;mas, por vezes, esses movimentos provocam choques,com efeitos perceptíveis para a sociedade.

Em um mundo em que a informação chega a qualquer lugar em tempo real, os veículos de comunicação tradicionais deixaram de ser as únicas fontes de transmissão de notícias. Os julgamentos dos Tribunais Superiores são transmitidos ao vivo e pela internet, assim como a cobertura política há muito deixou de ser exclusividade da imprensa especializada. Nesse contexto, agastamentos entre os Poderes são pauta frequente na mídia, nos Tribunais e nas sessões legislativas.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, alguns julgamentos recentes chamaram atenção da sociedade por tratarem de questões que, para muitos, excedem os limites das suas atribuições judicantes e invadem opções políticas que caberiam ao Poder composto por aqueles que receberam o voto popular: o Legislativo. É o caso da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, que já conta com 5 (cinco) votos favoráveis no STF,contra 1 (um) contrário (o julgamento foi interrompido no dia 25 de agosto pelo pedido de vista do Ministro André Mendonça) e, ainda, da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 (doze) semanas de gestação (ADPF 442), já submetida ao Plenário pela Ministra Rosa Weber. Essas pautas, efetivamente, flertam com a atividade legislativa e, como não poderia deixar de ser, têm gerado críticas severas no âmbito do Congresso Nacional. É importante salientar que o Poder Legislativo pode adotar posturas políticas não só legislando, mas também deixando de legislar sobre determinados temas de repercussão em toda a sociedade. 

Por outro lado, desde o midiático julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ainda nos idos de 2012, da Ação Penal 470 (o processo do mensalão, que culminou na condenação de diversos agentes políticos do primeiro escalão do governo federal), o Congresso Nacional pôs-se a discutir algumas Propostas de Emenda Constitucional concebidas com o propósito de limitar e delimitar os poderes da Suprema Corte.

No ano de 2011, a PEC 17/11 propunha acabar com a exclusividade do presidente da república para a nomeação dos integrantes do Supremo. De acordo com aquela proposta, a prerrogativa de indicação do candidato ao posto de ministro do STF seria dividida entre seis instituições. A proposta, no entanto, acabou arquivada por não ter sido votada antes do final daquela legislatura. Outro debate que, de tempos em tempos, vem à tona, é a estipulação de mandato com prazo certo para os ministros do Supremo Tribunal Federal, que, hoje, são vitalícios, tendo como único limite a aposentadoria compulsória aos75 (setenta e cinco) anos de idade. No ano de 2019, a PEC 16/19, propôs restringir a 8 (oito) anos os mandatos dos ministros do STF. Na mesma linha, no último dia 4 de outubro, a PEC 51/23 propõe restringir os mandatos a 15 (quinze) anos, além de aumentar de 35 (trinta e cinco) para 50 (cinquenta) anos a idade mínima para o pretendente a ocupar uma das cadeiras da Corte. A proposta, deve-se reconhecer, poderá aprimorar a composição da Corte, com a maior renovação de seus integrantes e, por conseguinte, permitir a sua oxigenação ao evitar mandatos que muitas vezes superam duas décadas.

Mais recentemente, a inusitada PEC 50/23 (que recebeu a alcunha de “PEC do Equilíbrio entre os Poderes”), propôs acrescentar um inciso ao artigo 49 da Constituição Federal, que trata das competências do Congresso Nacional, para permitir que, por maioria qualificada dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, sejam sustadas decisões do Supremo Tribunal Federal,transitadas em julgado, que “extrapolem os limites constitucionais”. Segundo a justificativa apresentada pelo autor da proposta, a sua apresentação se deu em razão " do ambiente cada dia mais tenso diante de decisões polêmicas e controversas, proferidas muitas vezes por um indivíduo em detrimento da opinião de milhões de brasileiros”. Trata-se de iniciativa inegavelmente polêmica – para se dizer o mínimo –, que extrapola e põe em risco oequilíbrio do sistema de freios e contrapesos, que rege a estrutura do Poder no Brasil.

Mais consentânea com o propósito de conter eventuais excessos cometidos pelo STF, a PEC 8/21 propôs limitações à prolação de decisões monocráticas e aos pedidos de vista nos Tribunais Superiores. De acordo com o texto, que foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal no dia 4 de outubro, ficaria proibida a suspensão, por decisão monocrática, da eficácia de lei ou ato normativo com efeito geral, ou de ato dos Presidentes da República, do Senado, da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional. À vista da perigosa e reiterada utilização das decisões monocráticas em detrimento da observância ao relevante princípio da colegialidade, a PEC 8/21 é alvissareira e, caso venha a ser aprovada, será valioso aprimoramento ao bom funcionamento do sistema de freios e contrapesos no Brasil. As decisões colegiadas a respeito de temas relevantes conferem maior segurança jurídica às decisões da Corte Constitucional e, sem dúvida, refletem, com maior autoridade, o entendimento da maioria de seus integrantes.

Embora as contenções recíprocas entre os poderes façam parte do jogo democrático, a invasão de competências, independentemente das suas motivações, não deve ser tolerada. Isso vale tanto para magistrados, por mais bem-intencionados que sejam, quanto para os representantes eleitos para as casas legislativas e para o executivo.

Ana Tereza Basilio
Sócia fundadora do Basilio Advogados. Foi juíza do TRE-RJ, de dezembro de 2010 a julho de 2015. Eleita vice-presidente da OAB/RJ - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Rio de Janeiro, para o triênio 2019 a 2021.

Davi Vilela
Advogado no escritório Basílio Advogados.

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